• Fundado em 11/10/2001

    porto velho, domingo 13 de abril de 2025

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: “ABRIL VERDE”... PARA QUEM?


Por Walterlina Brasil

11/04/2025 17:32:21 - Atualizado

A intolerância religiosa tem mostrado um crescimento preocupante no Brasil, especialmente contra religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda. Dados do Disque 100 revelam um aumento de mais de 80% nas denúncias de intolerância religiosa em 2024, comparado ao ano anterior. Esse aumento reflete uma média de sete casos por dia, sendo a maioria das vítimas mulheres negras. Tais números não são apenas estatísticas frias, mas representam uma escalada da violência e da discriminação. A intolerância religiosa transcende o preconceito individual e se configura como uma violação de direitos humanos, exigindo medidas urgentes para a sua contenção.

Em 2022, estive em um evento organizado pelo então vereador Aleks Palitot que buscava homenagear a memória dos terreiros em Porto Velho. Foi uma ocasião que eu lembrei bem de “Maria Macaxeira” porque o terreiro dela, que ficava na Marechal Deodoro esquina com Abunã, era vibrante, movimentado e respeitado no inicio da década de 70. Embora eu não entendesse nada do que via naquela época, por ser uma menina com menos de 6 anos, até hoje eu lembro de sentir o ritmo, a música, as vestimentas e o som dos atabaques. E era muito bom. Minha mãe vendia croquetes (originais, de macaxeira com carne moída) e, embora católica, seguia o protocolo do lugar, sem qualquer desconforto.

Agorinha, em 2025 e durante o “Abril Verde”, Mãe Zeneida de Navê, escritora rondoniense e autora do livro infantil “Meu Terreiro, Meu AXÉ”, tem enfrentado uma campanha de intolerância religiosa e racismo após apresentar sua obra em uma escola municipal em Porto Velho. A obra, que celebra a vivência de uma menina preta de 10 anos em um terreiro, foi alvo de ataques nas redes sociais e críticas de parlamentares “indignados” (! Pasmem).

É grave.

Casos específicos ilustram a gravidade da situação. Por exemplo, em Pernambuco, um pai de santo foi assassinado em sua própria casa, e amigos acreditam que o crime foi motivado por intolerância religiosa. Além disso, uma influenciadora digital levantou questões sobre discriminação religiosa após ser eliminada de um reality show, possivelmente devido à sua prática do Candomblé.

Em Sergipe, uma Deputada destacou a necessidade de ações concretas para combater essa violência, especialmente contra povos de terreiro. Ela é autora da Lei nº 9.404/2024, que institui o "Abril Verde", um mês dedicado ao combate à intolerância religiosa. Apesar disso, a implementação de políticas públicas ainda enfrenta desafios significativos.

No caso de Rondônia, em 2024 uma notícia chamava atenção da mídia a intolerância dirigida a uma criança em idade escolar, e outra notícia, em 2022, um periódico local informava que (transcrevo, fonte no final da coluna):

“Ainda no distante ano de 2017, a administração do então governador Confúcio Moura (MDB, hoje senador) começou as discussões para implementação de um núcleo especializado em Crimes Raciais e Discriminação Religiosa em Rondônia, por meio da Sesdec (Secretaria Estadual de Segurança Pública) e Polícia Civil.(...) Até [SIC] foi feita uma oficina (workshop) em um hotel de Porto Velho, em dezembro daquele ano, com a participação do Conselho Estadual da Promoção e Igualdade Racial (Cepir), Defensoria Pública de Rondônia, da própria Sesdec, da Secretaria Estadual de Assistência Social (SEAS) e de representantes do Governo Federal.”

Atualmente, a situação de intolerância religiosa se intensificou após uma vereadora de Porto Velho classificar a apresentação do livro como um "evento de cunho religioso" e propor um projeto para informar previamente os pais sobre atividades religiosas nas escolas. Além disso, um deputado estadual também fez comentários preconceituosos sobre o caso, logo o mesmo que perdeu no STF a pretensão de estabelecer preconceitos linguísticos no ensino de Rondônia.

Mãe Zeneida ficou só, com seus advogados. Embora tenha demonstrado que os ataques incluem ameaças e discursos de ódio, colocando sua segurança em risco, as notícias dão conta do silêncio entre aqueles que poderiam, no mínimo, dar eco a voz dela. O advogado da escritora defendeu que a apresentação da obra estava alinhada com a Lei 10.639, que exige o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. E está. Ora, então não há ausência de alternativas, há ausência do Estado para garantia do cumprimento dos dispositivos constitucionais e educativos.

Alternativas.

Neste contexto, a educação surge como uma ferramenta importante e estratégica para combater a intolerância. Mas o tema não é simples: enquanto alguns especialistas defendem a inclusão de cursos de Ciências da Religião nas universidades públicas e a formação continuada de professores para abordar a diversidade religiosa de forma inclusiva outros defendem que nada de religião se trate no ambiente escolar porque o Estado é laico.

A Lei 10.639/2003 tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, tanto públicas quanto particulares. Essa legislação foi um marco na valorização da cultura negra no Brasil, promovendo o estudo da História da África, da luta dos negros no país e da influência da cultura afro-brasileira na sociedade.

A lei também estabeleceu o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, em homenagem a Zumbi dos Palmares, um dos maiores líderes quilombolas. Além disso, os conteúdos relacionados à cultura afro-brasileira devem ser abordados em diversas disciplinas, como Educação Artística, Literatura e História Brasileira.

Medidas concretas por diferentes atores da sociedade, seguem prementes. Sempre a educação e a formação docente como carro chefe. Políticas públicas e segurança jurídica que permitam garantia de suporte as vitimas e protocolos para proteger docentes e pesquisadores que trabalham com religiões afro-brasileiras. As ações na sociedade civil, devem consubstanciar o incentivo a campanhas de conscientização, promovendo eventos inter-religiosos. Também pode ser considerada a criação de mecanismos de denúncia e suporte psicológico para vítimas de intolerância religiosa.

As Universidades.

A implementação da Lei 10.639/2003 nas universidades brasileiras enfrenta desafios significativos. Embora a legislação exija o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, sua aplicação no ensino superior ainda é limitada. Estudos indicam que muitas universidades não possuem disciplinas obrigatórias sobre o tema, deixando a abordagem restrita a iniciativas isoladas de professores e grupos de pesquisa.

Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), por exemplo, houve avanços na inclusão de conteúdos relacionados à lei, mas ainda existem dificuldades na implementação plena, especialmente nos cursos de licenciatura, como História e Pedagogia. Além disso, conforme um estudo sobre a implementação da Lei, existem falta de políticas institucionais para garantir a permanência de estudantes cotistas também é um obstáculo. Apesar disso, há esforços de pesquisadores e movimentos sociais para ampliar a presença desses conteúdos nas universidades.

Contexto local.

A resistência à implementação da lei decorre de fatores estruturais do sistema educacional e a questões ideológicas que dificultam a valorização da cultura afro-brasileira no ensino superior, além de Rondônia ser um Estado que reconhece pouco a diversidade religiosa.

Na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), essa resistência se manifesta não apenas na estrutura curricular, mas também no ambiente acadêmico. Professores que lecionam sobre matrizes africanas enfrentam rejeição dentro das salas de aula, com episódios de agressões verbais e tentativas de “exorcismo” por parte de alunos. Enquanto dirigentes da universidade plantam árvores simbolizando o combate à intolerância religiosa, o problema persiste na prática. O silêncio institucional, presente em casos como o de Mãe Zeneida, não pode prevalecer.

O incomodo maior ainda é sobre o silencio. Enquanto figuras públicas são homenageadas pela Assembleia Legislativa pelo “combate a intolerância religiosa” e dirigentes da UNIR plantam arvores simbolizando este mesmo combate, o problema persiste e é real. No centenário de Paulo Freire em 2021 um momento freiriano mágico, inclusivo e singelo aconteceu: uma dança circular com a presença de varias representações que professavam religiões em Rondônia compareceram para celebrar em frente a UNIR Centro. E representantes das matrizes africanas nos informavam que pela primeira vez haviam sido convidados como um momento de inclusão. Foi mágico. Mas parou ali. Em minha memória, aquela criança que ia ver a mãe em frente do terreiro e ficava encantada com os atabaques se sentiu reconfortada. Mas, parou ali onde começou.

O combate à intolerância religiosa exige uma mudança profunda na forma como a sociedade e as instituições tratam a diversidade. Não basta reconhecer o problema – é preciso agir.

Cabe ao Estado garantir o cumprimento da Lei 10.639/2003 e fortalecer políticas de proteção às vítimas de intolerância. O silêncio institucional, tão presente em casos como o de Mãe Zeneida, não pode prevalecer.

A construção de uma sociedade mais justa e igualitária passa pela valorização da diversidade religiosa e cultural. Respeitar as diferentes crenças não é um ato de concessão, mas um direito fundamental que deve ser garantido a todos e todas.

Fontes: Dá uma olhadinha?

Caso Mãe Zeneida (2025, ICL Notícias) https://iclnoticias.com.br/esc...

Artigo sobre a Lei 10.639/2023 nas Universidades. https://www.scielo.br/j/pp/a/V...

Paulo Freire e a Magia de 19 de setembro 2021 na UNIR. Interreligioso. https://nch.unir.br/noticia/ex...

Sobre intolerância religiosa e educação. https://d24am.com/amazonas/ent...

Cresce intolerância religiosa. https://imprensa24h.com.br/int...

Crescimento da intolerância religiosa. https://g1.globo.com/politica/...

Assassinato de pai de santo. https://g1.globo.com/pe/pernam...

Intolerância religiosa nas escolas (2023) https://www.emrondonia.com/jus...

Delegacia em Rondônia para intolerância religiosa (2022) https://www.rondoniaovivo.com/...

Lei 10.639/2023: https://www.planalto.gov.br/cc...


Os comentários são via Facebook, e é preciso estar logado para comentar. Os comentários são inteiramente de sua responsabilidade.