Fundado em 11/10/2001
porto velho, sexta-feira 22 de agosto de 2025
A ansiedade climática entre jovens tem se consolidado como um fenômeno global, revelando não apenas uma crise emocional, mas uma ruptura profunda entre a percepção da emergência ambiental e a resposta institucional. Segundo estudo publicado na Lancet Planetary Health, 59% dos jovens em dez países afirmam estar extremamente preocupados com as mudanças climáticas, e 45% dizem que isso afeta negativamente seu dia a dia (Hickman et al., 2021). Esse dado, por si só, já deveria mobilizar políticas públicas, currículos escolares e acadêmicos, bem como estratégias de comunicação. No entanto, o tema ainda é tratado com superficialidade ou relegado a nichos ativistas, sem a devida centralidade no debate público.
A juventude contemporânea não apenas herda os efeitos da ruptura ecológica, como também é convocada a agir em um cenário de incerteza, lentidão política e greenwashing corporativo. A ecoansiedade, nesse contexto, não pode ser reduzida a uma patologia individual. Trata-se de uma resposta racional diante da escalada de eventos extremos, da degradação dos ecossistemas e da insuficiência das ações governamentais. A medicalização dessa angústia corre o risco de despolitizar o sofrimento, transformando uma demanda legítima por mudança em um problema clínico a ser tratado com terapias isoladas.
Antecipo que aqui, com este tema e neste momento do Brasil, não estou me recusando aos temas em voga como a prisão do ex-presidente (sensacionalizado como foi o de 2018), os embates em torno da defesa da democracia e da soberania nacional diante do tarifaço, ou os episódios de violência que ocupam o noticiário. Esses assuntos são relevantes e merecem atenção crítica. No entanto, é preciso reconhecer que a lógica das tendências e da hiperexposição midiática frequentemente desloca o foco do que é estrutural e urgente, sobrepujando o país de discussões que são emergentes, táticas e que remetem a nossa condição de existência.
Brasil. juventude e litigância climática
No Brasil, a atuação de jovens como Txai Suruí recoloca as lideranças indígenas no centro do debate climático. Ao conectar justiça ambiental com direitos territoriais e soberania dos povos originários, essas vozes ampliam o escopo da discussão e desafiam a lógica extrativista que ainda domina as políticas de desenvolvimento. A presença de jovens indígenas, periféricos e do semiárido em espaços de decisão e mobilização revela uma nova gramática do ativismo, mais enraizada, plural e estratégica.
A escola e as universidades, enquanto espaços de formação cidadã, têm papel central na mediação entre o medo e a ação. No entanto, a maioria das instituições ainda não incorporou a crise climática como eixo transversal do currículo. Segundo a UNESCO (2021), menos de 50% dos currículos nacionais incluem educação socioambiental de forma estruturada. Protocolos de apoio psicológico, pedagogias baseadas em projetos e educação climática integrada são raros e, quando existem, dependem da iniciativa de professores isolados ou de parcerias pontuais com organizações da sociedade civil. A ausência de políticas estruturantes nesse campo contribui para o sentimento de impotência entre os estudantes.
Por outro lado, observa-se uma guinada do ativismo juvenil para estratégias jurídicas e locais. A litigância climática, os conselhos municipais e a pressão por orçamento público tornaram-se ferramentas eficazes para transformar angústia em impacto concreto. Jovens têm recorrido ao sistema judiciário para exigir cumprimento de metas ambientais, barrar retrocessos legislativos e garantir direitos básicos. Essas ações revelam maturidade política e capacidade de articulação, desafiando a ideia de que a juventude é apenas emocional e impulsiva.
Ecoansiedade é interseccional: o papel da comunicação climática
A tensão entre a emergência climática e a lentidão institucional é o eixo do conflito que atravessa essa discussão. Enquanto os jovens enfrentam a desordem climática como experiência cotidiana, as estruturas políticas operam em ciclos longos, marcados por burocracia, disputas ideológicas e interesses econômicos. Essa dissonância gera frustração, mas também alimenta novas formas de organização, como coletivos autônomos, redes de apoio mútuo e campanhas de mobilização digital.
É preciso reconhecer que a ecoansiedade não é homogênea. Ela se manifesta de forma distinta entre jovens de diferentes territórios, classes sociais e identidades culturais. Para os que vivem em áreas vulneráveis, o medo do futuro é agravado pela precariedade do presente. A insegurança alimentar, o acesso limitado à água potável e a exposição a desastres ambientais tornam a crise climática uma questão de sobrevivência. Por isso, qualquer resposta institucional deve ser interseccional, considerando as múltiplas dimensões da desigualdade.
A comunicação pública também precisa ser revista. A narrativa dominante sobre o clima ainda é técnica, distante e, muitas vezes, culpabilizadora. É necessário construir discursos que reconheçam o sofrimento, valorizem a ação coletiva e ofereçam caminhos concretos de engajamento. A esperança, nesse contexto, não pode ser ingênua. Deve ser honesta, baseada em diagnósticos rigorosos e na valorização das pequenas vitórias locais.
E agora: existem ações possíveis?
Mapear escolas e Universidades que adotaram práticas de educação climática, levantar casos de litigância com efeitos práticos e entrevistar jovens ativistas de diferentes regiões são estratégias de apuração que podem sustentar uma coluna de opinião robusta e provocativa. Esses elementos permitem compreender como a juventude está reagindo a crise ambiental e quais caminhos estão sendo construídos para enfrentá-lo. A análise empírica é essencial para evitar generalizações e para dar visibilidade às experiências concretas que já estão em curso.
É necessário perguntar: a ecoansiedade é um grito por ajuda ou um chamado à ação? Essa questão não busca uma resposta definitiva, mas sim provocar reflexão, engajamento e continuidade no debate.
Contexto Local.
A Universidade Federal de Rondônia (UNIR) tem sustentado seu papel estratégico, apesar das (re)conhecidas dificuldades. Em Porto Velho, grupos de pesquisa vinculados às áreas de saúde e educação vêm investigando os efeitos da ansiedade entre estudantes universitários, com destaque para o estudo epidemiológico publicado em 2023 que relaciona fatores sociodemográficos à manifestação de sintomas ansiosos entre acadêmicos. O Projeto de Extensão REC, os Programas de Pos-Graduação em Comunicação, em Políticas Públicas, em Direito Humanos são potencialmente relevantes como construtores e mobilizadores dessas agendas, em razão, inclusive das dinâmicas e linguagens das quais se mobilizam e se apresentam.
Além disso, a UNIR tem avançado na revisão dos currículos das licenciaturas, com base em resoluções como a 349/2021 do CONSUN, que regulamenta a curricularização das atividades de extensão nos cursos de graduação e agora com o GT Formação, diante da Resolução 04/2024 que estabelecer diretrizes para o currículo das licenciaturas. Ambas se tornam oportunidades de sustentar um currículo que valorize o tema ambiental. Portanto, diretrizes claras podem favorecer que projetos voltados à educação socioambiental, saúde mental e justiça climática sejam incorporados formalmente à formação docente. Trata-se de uma universidade que, mesmo em contexto amazônico, colonizado e tido como periférico, articula pesquisa, extensão e inovação curricular para enfrentar os desafios do presente e preparar os educadores do futuro para lidar com a desordem climática que já chegou.
A crise climática e seus impactos sobre a saúde mental da juventude, como demonstrei neste texto, não são pautas episódicas: são questões de longo curso que exigem políticas públicas, revisão curricular, escuta institucional e ação territorial. Ao priorizar o que é urgente, mas invisível, buscamos reequilibrar o debate público e ampliar o campo da responsabilidade coletiva.
A juventude não quer apenas ser ouvida; quer transformar. Cabe às instituições, aos educadores, aos comunicadores e aos formuladores de políticas públicas reconhecer essa potência e construir pontes entre o medo e a mudança. O colapso não é inevitável, mas a omissão, sim, pode ser.
Saiba mais?
Hickman et al. (2021) – Estudo global sobre ansiedade climática em jovens “Climate anxiety in children and young people and their beliefs about government responses to climate change” – Documento completo em PDF:
https://emu.edu/sustainability...;
Artigo. Transtornos de Ansiedade (PIBIC-UNIR) https://revistaft.com.br/relat... (2023 - por Tayna Magalhaes Andrade;Joana D’ark Neves Costa; Orientadora: Gleicilaine Aparecida Sena Casseb)
RELATÓRIO. Setzer & Higham (2022) – Global Trends in Climate Change Litigation Relatório anual do Grantham Research Institute sobre tendências jurídicas globais. https://www.lse.ac.uk/grantham...;
JUSTIÇA CLIMÁTICA E JUVENTUDE - Climate Outreach (2022) – Communicating Climate Justice with Young Adults in Europe Insights e recomendações para engajar jovens europeus na justiça climática - https://climateoutreach.org/re...;
Notícias – O que é Greenwashing
https://www.cnnbrasil.com.br/e...;
Notícias - Sobre Greenwashing (Site Governo Brasileiro) - https://www.gov.br/mj/pt-br/as...;
Dra. Wal Brasil
*Professora Walterlina Brasil é Docente Titular do Departamento de Ciências da Educação da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Professora em Cursos de Licenciatura e do Programa Nacional em Rede Mestrado Profissional em Administração Pública – PROFIAP UNIR. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Educação Superior – GEPES/UNIR
Sobre mim: https://linktr.ee/walterlina.brasil