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porto velho, sexta-feira 22 de novembro de 2024
BRASIL: Começou na manhã desta quarta-feira (30) o tribunal do júri que vai julgar os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes , ocorrido em 2018. A audiência, realizada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, estava marcada para as 9h, mas começou com uma hora de atraso.
Emocionada, a segunda a depor, Marinete da Silva, mãe da ex-vereadora, disse que "tiraram um pedaço" da sua vida após a morte da filha. Já Monica Benício, viúva da vereadora, a terceira a depor, teve que interromper sua fala diversas vezes por conta do choro, e afirmou que a dor que sente pela perda da esposa a acompanha diariamente.
A primeira a depor foi Fernanda Chaves, ex-assessora e amiga de Marielle, que sobreviveu ao ataque. Ela saiu do país após o atentado, já que era também um dos alvos dos assassinos.
"Não tinha como a vida ser a mesma depois daquele pesadelo, daquele atentado, daquele crime bárbaro. Foi muito doloroso para mim. É muito dolorido ter que sair do meu país. E também dói muito não poder ter participado dos ritos de passagem da minha amiga [Marielle]", disse.
Fernanda escapou dos disparos por se abaixar no banco de trás do carro. Imagens dos disparos foram exibidas a ela durante o depoimento.
A segunda testemunha a ser ouvida foi a mãe de Marielle, Marinete da Silva. Ao contrário de Fernanda, Marinete não se opôs a depôr na presença dos acusados. Ela comentou a ausência da filha nestes 6 anos.
"A falta que minha filha faz é imensurável. Falar o quanto ela fez falta não tem como definir", disse. "A cada dia que eu penso na minha filha é como se falassem no meu coração que um pedaço de mim foi tirado. Cada vez dói mais", completou.
A terceira testemunha a depor foi Monica Benício, viúva de Marielle. Emocionada, ela caiu no choro logo no início do depoimento, quando foi perguntada sobre como sua esposa era no cotidiano.
"A Marielle era uma das pessoas mais companheiras que eu conheci, no sentido mais generoso e bonito que essa palavra pode ter", respondeu.
Ao ser questionada sobre a falta que Marielle faz, Monica voltou a se emocionar. "Eu lembro do último segundo que eu vi a minha esposa com vida. E a última coisa que ela me disse foi: 'Eu te amo'. Eu fiquei pensando depois no privilégio que é poder ter essa frase como a última dela", disse.
"Depois da morte, foram algumas as vezes que eu ameacei me matar e algumas que eu tentei", admitiu, emocionada. "Essa dor da ausência, que se apresentada diariamente, cobre todos os detalhes", completou.
"A única justiça possível seria não precisar estar aqui e ter a Marielle e o Anderson vivos. Mas, para além disso, do que é possível, eu espero que se faça a justiça que o Brasil e que o mundo esperam há seis anos e sete meses. [...] Para que a gente possa dar o exemplo de que crimes como esse não podem voltar a acontecer", disse Monica, quando perguntada sobre as expectativas do julgamento.
A quarta pessoa a depor foi Ágatha Arnaus Reis, viúva de Anderson. Ela relatou sobre os sonhos que o marido tinha de trabalhar em uma companhia aérea, e contou que a posição de motorista era vista como temporária por ele.
Anderson deixou um filho que tinha, na ocasião, um ano e oito meses. "Ele precisa de fono, tem oito anos hoje e não fala. Ele começou a andar com cinco anos, já passou por sete cirurgias", contou Ágatha, ao citar como é lidar com a maternidade sem Anderson.
Arthur teve o diagnóstico da doença atrasado, pois precisava de um exame genético que dependia da coleta de Anderson. O filho do casal apresentou problemas no crescimento logo após ao nascimento.
Ágatha mencionou que Anderson queria ser pai e que era uma pessoa muito boa para todos ao seu redor. Foi mostrado vídeo no tribunal sobre o momento em que o motorista ficou sabendo que era pai. Emocionada, a viúva começou a contar uma história para resumir a relação do marido com as pessoas.
"Tem uma história que define bem quem o Anderson era. Tem uma sala na Perinatal, onde o Arthur (filho do casal) nasceu para os pais escreverem qualquer coisa, daquele dia mais difícil para desabafar. Era horrível, era uma sala que está todo mundo muito mal, com medo do que vai acontecer com seus filhos. Só tinha um benheiro e os pais chorando. A primeira vez que a gente ficou nessa sala, o Anderson achou horrível, a gente foi para casa, já tinha recebido alta. No outro dia, ele levou uma garrafa térmica com café e fez quase todos os pais beberem café para dar uma melhorada. Ele era um tipo de pessoa. A pessoa que fazia qualquer dia, por pior coisa que parecesse, ficar melhor. O Arthur perdeu essa pessoa, que fazia o mundo ficar melhor”.
Em uma das últimas perguntas, um advogado perguntou para Ágatha o que ela espera do julgamento.
“Eu espero ver as pessoas que me tiraram o Anderson, que tiraram pelo pai do Arthur, pagaram pelo que elas fizeram. Eu não substituo o Anderson de forma alguma para o Arthur. Eu nunca, por mais que consiga mostrar um pouco do que ele representa para mim e para Arthur, eu não consigo mostrar de tudo de bom que ele tinha no mundo. O Anderson é irrepetível. Ele é alguém que não existe outro igual. O Arthur nunca, na vida, vai ter algo tão bom do que ele teria se o Anderson tivesse aqui”, disse Ágatha em lágrimas.
Perguntada sobre as mensagens que recebeu nas redes sociais, Ágatha conta que muitas pessoas se solidarizaram com a perda da família, porém recebeu alguns conteúdos agressivos.
“Pela dimensão que teve, da morte da Marielle e do Anderson, alguns casos surgiram. [...] Eu tive um relacionamento depois do Anderson e chegaram a falar: ‘Quem fica viúvo mesmo é quem morreu’, ‘Nossa, foi muito rápido, com essa cara de santinha’, coisas nesse sentido. [...] Eu recebi fotos deles mortos, recebi charges, recebi mensagens de gente que pensava que sabia alguma coisa sobre o caso, não foram tantos, mas foram em momentos específicos”.
A defesa do acusado Ronnie Lessa e jurados não fizeram perguntas.
A quinta pessoa a depor foi Carlos Alberto Paúra Júnior, agente da Polícia Civil do Rio, que participou ativamente das investigações da localização do carro dos assassinos.
Carlos comenta que assumiram o caso uma semana após o crime e tiveram acesso às imagens do veículo do crime e a placa. Segundo o agente, o departamento conseguiu descobrir que o carro do crime foi clonado.
“No começo, não queríamos informar para a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) Rio a placa, mas tínhamos as ruas, porque não ia fazer muitas informações. [...] Com o avançar das investigações, o pessoal de campo começou a recolher as câmeras do dia do fato. Então, a gente conseguiu fazer o trajeto que o veículo fez”, explica Carlos.
Carlos explica que a ideia de checar as câmeras surgiu por ter um evento de grandes proporções no Rio de Janeiro. Ao consultar a CET Rio, descobriu que algumas câmeras não estavam monitorando o fluxo de carros, por falta de pagamento da prefeitura. Os equipamentos, porém, gravaram algumas imagens.
O agente de segurança explica que o carro do crime foi clonado em 2016 e que ficava no bairro Campo Grande. Um mês antes das mortes de Marielle Franco e Anderson do Carmo, o veículo foi visto em alguns lugares frequentados pela vereadora.
Apesar de ter monitorado o carro clonado, Carlos conta que a investigação falhou após jornalistas divulgarem o número da placa.
Além delas, as testemunhas de acusação arroladas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) são:
A defesa do réu desistiu dos depoimentos das testemunhas que havia requerido anteriormente.
Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Investigações revelaram que o réu Lessa monitorou Marielle antes do crime e, junto com Élcio, disparou contra o carro das vítimas. Eles respondem por homicídio triplamente qualificado e tentativa de assassinato da assessora Fernanda Chaves, que sobreviveu. O Ministério Público busca a pena máxima de até 84 anos, e ambos estão presos desde março de 2019.
Nove testemunhas serão ouvidas no julgamento, incluindo Fernanda e as viúvas das vítimas. Lessa e Queiroz confessaram o crime e apontaram mandantes, incluindo políticos e um delegado, que também estão presos e sob investigação no STF.