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porto velho, sexta-feira 8 de novembro de 2024
BRASIL: Ao som de muitos aplausos e gritos de "diva". Foi assim que a professora de Língua Portuguesa Maria Ivone das Neves dos Santos, 48 anos, carinhosamente chamada de Mary, foi recebida pelos alunos de uma escola pública de Cipó, na Bahia, após acertar o tema de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024, que foi "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil".
"Quando eu vi o tema, pensei: 'não é possível'. Assim que os estudantes terminaram a prova do Enem, meu celular não parava de receber mensagens. Eles dizendo: 'você salvou a gente', 'foi a melhor redação da minha vida', 'professora eu só lembrava de você na hora'. Isso me arrepiou completamente. A sensação era de muita emoção", conta Mary
Docente por mais de 20 anos, ela trabalha no Colégio Estadual de Tempo Integral Águas Termais de Cipó há 11 anos, que fica localizado a cerca de 250 km de Salvador (BA). Segundo Mary, essa foi a primeira vez que ela acertou o tema do texto dissertativo-argumentativo do Enem e explica que pensou nessa abordagem ao observar as ações do governo.
"Desde quando o presidente Lula venceu as eleições, ele pensou nessas pautas o tempo todo, a cultura africana, a cultura indígena, nomeou ministros negros. Ele se mostrou e se apresentou valorizando essas comunidades. Logo, eu pensei que o tema ia se aproximar disso."
Na última quinta-feira, 31, três dias antes do primeiro dia de aplicação do exame, a professora pediu em sala de aula para que seus alunos do 3º ano do Ensino Médio fizessem uma redação sobre o assunto. "Por isso, ficou fresquinho. Eles chegaram na prova com muitos argumentos, bem preparados, assertivos", afirma.
Trabalho de quase um ano
Embora Mary tenha acertado em cheio o tema da redação nas vésperas da prova, não é de agora que os alunos têm aulas sobre o assunto na escola.
Desde fevereiro deste ano, a professora desenvolve com eles um trabalho de educação antirracista. O Projeto Interdisciplinar Afro-Brasileiro: possibilidades de uma educação antirracista, que foi implementado por ela nos 2º e 3º anos do Ensino Médio no colégio, tem como objetivo a conscientização dos estudantes sobre letramento racial e a valorização da ancestralidade.
Em sala de aula, os estudantes trabalham um cronograma de ensino e debates sobre vários assuntos relacionados ao tema, têm dinâmicas, fazem atividades no teatro, no laboratório de informática e na sala de línguas do colégio, além de assistirem a filmes juntos, como o Pantera Negra.
"Eu penso que a sala de aula é o palco para discutir temáticas pertinentes a problemas de cunho social, e uma das pautas que eu acho superimportante, porque eu moro em uma cidade majoritariamente com pessoas negras e pardas, eu tenho todos os ingredientes para pensar numa pauta racial, e eu construí o projeto [...] É importante que continuemos trabalhando com essa temática antirracista. Como diz a [filósofa] Ângela Davis, 'Não basta não ser racista, é necessário ser antirracista'. Eu sempre fico em cima disso. O letramento racial é necessário", afirma Mary.
Agora, fica a expectativa pelo resultado da redação do Enem, que só será divulgado em 2025, e a torcida para que venha uma ou mais notas máximas. "A gente espera que sim. A gente sabe que, no Brasil todo, foram poucos mil. Sempre é bem restrito. Mas deve ter alguém. Se não nota mil, chegará bem perto, com certeza."