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porto velho, quarta-feira 3 de setembro de 2025
BRASIL - A estudante de medicina Stefanie Cohen, de 30 anos, que acusa o empresário milionário Thiago Brennand, afirma ter sentido indignação e revolta ao vê-lo em liberdade após ter pago fiança em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. “Foi um soco no estômago ter de assistir àquela cena dele em um hotel cinco estrelas”, disse ao R7. Stefanie, que relata ter sido vítima de um abuso sexual em outubro do ano passado, afirma que, quando Brennand foi preso, ela decidiu revelar detalhes da violência com o intuito de estimular mais vítimas a fazer a denúncia e de acelerar o processo de extradição de Brennand para o Brasil.
“A partir do momento que eu fiz o relato para o Ministério Público, sabia que ele me identificaria, ele saberia que era eu. Então, pensei: ‘Este é o momento de eu mostrar o rosto como vítima sexual”, diz. “Isso vai gerar novas denúncias. Eu precisava ser a porta-voz das vítimas sexuais. Pensei: ‘Ele já vai saber que sou eu, quem sabe posso ajudar as pessoas, para que esse caso tenha mais visibilidade e ele seja extraditado.”
Preso em Abu Dhabi pela agressão contra a modelo Helena Gomes, registrada pelas câmeras de uma academia de luxo em São Paulo, Brennand aguarda o processo de extradição em liberdade. De acordo com a delegada Ivalda Aleixo, que participou da prisão do empresário, o processo deve acontecer até, no máximo, janeiro de 2023. A partir de agora, documentos oficiais do processo serão traduzidos e enviados às autoridades daquele país. Depois disso, estima-se que o processo de extradição leve entre três e seis meses.
Enquanto aguarda a extradição, o milionário desfruta dos espaços de um hotel luxuoso. Stefanie, por sua vez, teve de sair de casa para permanecer em um local seguro — o que ocorre com muitas vítimas de abuso sexual e violência doméstica que denunciam e depois precisam de proteção. “O cara que tem dinheiro foge, vai para outro país, para um hotel cinco estrelas. Eu não estou na minha casa, decidi sair da minha casa.”
A Helena [Gomes] ficou ao meu lado o tempo todo, e me disse que as vítimas que estão falando estão se sentindo melhor
STEFANIE COHEN, VÍTIMA DE THIAGO BRENNAND
Assim como Helena Gomes, que após ter denunciado Brennand recebeu mais de 200 mensagens de mulheres vítimas de violência por parte do empresário, Stefanie conta que recebeu mensagens de vítimas de crimes sexuais por parte de outros homens. “Em relação ao Thiago, uma mulher que teve relacionamento com ele me procurou, mas ela não quer se manifestar publicamente.”
Ambas atuam para encorajar outras vítimas de Brennand a vir à público. “A Helena ficou ao meu lado o tempo todo e me disse que as vítimas que estão falando se sentem melhor.” Stefanie lembra que decidiu revelar ter sido vítima do abuso ao retomar a participação em concursos. “Enxerguei que representei meu país em outro país, eu queria ser porta-voz de mulheres, meninas com problema de autoimagem”, diz. “Tudo isso começou a pesar e eu senti que precisava fazer alguma coisa. Meu advogado estava ao meu lado, a Helena também.”
REPRODUÇÃO INSTAGRAM
Apesar da dor e da revitimização a cada vez que lembra dos atos dos quais acusa Brennand, Stefanie acredita ser importante compartilhar a dor. “Me culpei durante muito tempo por não falar sobre isso, não conseguia dormir. Agora, entendo como uma forma de cura dentro da gente. Se todo mundo falar, ele pode ser derrubado. O caso vai ficando maior. É uma questão de tempo.”
No dia 4 de setembro, ao deixar o país, Brennand teria voltado a entrar em contato com Stefanie. Dessa vez, para pedir a ela que concedesse um depoimento favorável a ele à Justiça. “Isso foi coação de testemunha. Tive a orientação de bloquear ele nesse momento. Por isso, agora, só espero que ele seja extraditado e que mais mulheres saibam quem ele é.”
'Me enfiei numa cama'
Stefanie Cohen vive há um ano com o trauma que sofreu nas mãos de Brennand, a quem acusa de estupro. Mas, somente agora, depois da prisão do empresário na quinta-feira (13) pela Polícia Federal e pela Interpol, nos Emirados Árabes, ela decidiu mostrar o rosto e revelar o crime do qual foi vítima. "Não dá para dizer que a Stefanie de hoje é a mesma de um ano atrás", diz ela. "Eu me enfiei numa cama depois do que aconteceu."
Um dia após ter sido preso em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, Brennand se tornou réu por uma nova denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo na sexta-feira (14). O empresário, que responde por lesão corporal e corrupção de menores por ter agredido a modelo Helena Gomes em uma academia de luxo em São Paulo, teve um novo pedido de prisão preventiva decretado.
Me culpei durante muito tempo por não falar sobre isso, não conseguia dormir. Agora, entendo que falar é uma forma de cura dentro da gente
STEFANIE COHEN, VÍTIMA DE THIAGO BRENNAND
De acordo com a promotoria de Porto Feliz, no interior de São Paulo, cidade em que o réu morava antes de deixar o Brasil, Brennand cometeu cinco vezes os crimes de estupro, cárcere privado, tortura, lesão corporal gravíssima e coação no curso do processo. Também cometeu constrangimento ilegal por três vezes, quatro ameaças, além de registro não autorizado da intimidade sexual e divulgação de cena de estupro ou sexo por oito vezes.
Em outubro do ano passado, Stefanie se lembra que conheceu o empresário em um restaurante de São Paulo. "Cheguei atrasada, mas todo mundo sabia que eu era a Miss São Paulo", recorda. "Ele me abordou, perguntou se eu precisava de alguma coisa, o que eu fazia da vida, falou que a família dele tinha hospitais", diz. Depois, a estudante afirma que ele encontrou seu perfil nas redes sociais. "Ele era respeitoso e atencioso. No Instagram dele tinha fotos de família, nada que chamasse a minha atenção.
Uma semana depois, Brennand a convidou para jantar. No restaurante, lembra Stefanie, ele pediu duas caipirinhas e as refeições. Momentos depois de ingerir a bebida, a estudante relata ter começado a se sentir mal. "Ele aparentava ser cliente regular do restaurante, pediu as bebidas e as comidas. Mas, depois, comecei a ficar desorientada." Ao perceber o desconforto, Brennand teria, então, oferecido ajuda e a levado a um hotel.
No hotel, segundo Stefanie, ocorreu o estupro. "Cheguei no dia seguinte com uma mordida no braço, perto do ombro", diz. "Estava com muita dor, consegui marcar a ginecologista na segunda-feira e, segundo os exames, eu estava com pequenas fissuras nas partes íntimas e com fissuras anais. Tive que usar uma pomada por 10 dias. Foi a pior consequência física de todas. Minha região íntima toda ficou muito machucada."
Além do estupro, Stefanie afirma que Brennad gravou um vídeo sem o consentimento dela no momento do crime. "Infelizmente, só lembro da pior parte: a relação anal. Não me lembro de ele ter feito o vídeo. Me lembro de ele ter tentado forçar e eu falava que não. Mas, ele insistia. Aquilo me deu um desespero. Ele forçou a relação anal."
No dia seguinte, de acordo com Stefanie, Brennand enviou o vídeo pelo WhatsApp. "Ele me mandou o vídeo, mas só consegui assistir até ver o meu rosto", diz ela. A estudante afirma ainda que no dia seguinte Brennand queria levá-la para uma fazenda, mas ela conseguiu fugir ao fazer com que o segurança do empresário fosse embora. "Ele sabia que se vazasse um vídeo meu ele acabaria com a minha vida."
A violência de Brennand interrompeu a vida de Stefanie de diferentes formas. Ela afirma que a ginecologista que a acompanhava chegou a entrar em contato com a coordenação do curso de medicina da faculdade em que estudava para explicar o motivo das ausências da estudante. Tudo, porém, sob sigilo. "Tive que fazer provas com atestado. A faculdade teve que me dar uma chance de fazer as provas de novo."
Não dá para dizer que a Stefanie de hoje é a mesma de um ano atrás
STEFANIE COHEN, VÍTIMA DE THIAGO BRENNAND
A estudante passou a falar sobre o crime recentemente. "Só comecei a perceber que precisava tocar no assunto quando tudo isso veio à tona. Agora, percebi que faz parte do meu processo de cura falar sobre isso", diz ela. "Ele estava preso, esse é o momento de mostrar o rosto como vítima sexual. Pensei que isso geraria novas denúncias e estão surgindo novas vítimas."
"Estava muito feliz por ter conquistado o Miss São Paulo", lembra. "Mas, depois do estupro, minha primeira sensação foi ter sentido muito nojo do meu próprio corpo, tinha repulsa, queria vomitar. Acreditei no que ele dizia que meu corpo era feio, que eu era flácida. Fiquei nesse estágio e só melhorei esse ano."
Aos poucos, Stefanie retomou a rotina, mas alguns aspectos não são mais os mesmos. "Minha relação com os homens nunca mais foi a mesma. Tenho medo de ser abordada por uma pessoa que possa fazer algo contra mim." Além disso, sempre que assiste às notícias sobre Brennand, Stefanie revive o abuso sexual. "Você acha que está melhorando, mas ver a cara dele na TV faz essa ferida vir à tona. Eu não aguentava mais ver a cara dele sem fazer alguma coisa."
Assim, ao ver os depoimentos de Helena Gomes, Stefanie decidiu falar. Depois, ao saber da prisão de Brennand, optou por mostrar o rosto. "Me culpei durante muito tempo por não falar sobre isso, não conseguia dormir. Mas, agora, tento encorajar outras pessoas pensando em dar uma cura. Se todo mundo falar, ele pode ser derrubado."
A estudante acredita que se trata de uma questão de tempo para Brennand voltar ao Brasil e ser punido. "Eu não falava sobre isso com ninguém, só chorava. Mas, não queria ser a vítima só chorando o tempo inteiro, não é porque ele é rico, que temos que aguentar isso pelo resto da vida", afirma. "Sei que tem muitas vítimas pensando que não vai ter Justiça, que ele vai ser solto. Mas é o momento de denunciar para mudar."