Fundado em 11/10/2001
porto velho, sábado 6 de setembro de 2025
CRÔNICA DE FIM DE SEMANA
O MESTRE E A SALA DE AULA - ENTERE A REVERÊNCIA E O ABANDONO
Arimar Souza de Sá
Desde tempos imemoriais, famílias, Estados e nações elegeram como fundamento da educação a presença do professor em sala de aula. Nos anos de estudante do Carmela Dutra, em Porto Velho, a aula começava quase como um ritual: giz na mão, olhar firme, o mestre iniciava sua missão.
Os alunos, atentos, viam-no como um ‘pater familias’, guardião da disciplina e do saber. Reinava o silêncio diante da lousa, e qualquer quebra de ordem logo era repreendida — a direção tomava ciência, e os pais participavam da correção.
Sob o calor escaldante da capital rondoniense, sem luxos ou recursos modernos, éramos guiados por mestres que, com a voz e o olhar, nos faziam acreditar que aprender era um ato de grandeza. A escola, ainda precária em estrutura, era para nós uma catedral do saber, onde cada lição acendia uma vela no altar da esperança.
Aprendíamos o essencial: adição, subtração, multiplicação e divisão. E o orgulho do professor ressoava: “Meus alunos já sabem de cor as quatro operações, e a maioria até tira a prova dos nove!”.
Em História, a professora narrava a Independência, a Proclamação da República, a Guerra do Paraguai, a Lei Áurea e a do Ventre Livre. Em Geografia, viajávamos nos mapas como navegadores destemidos. O orgulho explodia em coro quando a pergunta surgia: “Onde nasce o Rio São Francisco?” — “Na Serra da Canastra, em Minas Gerais!”. Depois, mergulhávamos no Amazonas e em seus afluentes — Madeira, Negro, Xingu, Tapajós — versos geográficos declamados em uníssono. Ser professor era carregar uma tocha acesa em meio à escuridão.
O tempo, porém, corroeu certezas. A profissão foi desgastada por políticas educacionais falhas, excesso de trabalho e salários minguados — como ironizava Chico Anísio: “E o salário, ó!”. Cortes orçamentários arrancaram as raízes de uma árvore centenária, mas ‘ELES’ ainda exigem frutos viçosos.
Na rede pública, acumulam-se problemas: falta de tecnologia, segurança, formação docente e infraestrutura. Nas escolas ribeirinhas, professores enfrentam lama, barcos e salas improvisadas, sem ventilação, internet ou merenda — é como plantar flores em terreno árido.
O reflexo aparece nos índices. Em 2021, Porto Velho registrou nota 5,3 no IDEB dos anos iniciais do Ensino Fundamental, abaixo da média nacional (5,8) e da meta local. O número, estagnado desde 2019, não é apenas estatística: é a expressão cruel de uma qualidade de ensino insuficiente. O que deveria ser passaporte para o futuro tornou-se bilhete de frustração para gerações inteiras.
A desvalorização é visível também no contracheque. Como exigir que um mestre inspire, se ele próprio carrega o peso da desmotivação? Um professor bem remunerado e respeitado contagia esperança; maltratado, dificilmente semeará sonhos. Hoje, menos de 10% dos brasileiros acreditam que os alunos respeitam seus mestres. O país ocupa a lanterna no prestígio docente, e ao menos dois professores são agredidos diariamente em sala de aula. Que nação é essa, que trata como descartável a mão que guia o futuro?
O abandono se agravou sobretudo na chamada “era do PT”, quando o discurso não se traduziu em prioridade real e, em várias universidades, a desordem imperou. A tecnologia avançou, mas não substituiu o calor humano do mestre diante do antigo quadro negro.
Em recente entrevista à rádio, a professora doutora Walterlina Brasil, da Universidade Federal de Rondônia, ressaltou o paradoxo: enquanto o professor segue como alicerce invisível da sociedade, as políticas públicas insistem em lhe negar reconhecimento e condições mínimas.
Ora, o professor não é mero transmissor de fórmulas ou datas: é jardineiro de almas, escultor de caráter, ponte entre família e Estado. O desmonte da educação é crime contra a humanidade: sem escolas sólidas, multiplicam-se prisões, e corremos o risco de ter mais cadeias do que salas de aula.
Ainda assim, mesmo ferido, o mestre resiste. Mesmo desprezado, se anima diante de seus alunos, carregando no peito a missão de formar homens e mulheres para o futuro. Infeliz é a nação que se perde em polarizações e despreza seus professores, tratando-os como peças descartáveis.
Saudemos os mestres com a reverência do passado, mas também com a coragem do presente.
Resgatar o respeito ao professor é mais que dever: é ato de grandeza nacional. Pois cada vez que um mestre é honrado, o Brasil renasce. Cada vez que a sua voz ecoa, a pátria se fortalece. Reerguer o professor é reacender a chama do país que sonhamos ser — justo, sábio e altivo.
E que, das salas de aula, brote novamente a esperança que pode salvar o Brasil. Que a mão que segura o giz não seja esquecida, mas celebrada como a que traça o futuro. Pois enquanto houver um professor em pé, haverá sempre uma nação de joelhos diante da dignidade.
É tempo de reflexão!
AMÉM!