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    porto velho, terça-feira 9 de dezembro de 2025

Rondonienses ilhados no próprio céu em pleno fim de ano - Arimar Souza de Sá

Quem ousa buscar alternativa descobre que, para chegar ao Sul do país, precisa antes enfrentar 1.500 quilômetros de estrada até Cuiabá...


Redação

Publicada em: 09/12/2025 10:45:38 - Atualizado

RONDONIENSES ILHADOS NO PRÓPRIO CÉU EM PLENO FIM DE ANO

*Arimar Souza de Sá

Há momentos em que Rondônia parece um personagem esquecido no rodapé do mapa brasileiro — desses que ninguém enxerga, mas que carrega, silencioso, uma história inteira sobre os ombros. E é sempre no fim do ano, quando o coração do migrante aperta e a vontade de reencontrar o sangue da própria origem bate mais forte, que descobrimos o preço amargo de viver longe das rotas do poder e ter representantes omissos e covardes. Preço esse cobrado não em moedas, mas em abandono.

As companhias aéreas — Azul, Latam e Gol — resolveram brincar de geografia e quase apagaram Rondônia de seus planos de voo. A Azul, num gesto de quem distribui migalhas, deixou apenas duas aterrisagens por semana, como se Porto Velho fosse um posto de gasolina esquecido às margens da BR-364. As outras seguem o mesmo baile descompromissado: cortes, remendos, voos escassos, tarifas que fariam corar até agiota de novela mexicana.

E lá vai o rondoniense, altivo como sempre, pagar cinco, seis mil reais para sair daqui rumo a qualquer grande centro. Se deixar para a última hora, até Manaus — vizinha, irmã, quase ali na esquina — ultrapassa facilmente os quatro mil reais. É o crime perfeito: um assalto a céu aberto, com recibo, sorriso e carimbo de legalidade de quem tem o dever de ofício de proteger seus cidadãos e se omite.

Quem ousa buscar alternativa descobre que, para chegar ao Sul do país, precisa antes enfrentar 1.500 quilômetros de estrada até Cuiabá. Uma epopeia moderna: gasolina cara, caminhões lentos, buracos traiçoeiros e um destino onde a mesma passagem custa 70% menos. É o Brasil profundo ensinando, mais uma vez, que o custo de estar longe do eixo não está apenas na distância — está no descaso institucionalizado.

Mas talvez o mais doloroso não seja o preço, e sim o silêncio. Porque, enquanto o rondoniense se sacrifica, a classe política ajoelha. Enquanto o povo aperta o orçamento, os órgãos fiscalizadores desviam o olhar. E, enquanto o estado sangra, ninguém se levanta - um absurdo.

Procon, ANAC, bancada federal, Legislativo estadual, Governo do Estado… todos parecem ter encontrado conforto na posição de plateia. Observam o abuso, assistem ao cartel agindo, contemplam o isolamento — como se tudo isso não tivesse consequência real na vida de quem precisa voar para ver a mãe, o filho, o irmão, a família dispersa pelo Brasil.

Rondônia, terra erguida por migrantes, termina todo fim de ano ilhada no próprio céu. Um paraíso que, para sair, exige coragem, fé e limite no cartão — de preferência em parcelas que caibam no bolso e no desespero quando a fatura chegar.

E enquanto as aeronaves passam longe, enquanto as tarifas zombam de nós, enquanto as autoridades se acomodam, ficamos aqui, olhando para o alto, imaginando se algum dia o rondoniense voltará a voar sem carregar nos ombros o peso de todos os abandonos — abandonos que acontecem sob o beneplácito de quem poderia bater na mesa e quebrar o “bunker” do cartel, mas prefere o conforto das asas alheias.

Porque, no fim das contas, esta é a tragédia silenciosa e previsível que se repete todo fim de ano — um enredo cansado, manjado, nojento, que só muda de data, nunca de vergonha.

E, pelo visto, o céu é de todos — menos dos daqui.

AMÉM!

* O autor é jornalista, advogado e apresentador do Programa A VOZ DO POVO, 103,1, Rádio Caiari.


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