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Crônica de Fim de Semana - O TREM DOS DESGRAÇADOS - por Arimar Souza de Sá


Publicada em: 20/10/2018 21:54:11 - Atualizado

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA
O TREM DOS DESGRAÇADOS
Arimar Souza de Sá

Quando caminho nas ruas e me deparo com o esmoler pedindo um óbolo qualquer num sinal de trânsito, porta de banco, supermercado, restaurante – quase que, via de regra, com os olhos avermelhados e pele esmaecida – vejo o quanto a vida não lhe sorriu – ou, quem sabe, ele próprio não soube sorrir para a vida.

E comove-me ver-te, assim, homem do meu tempo, como mais um passageiro no Trem dos Desgraçados.

Nestas horas, chego a ter a impressão de que Deus deu uma sumidinha do pedaço, entregando os homens à sanha do demônio, e sinto um odor meio putrefato no tempo e espaço, tipo tripas de boi jogadas ao léu para saciar abutres.

Não sei se é apenas impressão, mas há uma percepção de que parte de nossos viventes se eclipsaram e, meio invisíveis, sem mais quase os percebermos, foram, sem escolha, alojados nesse "Trem dos Desgraçados", com passagem só de ida.

     É que as drogas já destruíram boa parte dos jovens, recrutando, no cotidiano, outros tantos para, em seguida, jogá-los sem apelação no caldeirão do inferno, onde até suas cinzas, como as cinzas de cigarro usados nos cachimbos e “latas”, para fumar o crack, se contaminam com as mesmas vibrações dos filmes de suspense de Hitchcock.

    Sou do tempo de perdoar as tragédias por isso  sou culpado, como ser humano, de ver e não enxergar, de poder ajudar mas, na maioria das vezes, ignorar este “apocalipse temporal”, o “Armagedom” que o país vive com tantos vivos que estão mortos, tantos assaltos, tantas vidas ceifadas e outras que nem chegaram a vingar, por conta desse sujo mercado do vício.

    Culpo-me, como advogado e comunicador, por não ter força para agredir essa tempestade de horrores nos guetos, nas palafitas, nos vãos das ruas, nas latas de lixo, onde homens antes, mulheres antes, hoje são apenas andrajos na latrina infectada pelo desamor, cujos tutores são os “craques” que ditam as ordens: o álcool, o tabaco, a heroína, a cocaína, o “crak” e, coroando tudo, a ausência do Estado.

    Como o tempo é implacável e não respeita o próprio tempo, foi inevitável que eu parasse de olhar para o meu próprio umbigo e revisse conceitos. Foi então que me lembrei de uma poesia de Frei Antonio das Chagas, escrita no mosteiro de São Luiz do Maranhão em 1640. Disse assim, o religioso:
    “Deus pede estrita conta de meu tempo,

    É forçoso do tempo já dar conta;

    Mas, como dar sem tempo tanta conta

    Eu que gastei sem conta tanto tempo?

    II

    Para ter minha conta feita a tempo

    Dado me foi bem tempo e não fiz conta

    Não quis, sobrando tempo, fazer conta,

    Quero, hoje, fazer conta e “falta tempo”...

    III

    Oh! Vós que tendes tanto tempo sem ter conta

    Não gasteis o vosso tempo em passatempo

    Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta.”

    IV

    Mas oh! Se os que contam com seu tempo

    Fizessem desse tempo alguma conta

    Não choravam, como eu, o não ter tempo” ...


    Sem pieguice ou lambanças, eu, tu, ele, nós, não estamos de vigília no tempo para pelo menos mitigar o avanço das drogas em Rondônia e no país e a invasão das “telinhas” em nossos lares, construindo ideias que dilaceram o tecido familiar.

    Na verdade, as televisões se permitem defecar, em nosso terreiro, detritos de almas empobrecidas, que se dizem “globais”, emplacando “verdades-mentiras” e arrebatando, com o poder da linguagem audiovisual, incautos espíritos infantis.

    Nós, eu, tu e eles precisamos exercitar a nossa cidadania no combate a essa combustão de malefícios à sociedade. Grudemos, então, o nosso espírito no emprego de tempo para discutir e alcançar soluções concretas para essa questão que aflige inexoravelmente o "Trem dos Desgraçados" e o nosso espírito de cidadania.

    Vamos, pois, criar um corpo de resistência coletiva, e por um ponto final nesta brutal realidade – senão o amanhã, que é o tempo futuro, verá esse lamaceiro impróprio, deletério, chegando à nossa tenda familiar como verdade – e aí, lascou!...

    Ignorar o que vemos hoje em Porto Velho e no País inteiro dá a sensação de estarmos vivendo fora do nosso tempo, considerando que o tempo é a nossa quinta dimensão.

    Imaginar que a matriz dessa impureza pertence apenas ao âmbito dos esquecidos nas periferias das cidades é mero engano: o torpor das drogas, incentivado pela ausência quase que total do Estado no cotidiano do cidadão comum, vagueia como pirilampo nas casas dos vizinhos, às vezes, até em nosso quintal.

    De repente, num átimo, corremos o risco de encontrar essa desgraça em nossa sala, como se fosse uma fumaça inocente, mas como em Hiroxima e Nagasaki, atinge e paralisa o coração dos homens.

    É sempre bom lembrar que cada filho nosso é um coração peregrinando pelo universo, e que pode ser atingido pelas drogas e os vícios todos que degradam, de uma hora para outra.

    Vamos pensar, autoridades, igrejas, famílias dentro desse nosso universo de tempo para fazermos uma cruzada contra o desamor e iniciar tempos novos, abrindo espaço para o diálogo do amor e da solidariedade

    Vamos temperar a argamassa do nosso tempo na busca de tijolos e paredes, com a visão holística e espiritual dessa monstruosidade e indagar, antes de tudo: para que os tijolos e as paredes, se os nossos irmãos delas não precisam, sendo a sua gravitação a céu aberto, nos gramados, “debaixo do papelão”, nos vãos das ruas – que é o “Campo de Guerra” onde vivem?

    Perquirir, apenas pelo alienado “prazer” de indagações filosóficas, só adia momentos (tempos futuros) próprios para o combate que tem que ser agora – tempos de hoje.

    Como se vê esse é um tema espichado, tempos de agora e do futuro e, entre um e outro, temos que nos aplicar a ele AGORA, antes que na fileira do opróbrio, nessa navegação entre vícios e virtudes, entre Adolf Hitler e Madre Tereza de Calcutá, não esteja um mega atravessador fazendo da droga a grande ponte para o nada.

    E, queira Deus, nunca chegue a nossos filhos.

    AMÉM!



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