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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
Foi às margens do riacho Ipiranga, há 199 anos, em um 7 de setembro como hoje, que Dom Pedro I (1789-1834) declarou a independência do Brasil em relação a Portugal. O Brasil então se torna uma monarquia e Dom Pedro I passa a ser imperador.
Esse “grito” de independência, proclamado por Dom Pedro I na região do Ipiranga, onde hoje se encontra o Parque Independência, na capital paulista, foi retratado de forma idealizada na imensa pintura Independência ou Morte, de Pedro Américo, que faz parte do acervo do Museu Paulista, mais conhecido como o Museu do Ipiranga.
Ilustrada em diversos livros didáticos, a famosa pintura ajudou a criar o mito de que a Independência do país ocorreu de forma isolada, num único dia, com Dom Pedro I empunhando sua espada e gritando “Independência ou Morte” em cima de um cavalo, espada ao céu, cercado de soldados. Mas isso não ocorreu de forma tão rápida ou imediata como se imaginava.
“A independência é um processo que começa em São Paulo e termina na Bahia. Com o Rio de Janeiro negociando pelo meio do caminho. O Rio até então era a corte, a sede do país", explicou Paulo Garcez Marins, curador do Museu Paulista, em entrevista à Agência Brasil.
Dom Pedro I estava em Santos, a caminho de São Paulo. E passou pela região do Ipiranga, que era o meio da travessia para o centro da capital. E foi ali que a declaração de separação foi anunciada. “Ele estava vindo de Santos. Estava fazendo uma viagem por São Paulo para tentar conseguir apoio político. Ele estava fazendo uma viagem para apaziguar os ânimos”, disse Natália Godinho da Silva, historiadora que trabalha no Núcleo de Formação e Desenvolvimento de Públicos do Museu da Cidade, em São Paulo.
Apaziguar os ânimos porque o Brasil, naquele momento, vivia uma crise, cheia de conflitos e revoltas. "É claro que, perto das independências latino-americanas, a brasileira fica bem discreta. Mas a gente tem uma ideia de que não houve guerra pela independência. E isso não é verdade. Bahia, Pará, Maranhão: tivemos diversas províncias que se rebelaram contra Portugal. Ainda que a gente não tenha tido uma guerra unificada, de modo geral, também não fomos tão pacíficos”, explicou.
A história da independência brasileira não é simples de ser explicada e não se encerra nos livros ou na pintura de Pedro Américo. Mas o entendimento sobre esse episódio pode ser ampliado quando se visitam alguns pontos turísticos das cidades de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Salvador. Todas essas cidades guardam objetos e memórias relativos a esse acontecimento histórico.
“Cada período da história, cada período da vida da sociedade, interpreta o passado a partir de suas perguntas. A gente nunca vai conseguir saber como o passado foi exatamente. O que conseguimos é criar, interpretar uma versão sobre o passado a partir dos restos que chegaram dele, como objetos, documentos escritos, lugares, paisagens, prédios”, contou Marins.
Em São Paulo, onde a independência foi declarada, diversos museus e monumentos ajudam a contar essa história e a entender que esse acontecimento foi um processo e não se encerrou no momento do grito.
“A independência foi disputada por três cidades: São Paulo, onde foi declarada; Rio de Janeiro, onde ela foi construída, já que os acordos eram feitos na capital; e Salvador, que foi o lugar que terminou a guerra de independência do Brasil quando os portugueses foram expulsos e vencidos no dia 2 de julho de 1823, quase dez meses depois da declaração do grito do Ipiranga em 1822”, explicou Marins.
Nessa matéria, vamos explorar os lugares de São Paulo que nos ajudam a compreender um pouco mais sobre esse episódio da história brasileira.
"O melhor lugar para se pensar sobre esse evento é o Parque da Independência, ali no Ipiranga, que tem o edifício monumento, que é o famoso Museu Paulista [Museu do Ipiranga], que foi a primeira construção em celebração à independência. E ainda temos o Monumento à Independência, feito em 1922, para comemoração do centenário", disse a historiadora Natália Godinho.
O Museu Paulista foi o primeiro edifício-monumento à independência criado nessa região como marco histórico. Depois vieram o Jardim Francês, o Monumento à Independência 9uma escultura em bronze e granito instalada próxima ao córrego do Ipiranga0, a Cripta Imperial e o próprio parque.
A ideia era que essa região, onde o parque está instalado, se transformasse em uma grande celebração nacional, um “altar da Pátria”, como definiu Marins.
Para chegar ao parque foi criada a Avenida Independência, hoje chamada de Dom Pedro I, que conecta a Avenida do Estado ao Parque. “Com isso, o Ipiranga vai se tornar uma espécie de eixo monumental que se assemelha ao eixo principal da cidade de Paris", disse o curador do Museu Paulista.
Antes do parque e de todas essas construções, a primeira tentativa havia sido marcar o lugar onde o grito foi dado com uma pedra. Mas essa pedra se perdeu e o local exato dessa declaração de Dom Pedro I nunca foi conhecido. “Esse marco não existe mais, mas já mostra que nas décadas posteriores à declaração da Independência já havia uma preocupação em marcar aquele lugar como o berço simbólico da nação porque ali aconteceu a declaração de ruptura formal entre o Brasil e Portugal”, disse Marins.
Mas a ideia de marcar o lugar para criar um memorial em homenagem a essa história não foi abandonada. E foi assim que surgiu, no Ipiranga, um primeiro monumento, um memorial, que mais tarde viria a se transformar no Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga.
“Esse é o primeiro monumento à independência propriamente dito que vai ser terminado em 1890, ainda sem ter um uso determinado”, disse Garcez, acrescentando que esse monumento foi encomendado pela família real, assim como a pintura Independência ou Morte, de Pedro Américo. Apesar disso, ela nunca pisou no local.
Quando a pintura e o prédio foram então finalizados, ocorreu a proclamação da República no Brasil, em 1889. “E isso vai mudar um pouco o destino daquele prédio, que era feito para ser um memorial da independência e da própria família imperial brasileira e de São Paulo como lugar de berço da nação. As autoridades republicanas, sem tirar essas finalidades do prédio, vão transformá-lo sobretudo em um museu de história natural”, destacou Garcez.
Com isso, somente em 1917, quando se iniciam os preparativos para o primeiro centenário da Independência, é que a finalidade do museu volta a mudar. “Então, se antes era um museu majoritariamente de história natural, a partir de 1917 ele vai começar a ser um museu principalmente de história nacional, que naquele momento era compreendida como a história de São Paulo", explicou Garcez.
Em 2013, esse museu foi fechado para restauração e ampliação. E será novamente reaberto ao público no próximo ano, quando se completa o bicentenário da independência.
“Nos últimos 30 anos, o perfil das nossas correções foram mudando muito. Até então, o museu era sobretudo uma instituição que guardava ou recolhia objetos provenientes da elite de São Paulo. Desde a década de 90, temos ampliado o objeto da instituição para outros temas e segmentos sociais. As nossas correções foram também documentando populações afro-brasileiras, indígenas, imigrantes, mulheres e crianças”, disse Garcez.
Para a reabertura, o museu está preparando uma exposição que pretende trabalhar a memória da Independência do Brasil, apresentando como ela foi lembrada em diversas situações, como na celebração dos seus 50 anos (em 1872), no centenário (em 1922), nos seus 150 anos (em 1972) e com o bicentenário, que será celebrada no próximo ano.
Feito em granito e bronze, o Monumento à Independência foi inaugurado em 1923 e, até então, era considerado o maior conjunto escultórico do Brasil. A obra é do escultor italiano Ettore Ximenes, que venceu um concurso público para a criação de um monumento em homenagem a esse evento histórico.
O monumento recebe muitas críticas porque não parece retratar a história dessa ruptura entre Brasil e Portugal. Algumas reclamações se referem ao fato de que ele teria sido pré-fabricado e já estaria pronto antes de o escultor ter vencido o concurso.
“Talvez, em algum momento, ele tenha sido oferecido para alguma cidade europeia, que não aceitou e, quando o artista vê a oportunidade desse concurso, ele faz pequenas adaptações na obra. A única referência que tinha ao Brasil nesse monumento é o alto relevo do Pedro Américo”, disse Natália.
Com as críticas, Ximenes fez novas adaptações à obra. “Daí ele constrói dois conjuntos, um de cada lado, do monumento. De um lado, ele coloca a Inconfidência Mineira. E, do outro, ele coloca a Revolução Pernambucana de 1817, como movimentos precursores da Independência o que, hoje em dia, pela historiografia, é super questionável já que a Inconfidência Mineira não necessariamente estava buscando uma independência”, explicou.
As críticas ao monumento não param por aí. “O auge disso é que ele coloca a figura de um índio para representar o que seria o Brasil. Mas esse índio quase não tem destaque. E, além disso, esse índio é norte-americano. Não é um índio brasileiro. E, obviamente, não tem nenhuma figura negra e não tem nenhuma mulher. O que também é bem questionável. Ele poderia ter retratado alguma coisa da [Imperatriz] Leopoldina ou da Maria Quitéria, que foi uma mulher que lutou pela independência da Bahia”, contou Natália.