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    porto velho, quarta-feira 12 de novembro de 2025

STJ julga responsabilidade de usinas do rio Madeira por prejuízos a pescadores

A relatora, ministra Daniela Teixeira, votou por negar provimento aos recursos das empresas, mantendo...


Migalhas

Publicada em: 12/11/2025 10:19:20 - Atualizado

BRASIL: A 3ª turma do STJ iniciou, nesta terça-feira, 11, o julgamento de recursos envolvendo as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira/RO, que discutem o dever de indenizar pescadores por prejuízos econômicos decorrentes da redução da atividade pesqueira.

A relatora, ministra Daniela Teixeira, votou por negar provimento aos recursos das empresas, mantendo a condenação imposta pelo TJ/RO com base na responsabilidade civil objetiva por danos ambientais.

A ministra Nancy Andrighi acompanhou o voto, e o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

O caso

O caso envolve ação indenizatória contra as empresas responsáveis pela construção e operação das usinas hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia.

Os autores alegaram que sofreram prejuízos econômicos em razão da redução da atividade pesqueira, causada pela implantação dos empreendimentos, e pediram indenização por lucros cessantes e danos materiais.

Na primeira instância, a ação foi julgada improcedente, com base em laudo pericial que não constatou nexo causal entre as usinas e eventual prejuízo na pesca.

Contudo, o TJ/RO reformou a sentença, reconhecendo o direito à indenização com base na presunção de dano ambiental e em "experiência do julgador", sem apontar provas concretas.

As empresas recorreram ao STJ sustentando que o acórdão contrariou precedentes da Corte, especialmente os Temas 436 e 680, que exigem comprovação efetiva do dano e da condição de pescador profissional anterior ao evento danoso, além de nexo de causalidade para caracterizar responsabilidade civil.

Sustentação oral

Durante a sessão, o advogado Gustavo Teixeira Gonet Branco, do escritório Mudrovitsch Advogados, representando a Jirau Energia, sustentou que a decisão do TJ/RO, que condenou as empresas responsáveis pelas usinas do Rio Madeira ao pagamento de indenização por lucros cessantes, violou princípios básicos da responsabilidade civil, por ausência de provas concretas de dano e de nexo causal.

Segundo ele, o acórdão ignorou laudo pericial que concluía pela inexistência de prejuízo e de relação direta entre as obras e a suposta perda de renda dos autores, reconhecendo o direito à indenização apenas com base na presunção de dano e na "experiência do julgador".

O advogado afirmou que o tribunal de origem ultrapassou os limites da causa de pedir, convertendo uma ação individual em uma discussão de cunho coletivo, com fundamentos genéricos e de natureza ambiental, sem examinar se os nove autores realmente eram pescadores, se foram afetados pelas obras ou quais suas receitas antes e depois da construção das usinas.

Em sua conclusão, o defensor pediu que o STJ reformasse o acórdão e restabelecesse a sentença de improcedência, ou, alternativamente, determinasse o retorno dos autos ao tribunal estadual para novo julgamento, com análise adequada das provas e prestação jurisdicional completa.

Já o advogado Gustavo Assis de Oliveira, do escritório Advocacia Bettiol S/C, representando a Santo Antônio Energia, defendeu o provimento do recurso especial para restabelecer a sentença de improcedência na ação indenizatória movida contra as empresas responsáveis pelas usinas do Rio Madeira. Segundo ele, o acórdão do TJ/RO violou dispositivos legais e ignorou precedentes do STJ, especialmente os Temas 436 e 680, que tratam da necessidade de comprovação efetiva do dano ambiental e da condição de pescador profissional anterior ao suposto evento danoso.

Ele ressaltou que o caso tem repercussão nacional, envolvendo mais de 1.500 ações semelhantes e cerca de R$ 6 bilhões em indenizações. Argumentou ainda que todas as ações apresentam características de "demandas predatórias", com petições idênticas e baseadas em informações genéricas extraídas do licenciamento ambiental, sem provas concretas de prejuízos.

De acordo com a perícia citada na sustentação, não houve redução comprovada da quantidade de peixes no Rio Madeira, e muitos autores das ações passaram a se registrar como pescadores apenas após a construção das usinas. O advogado também destacou que os empreendimentos realizaram investimentos de cerca de R$ 2 bilhões em programas socioambientais, monitoramento da qualidade da água e medidas de mitigação, sem indícios de impacto negativo sobre a fauna aquática.

Por fim, ele afirmou que o Tribunal local confundiu impacto ambiental com dano ambiental, presumindo prejuízos inexistentes e invertendo a prova técnica. Pediu, portanto, que o STJ reconheça a inexistência de dano, de nexo causal e de legitimidade para indenização, restabelecendo a decisão de primeiro grau.

Por fim, o defensor público Marcus Edson de Lima, atuando em nome da Defensoria Pública do Estado de Rondônia, defendeu a manutenção da decisão do TJ/RO, que reconheceu o direito de pescadores do Rio Madeira à indenização por lucros cessantes decorrentes da instalação e operação das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau.

O defensor destacou que o caso não se trata de uma disputa individual, mas de uma questão coletiva e social, envolvendo dezenas de famílias ribeirinhas cuja subsistência depende da pesca artesanal. Ressaltou que essas comunidades, ainda que assistidas por advogados particulares, estão em situação de vulnerabilidade econômica diante das concessionárias de energia elétrica, motivo pelo qual a Defensoria se manifestou para assegurar uma perspectiva técnica e social do conflito.

Marcus Edson enfatizou que o laudo pericial judicial reconheceu a alteração da ictiofauna do Rio Madeira, com impacto direto sobre a migração e reprodução das espécies, o que reduziu a produtividade pesqueira e comprometeu o sustento das famílias. Argumentou que as construtoras pretendem reavaliar provas já analisadas, o que seria vedado pela Súmula 7 do STJ, que impede o reexame de matéria fático-probatória em recurso especial.

O defensor também citou precedentes do próprio STJ sobre casos semelhantes em que se reconheceu o dever de indenizar pescadores afetados por empreendimentos hidrelétricos, mesmo quando as atividades eram lícitas e devidamente licenciadas. Com base nesses julgados, defendeu a aplicação dos princípios da precaução, prevenção e reparação, sustentando que, diante da incerteza científica, o benefício da dúvida deve favorecer o meio ambiente e as comunidades tradicionais.

Encerrando a fala, afirmou que a decisão do TJ/RO foi "equilibrada e justa", reconhecendo apenas danos materiais comprovados, e pediu que o STJ negasse provimento ao recurso das empresas, preservando a reparação aos pescadores, "os pequenos afetados pelos grandes empreendimentos que exploram o Rio Madeira".

Voto da relatora

A ministra Daniela Teixeira, relatora, votou por negar provimento aos recursos das empresas responsáveis pelas usinas de Jirau e Santo Antônio, mantendo a condenação por danos materiais a pescadores afetados pela redução da atividade pesqueira no Rio Madeira.

Segundo a relatora, a responsabilidade civil ambiental é objetiva e solidária, regida pela teoria do risco integral, o que afasta excludentes e impõe o dever de reparação independentemente de culpa.

Daniela destacou que os laudos periciais comprovaram danos ambientais e que o acórdão do TJ/RO está em conformidade com os Temas 436 e 680 do STJ, que reconhecem a legitimidade dos pescadores em ações de indenização.

A ministra também rechaçou a alegação de "litigância predatória", afirmando que o grande número de ações reflete a dimensão do impacto social e não o uso abusivo do Judiciário. Ao concluir, manteve a condenação e a responsabilidade das empresas pelas indenizações.

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Assista ao voto da relatora:


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