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porto velho, sábado 23 de novembro de 2024
A rotineira misoginia que nos rodeia
Wilma Suely Batista Pereira
Em meio a toda trabalheira de fim de ano, me vejo inundada de trabalhos e provas a corrigir, notas a lançar, orientandos a serem encaminhados ora para qualificação, ora para a coleta de dados; dissertações para analisar para bancas ainda em dezembro. Estou conselheira de conselho superior na Universidade e membro de uma importante comissão de assessoria à reitoria, ambos os serviços galgados através de eleição direta e democrática. São múltiplas responsabilidades no trabalho, fora a atenção a meus filhos que ficaram de recuperação na escola. Em momento de desabafo, falei o quanto estou cansada, precisando de férias, pifando...
Mas, qual não foi minha surpresa ao ouvir de um colega a seguinte frase: “você precisa é de um homem”. Oi?!
Comentários como este, me remetem a três tipos de interpretação:
Perceba-se que em todas as três alternativas a base do comentário é o machismo. É deslocar para a presença masculina as soluções de questões profundas e complexas do cotidiano de trabalho, como se a mulher fosse uma subespécie que não trouxesse nenhuma contribuição ao mundo, senão corporificar as fantasias masculinas, infantilizadas e abusivas.
É como se eu não devesse estar ali, no mundo do trabalho. É como se eu devesse estar na alcova. Segundo essa anti racionalidade, é só ter um homem do lado e toda reclamação terá legitimidade.
Transitar no mundo do trabalho já é um exercício de paciência por si só. Mas, quando há homens que estão fincados nos próprios pênis, as dificuldades só aumentam. Ivone Gebara(1985) usava uma analogia que trago aqui: a do vestido apertado. E pedindo respeitosa a licença da autora, descrevo o vestido apertado como sendo a postura misógina, que aperta, limita, os movimentos, sufoca a respiração da mulher por um lado, enquanto ressalta as curvas do seu corpo por outro, submetendo-a e mantendo-a presa numa roda perversa de atração e repulsão, em que se descobre que o corpo desejado avidamente abriga uma inteligência desconcertante. Neste confronto cru não há espaços para trocas genuínas. Nada pode florescer em relações assim.
Somos mulheres em trabalho para sustentar nossas famílias. Sermos divorciadas, solteiras, sozinhas não interferem na nossa capacidade criativa e de discernimento. É preciso que esteja definitivamente claro que nossas preocupações se legitimam na feminilidade, na ação humana e nas contribuições que oferecemos ao mundo, diferentes, mas não inferiores nem superiores às dos homens. A inteligência, as competências desenvolvidas, a conexão com a sociedade, a relação ética com a vida são os atributos que nos credenciam como seres pensantes cujas expertises, defeitos, criatividade e limitações são revistas e ressignificadas em constante evolução.
A doce presença de um companheiro em nossa vida se reveste de sentido quando este homem já se desvestiu das infantilidades machistas e descobriu a força feminina (outrora chamada fragilidade) como aliada para as agruras da vida.