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porto velho, sexta-feira 8 de agosto de 2025
BRASIL - Por decisão unânime, a 3ª seção do STJ fixou tese em recurso repetitivo, Tema 1.333, reconhecendo a incidência da agravante do art. 61, II, f, do CP às contravenções penais praticadas no contexto de violência doméstica contra a mulher.
A Corte, no entanto, ressalvou as hipóteses em que a própria LCP - lei das contravenções penais prevê tratamento específico, como é o caso da lei 14.994/24, que incluiu o § 2º no art. 21 da LCP , estabelecendo causa própria de aumento de pena de até o triplo para as vias de fato cometidas em razão de gênero.
Tese firmada:
1 - A agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea f, do CP é aplicável às contravenções penais praticadas no contexto de violência doméstica contra a mulher, salvo se houver previsão diversa na Lei das Contravenções Penais, conforme seus arts. 1º e 12 do CP.
2 - Não é possível tal aplicação à contravenção penal de vias de fato prevista no art. 21 da LCP, nas hipóteses de incidência de seu § 2º, incluído pela lei 14.994/24, por força dos princípios da especialidade e da proibição de bis in idem.
STJ admite agravante por violência contra mulher também para contravenções penais.(Imagem: Arte Migalhas)
A controvérsia teve origem em decisões do TJ/MG que afastaram a aplicação da agravante do art. 61, II, f, do CP em casos de vias de fato contra mulher, punidas como contravenção penal (art. 21 da LCP). O Ministério Público recorreu, sustentando que a agravante deveria incidir também nas contravenções, dada a gravidade e o contexto de violência de gênero.
Sustentações orais
O MP/MG, representado pelo promotor André Estevão Ubaldino Pereira, defendeu que as normas gerais do Código Penal são plenamente aplicáveis às contravenções, conforme os arts. 12 do CP e 1º da LCP. Ressaltou que a distinção entre crime e contravenção é meramente formal e que, por décadas, os juízes vêm aplicando os critérios do CP para fixação de penas nas contravenções.
Pereira argumentou ainda que a lei 14.994/24 não cria novo tipo penal, mas apenas transforma a agravante em causa de aumento de pena - o que não impediria a aplicação retroativa da interpretação anterior, já pacificada nos tribunais.
A Defensoria Pública de Minas Gerais, representada pelo defensor Antônio Soares da Silva Jr., sustentou que a aplicação da agravante a contravenções viola o princípio da legalidade penal e configura analogia in malam partem, vedada pelo art. 5º, inciso XXXIX, da CF.
Segundo o defensor, o legislador foi claro ao restringir a aplicação da agravante a crimes, e permitir sua extensão às contravenções comprometeria a segurança jurídica. Enfatizou que a proteção à vítima não pode ser obtida à custa da erosão de garantias fundamentais do réu.
Já o MPF, representado pelo subprocurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé, reforçou a necessidade de uma interpretação sistemática e compatível com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente a Convenção de Belém do Pará.
Para subprocurador-geral, restringir a aplicação da agravante enfraqueceria a proteção das vítimas e contrariaria o dever do Estado de adotar medidas eficazes para prevenir e punir a violência de gênero.
Aplicação válida
O relator, desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, entendeu ser possível aplicar a agravante do art. 61, II, f às contravenções penais, com base em três fundamentos principais:
O art. 12 do CP e o art. 1º da LCP autorizam a aplicação das normas gerais do Código Penal às contravenções, salvo disposição legal em contrário;
A jurisprudência consolidada do STJ já admite a aplicação de agravantes a contravenções, especialmente em casos de violência doméstica;
O Estado brasileiro tem o dever, inclusive internacional, de proteger as mulheres contra a violência de gênero, conforme a Convenção de Belém do Pará e decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
"A obrigação de fazer frente à violência contra a mulher tem assento não apenas constitucional e legal, mas também decorre de normas internacionais [...], conforme interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, esse dever alcança, inclusive, a esfera judicial a quem incumbe dar aplicação efetiva às normas de proteção à mulher", ressaltou Toledo.
Contudo, o relator ponderou que, com a entrada em vigor da lei 14.994/24, que alterou o art. 21 da LCP para prever causa de aumento específica, a aplicação cumulativa da agravante passa a ser vedada, por força da especialidade e da proibição de bis in idem.
Casos-paradigma
Nos quatro recursos especiais representativos da controvérsia a Corte reconheceu a aplicação da agravante e ajustou as penas:
REsp 2.184.869 - pena aumentada de 15 dias para 17 dias de prisão simples;
REsp 2.185.716 - pena aumentada de 15 dias para 17 dias de prisão simples;
REsp 2.185.960 - pena aumentada de 15 dias para 17 dias de prisão simples;
REsp 2.186.684 - pena aumentada de 27 dias para 1 mês e 3 dias de prisão simples.