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porto velho, sábado 16 de agosto de 2025
Nesta quinta-feira, 14, o STF, em sessão plenária, declarou inconstitucionais uma lei e um decreto do Estado do Tocantins. A lei previa o aumento dos subsídios dos delegados de Polícia Civil, enquanto o decreto suspendia os efeitos financeiros dessa norma.
Por unanimidade, a Corte concluiu que ambos os atos normativos afrontavam a CF.
O decreto, segundo o entendimento firmado, violou a separação dos Poderes, a legalidade e a presunção de constitucionalidade das leis ao suspender unilateralmente, por ato administrativo, os efeitos de norma aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, medida que só poderia ser adotada mediante controle judicial de constitucionalidade.
Já a lei foi considerada fruto de abuso de poder político. Editada às vésperas das eleições de 2014, sem estudo de impacto financeiro e sem previsão orçamentária, teve finalidade eleitoral e afrontou o art. 169, §1º, da CF, comprometendo a paridade de armas no pleito e a legitimidade do processo democrático.
Caso
O PSB - Partido Socialista Brasileiro ajuizou a ação para questionar o decreto 5.194/15 que suspendeu os efeitos financeiros de lei estadual 2.853/14 que reajustou os salários dos delegados de Polícia Civil.
Na ação, a legenda sustentou que, sob o argumento de que o aumento da despesa não indicou a fonte de custeio nem se importou com o impacto orçamentário-financeiro a incidir no exercício de 2015, o governador editou o decreto para revogar a lei, dando-lhe ainda efeitos retroativos.
Para o partido, o decreto 5.194/15, do Tocantins, invadiu a competência não só do legislador ordinário, mas também do próprio Poder Judiciário ao suspender os efeitos da lei estadual 2.583/14.
Dupla invalidação
A ADIn, originalmente, pedia apenas a invalidação do decreto.
No julgamento no plenário virtual, entretanto, o ministro Gilmar Mendes propôs que, além do decreto, a própria lei fosse declarada inconstitucional, por arrastamento.
Durante os debates no plenário físico, os ministros ressaltaram que, conforme a jurisprudência da Corte, a análise da validade da lei só seria possível com pedido específico na ação.
Diante disso, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou, durante a sessão, aditamento à inicial para incluir a norma no julgamento, o que viabilizou sua apreciação.
STF invalida decreto e lei que tratavam de subsídios de delegados de Tocantins.(Imagem: Fellipe Sampaio/STF)
Voto do relator
No plenário virtual, o relator, ministro Luiz Fux, considerou o ato normativo inconstitucional por usurpar a competência do Poder Judiciário e afrontar diversos princípios constitucionais.
Segundo o relator, o decreto não poderia ter sido utilizado como instrumento para sustar os efeitos de norma aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo próprio Executivo. Trata-se, conforme apontou Fux, de um decreto autônomo com conteúdo incompatível com as hipóteses autorizadas pela Constituição.
Para Fux, além de vício formal, por violação ao art. 84, VI, da CF, o ato configura inconstitucionalidade material ao desrespeitar os princípios da separação dos poderes (art. 2º), da legalidade (art. 37, caput) e da presunção de constitucionalidade das leis.
Enfatizou que, uma vez promulgada, a lei só pode ser suspensa ou retirada do ordenamento jurídico por meio do controle judicial de constitucionalidade, e não por ato administrativo do Executivo.
O ministro destacou que o próprio governador havia ajuizado ADIn no TJ/TO contra a lei que concedia o reajuste, mas a ação não foi conhecida pela Corte estadual.
Ainda assim, o chefe do Executivo local optou por suspender os efeitos da norma via decreto, em desacordo com a jurisprudência do STF, que já firmou entendimento no sentido de que "a lei não pode ser retirada do mundo jurídico por ato normativo que lhe seja inferior".
Fux também acolheu o parecer da PGR, que reputou indevida a suspensão unilateral de lei vigente por razões de inconstitucionalidade alegadas pelo Executivo. Para o relator, esse tipo de conduta representa verdadeira "moratória temporária", sem amparo no ordenamento constitucional.
Reconhecendo a violação aos preceitos constitucionais, Fux votou pela procedência da ação, com declaração de inconstitucionalidade do decreto estadual.
Por razões de segurança jurídica, propôs modulação dos efeitos da decisão para que ela produza efeitos a partir da publicação da ata do julgamento.
S. Exa. foi acompanhada pelo ministro Cristiano Zanin.
Lei inconstitucional
Ministro Gilmar Mendes, no plenário virtual, divergiu do relator.
Ao acompanhar o relator na declaração de inconstitucionalidade do decreto, também reconhecer a inconstitucionalidade da própria lei, de forma incidental, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Segundo o ministro, a ordem constitucional inaugurada em 1988 não admite que o Executivo deixe de cumprir uma lei sob alegação de inconstitucionalidade.
Para o decano da Corte, ao editar o decreto 5.194/15, o governador do Tocantins usurpou a competência do Poder Judiciário, pois caberia ao Executivo, caso entendesse haver vícios na norma, ajuizar ação de controle concentrado de constitucionalidade, e não suspender unilateralmente seus efeitos.
Gilmar, contudo, foi além. Considerou que a análise da constitucionalidade do decreto implicava também o exame da validade da lei cuja eficácia foi suspensa.
Em seu entendimento, a lei 2.853/14 foi editada com finalidade eleitoral, às vésperas do pleito de 2014, sem estudo de impacto financeiro e sem previsão orçamentária, em clara afronta aos princípios da liberdade de voto, da paridade de armas e ao art. 169, §1º, da CF.
O ministro destacou que o então governador do Estado, Sandoval Cardoso, editou diversas medidas provisórias concedendo aumentos e benefícios a servidores públicos, às vésperas das eleições, sendo posteriormente declarado inelegível por abuso de poder político.
Para Gilmar, a lei foi produto desse abuso.
"Editada com finalidade estritamente eleitoral, visando a desequilibrar o pleito, desvirtuando os instrumentos à disposição do Estado."
Ao final, defendeu a declaração de inconstitucionalidade da lei tocantinense com eficácia geral e efeito vinculante, considerando que a norma afronta a ordem constitucional e compromete a legitimidade do processo democrático.
Voto vista
Ao apresentar voto-vista, nesta quinta-feira, 14, ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator para declarar a inconstitucionalidade do decreto do Tocantins, ressaltando que a Constituição de 1988 não recepcionou a prática de o chefe do Executivo afastar unilateralmente a aplicação de lei.
Segundo Moraes, essa possibilidade era admitida apenas de forma excepcional antes de 1988, em um contexto de concentração de poder no Executivo e fragilidade da jurisdição constitucional.
Na época, o controle abstrato de constitucionalidade era restrito ao procurador-geral da República, cargo de livre nomeação e exoneração pelo presidente, o que comprometia a independência da função.
Com a redemocratização, a CF ampliou o acesso ao controle concentrado, garantindo autonomia ao PGR e legitimidade a diversos atores, incluindo governadores, para acionar tanto o STF quanto os tribunais de justiça estaduais.
Diante desse novo arranjo institucional, afirmou Moraes, não há mais espaço para que o Executivo suspenda, por ato administrativo, a eficácia de uma lei regularmente aprovada.