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porto velho, terça-feira 19 de agosto de 2025
O STF pode se tornar uma barreira institucional à aplicação da Lei Magnitsky no Brasil. A conclusão não é vã, mas decorre da interpretação da decisão proferida pelo ministro Flávio Dino, nesta segunda-feira, 18, na ADPF 1.178.
Sem citar Magnitsky, Dino veta efeito automático de leis estrangeiras no Brasil
Na ocasião, o relator afirmou, de forma expressa, que leis, ordens executivas, decretos e decisões judiciais de outros países não têm eficácia em território nacional sem homologação do STJ ou previsão em tratado internacional.
Embora não tenha citado nominalmente a legislação norte-americana, que prevê sanções a indivíduos e empresas acusados de corrupção e violações de direitos humanos, o voto de Dino alcança diretamente medidas unilaterais estrangeiras com efeitos internos, como bloqueio de ativos e restrições a transações financeiras.
O caso julgado
A ação foi proposta pelo Ibram - Instituto Brasileiro de Mineração contra a prática de municípios de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia que, após os desastres de Mariana e Brumadinho, contrataram escritórios de advocacia no exterior para ajuizar ações em cortes estrangeiras.
Segundo o ministro, ao agir como se dotados de personalidade internacional, os entes municipais violam o pacto federativo e atentam contra a soberania nacional, uma vez que não possuem competência para litigar fora do país. Dino lembrou que municípios são autônomos, mas não soberanos, estando sujeitos às instâncias brasileiras.
O relator também destacou os riscos de contratos de êxito firmados com advogados estrangeiros, cujos percentuais elevados poderiam expor tanto o erário quanto as vítimas a graves prejuízos econômicos.
No dispositivo, Dino declarou a ineficácia em território nacional da medida cautelar concedida pela Justiça inglesa a municípios brasileiros; fixou a exigência de homologação judicial para execução de sentenças estrangeiras; proibiu que estados e municípios proponham novas ações em cortes estrangeiras; e determinou que transações financeiras, bloqueios de ativos e transferências internacionais dependam de autorização do STF.
Ainda, ordenou a comunicação da decisão ao Banco Central, à Febraban, à CNF - Confederação Nacional das Instituições Financeiras e à CNseg - Confederação Nacional das Seguradoras, a fim de evitar que instituições financeiras nacionais cumpram ordens externas sem chancela da Suprema Corte.
O voto reafirmou a centralidade da soberania nacional (art. 1º, I, CF) e da igualdade entre os Estados (art. 4º, V, CF) como pilares da República.
Citando pareceres da ministra aposentada Ellen Gracie e do professor Daniel Sarmento, Dino lembrou que submeter o Brasil à jurisdição de outro país significa violar a lógica de que "entre iguais não há império" (par in parem non habet imperium).
Também ressaltou o art. 17 da LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe:
"Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes."
Hipóteses legais
No Brasil, a regra é que atos de Estados estrangeiros não produzem efeitos automáticos em território nacional.
Isso vale para leis, decretos, ordens executivas, decisões administrativas e até sentenças judiciais.
Para que uma determinação vinda do exterior seja cumprida internamente, é preciso observar hipóteses específicas previstas na CF, na legislação processual e em tratados internacionais.
A primeira hipótese é a homologação de sentenças estrangeiras pelo STF.
De acordo com o art. 105, I, i, da CF, cabe ao STJ analisar se a decisão estrangeira cumpre os requisitos de validade, como a citação regular das partes e a inexistência de ofensa à ordem pública. Sem esse procedimento, regulado nos arts. 960 a 965 do CPC, uma decisão proferida em outro país não pode produzir efeitos no Brasil.
Outra possibilidade é a cooperação jurídica internacional, disciplinada nos arts. 26 e 27 do CPC. Essa cooperação se dá por instrumentos como as cartas rogatórias, que permitem a prática de atos processuais em território brasileiro, e os acordos de assistência mútua, já firmados pelo Brasil com diversos países.
Tais mecanismos têm fundamento na CF, que prevê, no art. 4º, IX, a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Também é admitida a eficácia de atos estrangeiros quando incorporados ao ordenamento por meio de tratados internacionais.
Para tanto, é necessário que o acordo seja aprovado pelo Congresso Nacional (art. 49, I, da CF), ratificado pelo Presidente da República e promulgado por decreto presidencial.
Em matéria de direitos humanos, esses tratados podem até alcançar status constitucional, caso sejam aprovados em dois turnos por três quintos dos votos de cada Casa do Congresso, nos termos do art. 5º, § 3º, da CF.
Por fim, a legislação brasileira estabelece uma cláusula de salvaguarda no art. 17 da LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: leis, atos e sentenças de outros países não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes.
Esse dispositivo garante que, ainda que exista homologação ou cooperação, a aplicação no Brasil só será válida se respeitar os princípios constitucionais.
Reflexos sobre a Lei Magnitsky
Ao estabelecer que normas estrangeiras não podem incidir automaticamente sobre pessoas ou empresas situadas no Brasil, o entendimento de Dino cria obstáculo direto à eventual aplicação da Lei Magnitsky no país.
Na prática, isso significa que sanções unilaterais, como bloqueio de ativos de empresas brasileiras por determinação de autoridades estrangeiras, não produzem efeitos internos sem chancela do Judiciário nacional.
Qualquer medida nesse sentido dependeria de deliberação expressa do STF ou de previsão em tratado internacional incorporado ao ordenamento.
Fora do território nacional, entretanto, as restrições permanecem possíveism como congelamento de valores em bancos estrangeiros ou proibição de entrada em determinados países. O alcance do Supremo limita-se ao espaço de validade da jurisdição brasileira.
A decisão reforça o papel do STF como guardião da soberania nacional em um cenário de crescente uso de sanções internacionais unilaterais.
Ao blindar o ordenamento jurídico interno, a Corte busca evitar que entes subnacionais ou empresas brasileiras fiquem sujeitos a imposições externas sem respaldo constitucional.