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porto velho, quarta-feira 27 de novembro de 2024
BRASIL -O Governo do Paraná fez um pedido de desculpas oficial para Beatriz Abagge, uma das condenadas pela morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, pelo que o estado definiu como "sevícias indesculpáveis" sofridas por ela à época da investigação do caso.
Veja, abaixo, a íntegra da carta.
O documento é assinado pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost, com data de 4 de janeiro.
"Expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a Senhora", cita trecho da carta.
Na carta, o secretário ainda afirma que após assistir a série Caso Evandro, da Globoplay, e também ter acesso ao relatório do grupo de estudo criado pela Secretaria de Justiça para identificar falhas no processo e investigação, ele teve convicção pessoal de que Beatriz e "outros condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas".
Ele também diz que não pode inocentar ou anular o julgamento que condenou Beatriz Abagge, mas que uma cópia da carta de perdão e do relatório final do grupo de estudos será enviado ao Poder Judiciário.
Em dezembro, a defesa de Beatriz Abagge e outros condenados protocolou um pedido de revisão criminal das condenações deles três pela morte da criança.
O documento apresenta um parecer que, segundo a defesa, atesta a veracidade das gravações que apontam que houve tortura dos então suspeitos durante a investigação, na década de 1990, para que eles confessassem o crime.
Segundo a defesa, durante os julgamentos em que os três foram condenados, as gravações com as confissões foram apresentadas editadas.
Os áudios completos, que mostram os acusados recebendo instruções para confessar os crimes, se tornaram públicos em 2020, durante o podcast Projeto Humanos, que contou a história do caso.
"Senhora Beatriz Abagge,
Venho por meio de esta informá-la que o Grupo de Trabalho "Caso Evandro - Apontamentos para o Futuro", por mim instituído e coordenado pelo Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania, desta Secretaria de Estado de Justiça, Família e Trabalho finalizou seus trabalhos os quais resultaram relatório que encaminho anexo a esta presente carta.
O referido documento além de balizador para a construção de políticas públicas de proteção aos direitos humanos e prevenção aos crimes contra as crianças, se for de seu entendimento e interesse poderá ser anexado por seus advogados em eventual pedido de anulação do julgamento do caso.
Ademais, gostaria de destacar que o Grupo de Trabalho, após assistir a série documental "Caso Evandro", ouvir áudios e tomar conhecimento dos relatos espontâneos, bem como, ler o relatório elaborado pelo referido grupo, formei convicção pessoal de que são muitas as evidências que a Senhora e outros condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas, as quais podem ser configuradas como crime e tais práticas são totalmente inaceitáveis e indefensáveis.
Cabe salientar que não tenho prerrogativa legal para declará-la inocente e nem mesmo para anular seu julgamento. Sendo que tal medida só poderá ser adotada, na forma da Lei, pelo próprio Poder Judiciário, ao qual encaminharei cópia desta carta e do relatório.
No entanto, na atual condição de Secretário de Estado da Justiça, Família e Trabalho, expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a Senhora.
Pedido de perdão este também, simbolicamente, extensivo a toda e qualquer outra pessoa que por ventura tenha um dia sofrido tortura estatal em território paranaense.
Por fim, informo que também será enviado um pedido veemente de perdão aos pais dos meninos desaparecidos. Pois, na época dos fatos, o grupo de questionável legalidade designado pelo Estado do Paraná para desvendar quem cometeu os horríveis e covardes crimes contra estas crianças, não só foi incapaz de fazê-lo assim como gerou uma série de danos.
Na firma esperança de que "mesmo escapando da justiça dos homens, os maus jamais conseguirão fugir da justiça de Deus", assino desejando-lhe justiça e paz!
Atenciosamente, Ney Leprevost."
A defesa pede que as condenações e os processos sejam anulados, além de uma indenização aos condenados.
O pedido foi feito após o jornalista Ivan Mizanzuk publicar no podcast Projeto Humanos os áudios completos das confissões. Segundo a defesa, as gravações completas mostram pedidos de socorro dos então investigados e provas de coação e ameaças por parte de torturadores.
O documento também apresenta um parecer psicopatológico que aponta que houve tortura.
Agora, o recurso precisa ser analisado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que decide se acata ou nega o pedido.
Defesa pede revisão das sentenças de condenados pela morte de Evandro Ramos Caetano — Foto: Reprodução/RPC
O Ministério Público do Paraná informou que analisará os elementos que serão levados ao processo pela revisionante e se manifestará nos autos.
"Convém observar que a desconstituição de uma condenação criminal somente ocorre no caso de surgir nova prova cabal de exclusão de responsabilidade da pessoa condenada", informou a promotoria.
Desde os anos 1990, caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias.
Na época, as Beatriz e Celina Abagge, mãe dela, foram inocentadas porque não houve a comprovação de que o corpo encontrado era do menino Evandro.
O Ministério Público recorreu e um novo júri foi realizado em 2011. Beatriz, a filha, foi condenada a 21 anos de prisão. A mãe não foi julgada porque, como ela tinha mais de 70 anos, o crime já tinha prescrito.
Os pais de santo, Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula, também foram condenados, na época, pelo sequestro e homicídio do garoto.