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EUA debatem lei que pode barrar US$ 500 milhões em carne, couro e outros itens do Brasil

Projeto que será discutido no Congresso poderia representar primeira punição prática do governo americano


g1

Publicada em: 07/10/2021 09:43:15 - Atualizado

O Congresso americano estuda criar uma lei que pode barrar a importação pelos EUA de itens como soja, cacau, gado, borracha, óleo de palma, madeira e seus derivados de países com índices altos de desmatamento florestal se o produtor rural e o importador americano não comprovarem que as origens desses produtos - e toda sua cadeia produtiva - passaram ao largo de áreas ilegalmente desmatadas.

O projeto legislativo, batizado de Forest Act 2021, ou Lei Florestal 2021, foi apresentado na última quarta (6), e é o mais abrangente marco legal no tema proposto nos EUA nos últimos anos. Na justificativa do projeto, ao qual a BBC News Brasil teve acesso em primeira mão, o senador democrata Brian Schatz e o congressista democrata Earl Blumenauer, autores da peça, citam o Brasil - e seus produtos de origem bovina - como exemplo do problema.

"Em 2020, os EUA importaram carnes e couros bovinos processados avaliados em mais de US$ 500 milhões do Brasil. Ali, a pecuária é o maior impulsionador do desmatamento na Floresta Amazônica e outros biomas, e 95% de todo o desmatamento feriam a lei", escrevem os autores no projeto de lei apresentado simultaneamente à Câmara e ao Senado. Além do Brasil, apenas a Indonésia é citada nominalmente no texto.

Embora digam que a regra não tem como alvo países, e sim o aquecimento global e a devastação ambiental, os legisladores americanos reconhecem que o Brasil deve ser afetado caso a lei passe, o que eles esperam que ocorra até novembro de 2022.

Em 2021, o Brasil deverá se consolidar como o quarto maior exportador de carne bovina congelada aos EUA e atualmente já é o maior fornecedor de material bruto para fabricação de assentos de couro de automóveis. Esses seriam os mercados em maior risco.

A BBC News Brasil entrou em contato com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), mas a entidade afirmou que não se manifestaria.

"A aprovação da lei vai ser uma oportunidade para o Brasil (mudar), já que até agora o país está tratando com deboche seus compromissos ambientais. O atual governo tem agido de forma descuidada em relação ao desmatamento, não tem sido particularmente sensível aos direitos dos povos indígenas. Isso fere os interesses do Brasil", afirmou Blumenauer à BBC News Brasil.

Biden e o aquecimento global

A proposta da Lei Florestal é a primeira grande ameaça de punição dos EUA ao Brasil em relação ao comportamento do país em um tema prioritário para a Casa Branca: o aquecimento global. Segundo Rick Jacobsen, chefe de políticas para o Brasil na ONG Environmental Investigation Agency (EIA), sediada em Washington, "não há dúvida de que a destruição da floresta amazônica é uma grande motivação dos legisladores americanos" para propor a nova lei.

Em agosto de 2021, o presidente Bolsonaro admitiu o desafio que o assunto representava na relação bilateral com os EUA. "Da minha parte, o Brasil está de portas abertas e pronto para continuar a conversa com o governo americano. Obviamente, o governo Biden é um governo mais de esquerda e um governo que tem quase uma obsessão pela questão ambiental, então isso atrapalha um pouquinho a gente", afirmou o mandatário brasileiro.

O democrata Joe Biden se elegeu à presidência prometendo retornar ao Acordo de Paris e retomar o protagonismo americano no combate às mudanças climáticas. Ele chegou a citar o desmatamento da Amazônia em um debate presidencial, ainda em 2020, como exemplo de situações nas quais ele acreditava poder liderar o mundo em busca de soluções.

Por isso mesmo, o projeto de lei se encaixa com precisão à pauta de Biden. De acordo com Schatz e Blumenauer, se o desmatamento global fosse considerado um país, ele seria o terceiro maior emissor de gases do efeito estufa do mundo, atrás apenas da China e dos EUA. Especialistas afirmam que a devastação da cobertura vegetal do planeta responde por cerca de 10% das emissões globais. Diante do problema, a solução estaria em mirar o motor para a derrubada das matas.

"Já temos uma lei federal que tenta garantir que não importemos madeira originária de desmatamento ilegal, mas o fato é que muito do desmatamento está sendo impulsionado pelas commodities que são cultivadas nas áreas após o corte da floresta tropical. E então nosso problema é garantir que nenhum dos produtos que chegam aos nossos portos são resultado de desmatamento ilegal", afirmou Schatz à BBC News Brasil. Além de barrar os produtos, a lei também prevê a possibilidade de que a importação irregular desses itens seja incluída no hall de crimes financeiros no país.

Embora não esconda as divergências em relação ao governo brasileiro, Biden tem optado por um tratamento discreto e diplomático em relação ao Brasil. O mandatário americano convidou Bolsonaro para a Cúpula de Líderes que tratou de clima em abril (embora tenha deixado a sala virtual do encontro no momento em que o presidente brasileiro falou) e, até maio, a equipe de seu Enviado Climático, John Kerry, mantinha contatos semanais com o Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente sob Ricardo Salles.


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