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porto velho, sábado 5 de julho de 2025
RONDÔNIA - Numa longa sentença, divulgada esta semana, o desembargador Gilberto Barbosa, do TJ de Rondônia, absolveu o ex-secretário de Saúde de Vilhena, Vivaldo Carneiro Gomes, que chegou a ser condenado, junto com outras três pessoas, por envolvimento num episódio que ficou conhecido como “farra do combustível”.
Na campanha municipal de 2012, quando o então prefeito Zé Rover disputava a reeleição, um esquema para distribuir combustível do município a fim de abastecer carros de aliados na campanha, foi flagrado pela polícia e julgado em primeira instância.
Ao inocentar Vivaldo, o magistrado que julgou o recurso dele, anotou que não havia como provar a participação do então secretário na ilegalidade.
Confira abaixo, na íntegra, a decisão do desembargador.
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta por Vivaldo Carneiro Gomes contra sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível de Vilhena. que, em sítio de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, lhe impôs: a) perda da função pública; b) por cinco anos, suspensão dos direitos políticos; c) por três anos, proibição de contratar com o poder público ou dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; d) pagamento de multa civil correspondente ao valor de dez remunerações, fls. 457/462.
Aduz ter o Parquet ajuizado a ação, sob o argumento de que ele, enquanto secretário de saúde de Vilhena, teria ordenado à servidora Ana Quézia, que, em benefício de particulares, emitisse requisições de combustível da Secretaria de Saúde.
Sustenta que não há prova no sentido de ter ele determinado a emissão de tais requisições, muito menos de que sabia que essas guias estavam sendo emitidas em descompasso com o interesse público.
Destaca ter o Ministério Público, em razão dos mesmos fatos, ajuizado ação penal tão somente contra Ana Quézia, José da Silva, Fernando Fava e Antônio Pereira da Silva, o que diz evidenciar não ter obrado ao arrepio da lei.
Referindo-se ao depoimento de Ana Quézia no sentido de que obedecia ordens do servidor José da Silva (Zé da Paraná) para emitir guias de combustível em nome de terceiros, nega o tenha autorizada a agir em seu nome.
Noutra passada, afirma ter sido condenado sem provas, pois o depoimento de Ana Quézia é insuficiente para autorizar, contra ele, acusação de atuar ímprobo, lembrando que sequer foi denunciado na esfera penal.
Pontuando ter Ana Quézia emitido requisições por sua conta e risco, afirma que a prova produzida não basta para justificar a condenação que lhe foi imposta.
Salienta, no mais, que o único depoimento considerado pelo julgador de piso faz singela referência a supostas ordens que partiram de pessoa que indevidamente afirma agir em seu nome.
Assevera que, nas diversas oportunidades em que exerceu o cargo de secretário de saúde, atuou nos contornos dos princípios constitucionais e do interesse público.
Sustentando não ter tido participação nos fatos narrados na inicial, postula seja reformada a sentença para, em consequência, julgar improcedentes os pedidos formalizados na ação civil pública, fls. 477/488.
Em contrarrazões, o Ministério Público bate-se pela manutenção da sentença, fls. 491/498.
Oficiou no feito o procurador de justiça Rodney Pereira de Paula, manifestando-se pelo provimento do apelo, fls. 507/510.
É o relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR GILBERTO BARBOSA
I – Histórico dos Fatos
O Ministério Público ingressou com ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra Vivaldo Carneiro Gomes/apelante, José da Silva, Ana Quézia Alves Silva, Fernando Fava e Antônio Pereira Silva.
Os fatos foram noticiados no Inquérito Policial n. 0097/2012 (fls. 34/186), deflagrado pela Polícia Federal para apurar possíveis ilícitos eleitorais cometidos por ocasião do pleito de 2012.
Os ilícitos, segundo o Ministério Público, consistiram na indevida distribuição de combustível na secretaria de saúde, supostamente com a finalidade de beneficiar a campanha de José Luiz Rover, então candidato à reeleição para o cargo de prefeito.
Em que pese não ter sido comprovado esquema para o fornecimento de combustível para a campanha eleitoral do então candidato José Rover, verificou-se atuar ilícito dos agentes públicos.
Narra a inicial que, à época dos fatos, Vivaldo (secretário de saúde), José da Silva (então gerente administrativo de transporte da Semusa) e Ana Quézia (assessora administrativa da Semusa) forneceram ilicitamente combustível a Fernando Fava e Antônio da Silva (genitor de Ana), violando, pois, princípios administrativos e causando prejuízo ao ente público e enriquecimento ilícito dos beneficiados.
Afirma o Parquet, que Ana Quézia, responsável pela emissão e assinatura das guias de requisição, autorizava, por ordem de José da Silva e Vivaldo, que combustível fosse fornecido a particulares, no caso Fernando e Antônio.
Por conta disso, o magistrado de piso julgou que agiram de forma ímproba Ana Quézia, Vivaldo e José da Silva, Fernando e Antônio, considerando, para tanto, a confissão de Ana Quézia no sentido de que era quem assinava as requisições, bem como de que agia sob o comando de José da Silva e Vivaldo.
Considerou que o apelante, além de ordenar que Ana Quézia emitisse guias, tinha pleno conhecimento de que as requisições se prestavam a fins particulares.
II – Da Improbidade Administrativa
Objetiva o apelante desconstituir a sentença e, para tanto, sustenta não se ter comprovado sua participação nos fatos descritos na inicial da ação civil pública.
A razão está com o procurador de justiça Rodney Pereira de Paula, no dizer que a conduta do apelante não foi delineada de forma clara e objetiva, não sendo possível, pois, afirmar ter ele participado do ilícito narrado na inicial da ação civil pública.
Os fatos vieram à tona com o depoimento de Fernando Fava – também condenado nesta ação de improbidade – à Polícia Federal.
Neste depoimento disse ter o então prefeito Rover (candidato à reeleição), lhe encarregado de cooptar pessoas para fixar em seus veículos adesivos com propaganda eleitoral, recebendo, para tanto, vinte litros de combustível que seriam retirados, mediante requisição, na Secretaria de Saúde (fls. 37).
Acontece que, no transcurso do apuratório, não ficou confirmado tenha o então prefeito encarregado Fernando Fava de cooptar colaboradores em troca de combustível. Entretanto, ficou evidenciado, na secretária de saúde de Vilhena, esquema ilícito no que respeita ao fornecimento de combustível a particulares.
Ficou certo que Fava e Antônio Silva foram favorecidos com entrega irregular de combustível, bem como que as requisições (fls. 66/73) eram assinadas pela servidora Ana Quézia que, por sua vez, declarou que agia sob o comando de José da Silva (Zé da Paraná) e do apelante Vivaldo.
Ressalte-se que José da Silva, até 04.07.2012, foi servidor da Secretaria de Saúde (fls.142) e que sua exoneração do cargo se deu para disputar eleições municipais, sendo substituído por Ana Quézia.
Ana Quézia, na fase extrajudicial, afirmou ser a responsável pelo preenchimento das requisições e que recebia ordens de Zé da Paraná, quem indicava os que deveriam ser beneficiados com abastecimento de combustível, indicando, inclusive, a quantidade a ser entregue (fls. 58/59).
Nessa oportunidade, afirma Ana que Zé da Paraná lhe teria dito que tudo estava acertado com o secretário de Saúde Vivaldo.
Entretanto, esse foi o único momento em que foi dito que Vivaldo participava do esquema ilícito, sendo certo que, os demais depoimentos foram no sentido de que as ordens partiam de José da Silva.
Antônio, um dos beneficiários e pai de Ana Quézia, afirma ter, por duas vezes, pedido a Zé da Paraná – na primeira quando José ainda era servidor da Semusa –, enfatizando ter sido atendido nas duas oportunidades (fls. 111/112 e 305).
Por seu turno, afirma Ana Quézia, em juízo:
Que trabalhou na prefeitura no início de março de 2011 até julho de 2012. Que no início trabalhava na limpeza e posteriormente como secretária do Zé da Paraná. Que quem assinava as requisições de combustível era o Zé da Paraná. Que antes dele sair ele me deixou no cargo. Que confirma que após o Zé da Paraná ter deixado o cargo e eu ter assumido era ele quem determinava as requisições e eu assinava. Que conheci Fernando Fava quando ele foi buscar as requisições autorizadas pelo Zé da Paraná. Que todas as requisições que eu assinei foram autorizadas pelo Zé da Paraná após ele ter deixado o cargo. Que nunca ouvi do Zé da Paraná essas requisições de cunho eleitoral. Que as requisições que as pessoas buscavam combustível em galão era colocado apenas o nome das pessoas nas requisições. Que confirmo que as requisições assinadas já aconteceu há mais de um ano. Que meu pai já chegou a pegar uma das requisições de combustível. Que não sabia o porquê meu pai foi buscar combustível. Que meu pai não era funcionário do município (fls. 306 – destaquei).
Anote-se, pela pertinência, que Fernando Fava, nas duas vezes em que foi ouvido, deixa evidente que as requisições de combustível eram fornecidas por José da Silva e Ana Quézia, verbis:
[…] Que a relação que tenho com o prefeito e vice, que se eu arrumasse pessoas para adesivar os carros eu poderia passar combustível a elas. Que a combinação de adesivar foi com o prefeito e o senhor José da Silva, o vice-prefeito não estava presente. Que no dia da conversa o prefeito e o Zé da Paraná me ofereceram dois telefones para entrar em contato para pegar requisição. Que as vezes eu pegava a requisição de combustível na prefeitura, na praça, no caso do Zé da Paraná. Que eu não sei quem assinava as requisições, mas eram entregues pela Ana Quézia. Que por diversas vezes eu perguntei da Ana Quézia sobre o problema que isso acarretaria com a polícia e ela disse que não teria problema, pois substituiria as requisições e colocaria no nome da minha mulher porque trabalhou com o prefeito. Que os telefones eram para procurar o prefeito e o Zé da Paraná. Que consegui falar com o prefeito somente na casa dele porque o telefone não era atendido, mas que após uns 10 minutos o Zé da Paraná me retornava. […] Que peguei requisições com Ana Quézia e Zé da Paraná e também com Serafim. Que não peguei requisições com prefeito e vice. (fls. 173/176 e 302/304).
Imperioso destacar depoimento de Francis Araújo – para quem Fernando pediu que adesivasse o carro em troca de gasolina –, pois afirma que Fernando trabalhava para o Zé da Paraná:
[…] Que o Sr. Fernando Fava me ligou perguntando se eu precisava de combustível e eu disse que sim. Que após três dias o Sr. Fernando me ligou e disse que era para adesivar meu carro na WM chegando lá não tinha ninguém. Que o sr. Fernando mandou ir para um barracão que eu até ajudei adesivar o carro. Que o adesivo era da campanha do Zé Rover. […] Que era necessário adesivar o carro para pegar o combustível, e isso o Fernando me disse quando eu cheguei para adesivar o carro. […] Que o Fernando me disse no caminho que trabalhava para o Zé da Paraná. ((fls. 307, destaquei).
Estou convencido que o acervo probatório evidencia que o desvio de combustível da Secretaria de Saúde foi da iniciativa de José da Silva (Zé da Paraná) em conluio com Ana Quézia, que, como dito, atendia ordem do primeiro, sendo certo que do esquema ilicitamente se beneficiou Fernando e Antônio.
Ressalte-se que a conduta ilícita de José da Silva, Ana Quézia, Fernando e Antônio foi reconhecida em sede criminal e que a condenação lá imposta não alcançou o apelante Vivaldo.
Desse modo, penso que o conjunto probatório, com a segurança necessária, não autoriza, como feito pelo Ministério Público, afirmar tenha Vivaldo praticado conduta ímproba.
Pela pertinência, tomo por empréstimo a conclusão do ilustre procurador de justiça Rodney Pereira de Paula, in verbis:
[…] Como se vê, essas provas aliadas às demais constantes dos autos estabelecem seguramente a responsabilidade de Ana Quézia e José da Silva (vulgo ‘Zé da Paraná’), responsáveis por promover o fornecimento de combustíveis às custas do erário, para fins divorciados do interesse público, bem como de Antônio Pereira da Silva e Fernando Fava, beneficiários diretos da empreitada ilícita.
Por outro lado, não se consegue alcançar a mesma segurança para se afirmar a participação do apelante Vivaldo Carneiro Gomes nos atos ilícitos, em especial porque Ana Quézia foi enfática ao dizer, diversas vezes, que seguia ordens de ‘Zé da Paraná’, ex-gerente administrativo de transportes da Semusa.
E mesmo que Ana Quézia tenha mencionado que o apelante Vivaldo Carneiro Alves, na condição de Secretário de Saúde, tenha lhe dito para obedecer ordens de José da Silva ou ‘Zé da Paraná’, não está bem claro que natureza de ordens ela teria de acatar, razão pela qual é frágil a ligação do apelante com os fatos perquiridos nos autos.
Aliás, com todo respeito ao nobre membro do Ministério Público de primeiro grau, nem mesmo a petição inicial da ação civil pública consegue delinear, de forma clara e objetiva, qual foi a atuação de Vivaldo, no sentido de contribuir com o ilícito narrado.
Diante dessas fragilidades, temos que a condenação do apelante resulta do simplesmente fato dele ocupar o cargo de Secretário Municipal de Saúde à época do ocorrido, o que configuraria a repelida responsabilidade objetiva.
Estou convencido, pois, que não há conduta ímproba a ser considerada no que respeita ao apelante Vivaldo, lembrando que, para a configuração de atuar ímprobo, se faz imprescindível que se demonstre conduta ilegal/irregular do agente dito ímprobo.
Nesse contexto, é forçoso concluir pelo provimento do recurso e, como consequência, julgar, em relação a ele, improcedentes os pedidos formulados na peça inicial da ação civil pública.
É como voto.
EMENTA
Apelação. Ação civil pública. Ato ímprobo. Não comprovação. Recurso provido.
1. Não há falar em improbidade administrativa, quando a conduta do agente público não está delineada de forma clara e objetiva, de modo a autorizar conclusão no sentido de que tenha participado de atuar ilícito.
2. Apelo provido.