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porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
A neuropsicóloga Gislaine Gil, doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da USP e fundadora do programa Vigilantes da Memória, está acostumada com queixas de esquecimento de seus pacientes mais velhos, mas faz questão de alimentar um otimismo que é baseado na ciência e na plasticidade do cérebro, que fique bem claro. “Em vez de usar a palavra declínio, prefiro dizer que o envelhecimento provoca várias modificações. Não lembrar de uma palavra que parece estar na ponta da língua acontece em qualquer idade!”, afirma.
Também ensina que, assim como as coisas e situações se modificam durante a vida inteira, o mesmo acontece com as conexões neuronais: “a regra vale para o resto do organismo. Se não nos exercitamos, perdemos massa muscular, os músculos vão ficando mais fracos. Os neurônios precisam ser estimulados para formar novas conexões”. O bom é que, com a devida estimulação, o “rejuvenescimento” da memória pode ser surpreendente.
Mas como saber se estamos apenas num processo de “modificações”, como diz a doutora Gislaine, ou trilhando o duro caminho de uma doença neurodegenerativa? “Há uma linha tênue entre as queixas de memória e um quadro de doença neurodegenerativa, mas podemos estabelecer uma fronteira, que é quando há um impacto funcional na vida da pessoa. Por exemplo, perguntar repetidamente a mesma coisa sem conseguir registrar a informação; não lembrar o nome de pessoas muito próximas; pagar duas vezes a mesma mercadoria; ou não conseguir fazer um caminho com o qual se tem intimidade”, responde.
Ela acrescenta que há também transtornos cognitivos leves que podem estar associados a doenças crônicas que não estejam sob controle, como hipertensão, diabetes, ou apneia do sono. Ansiedade, depressão e estresse prolongado costumam igualmente provocar queixas relativas à memória, em qualquer idade, porque têm reflexo na atenção. Nesses casos, é a avaliação neuropsicológica que vai diferenciar se as queixas estão relacionadas a transtornos leves ou a algum processo degenerativo. “Se for uma demência, a doença não tem cura, mas o paciente pode se beneficiar com medicação e reabilitação cognitiva, que visa a estimular áreas que ainda estão intactas”, ressalta.
Já os pequenos lapsos não têm relação com quadros mais graves, mas interferem na autoimagem e alimentam preconceitos sociais sobre a velhice. Para esse grupo, a doutora Gislaine enfatiza que o treino cognitivo faz toda a diferença: “não se trata de fazer palavras cruzadas ou jogar damas, e sim de trabalhar estratégias que ajudam o paciente a resolver a queixa. Usamos uma abordagem ecológica, que leva em conta todo o ambiente que o cerca”.
Quando aprendemos uma coisa nova, é como se o cérebro abrisse uma gavetinha e guardasse aquela informação. Conforme crescemos e ampliamos nosso repertório, vamos categorizando essas informações, ou seja, colocando em gavetas diferentes. Com o tempo, podemos acabar com um gavetão bagunçado, onde as coisas de misturam. “Às vezes temos que ser estimulados a usar essa categorização para fazer uma associação imediata, de modo que possamos saber onde guardamos uma determinada coisa depois de um ano”, explica, dando como exemplos as senhas que utilizamos: “normalmente são sequências de números que não significam nada, mas que podem ser transformadas em palavras e frases das quais não esqueceremos”. Portanto, pense nisso na próxima vez em que estiver prestes a cravar um “123abc@#*” e opte por algo como ‘MeuCachorroSeChamaMax”!
O Programa Vigilantes da Memória foi sua tese de mestrado e hoje é implantado em empresas e hospitais. Gislaine é ainda autora dos livros "Ensinar a lembrar" com o geriatra Alexandre Busse, lançado em, 2014, e "Como lidar com problemas de memória e doenças neurodegenerativas”, de 2019, além de manter o blog “Lembre e relembre”. “Ser ativo é poder exercer plenamente a autonomia, fazendo escolhas e tomando as decisões sobre a própria vida”, finaliza.