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porto velho, sábado 30 de novembro de 2024
BRASIL - Já é sabido que a Covid é uma doença tromboembólica -isto é, ela tem um risco elevado de gerar trombose durante a infecção, especialmente em pacientes que permanecem muito tempo internados.
Indivíduos mais velhos ou com histórico do problema possuem risco maior no pós-Covid para a ocorrência de coágulos sanguíneos que podem causar trombose venosa profunda, trombose cerebral ou embolia pulmonar, potencialmente fatais.
Para tentar contornar esse quadro, um estudo multicêntrico nacional avaliou a ação do uso de anticoagulante por até 35 dias após a alta hospitalar em pacientes com maior risco para trombose, e encontrou uma redução significativa nos eventos com a droga.
Os resultados foram publicados na edição desta quarta (15) do periódico The Lancet. O estudo reuniu pesquisadores de diversos hospitais e instituições de ensino brasileiros e no exterior, entre eles o instituto de pesquisa internacional Science Valley, fundado em Santo André (SP), o Hospital das Clínicas da USP, o Hospital e Maternidade Christóvão da Gama, também em Santo André, a Unesp de Botucatu, o Hospital do Rocio, em Campo Largo (PR), e o Instituto Couto Maia, em Salvador (BA).
Participaram da pesquisa pacientes que tiveram quadro grave de Covid com risco elevado para trombose, metade dos quais foram internados em UTI entre outubro de 2020 e julho de 2021.
A pesquisa, coordenada pelo cirurgião vascular e cofundador do Science Valley Eduardo Ramacciotti, recrutou mais de 900 pacientes em 14 centros hospitalares no país, dos quais 320 foram randomizados para receber a droga ou placebo (160 em cada grupo) por 35 dias após a alta hospitalar.
Foi observada uma incidência de eventos tromboembólicos no período analisado de 3,14% nos pacientes tratados com 10mg de Xarelto (nome comercial da droga rivaroxabana), um anticoagulante comum, frente a 9,43% no grupo que recebeu o placebo, indicando uma redução de risco de trombose de 67%.
A análise dos subgrupos no ensaio apontou ainda que a redução do risco de morte por trombose venosa profunda foi de cerca de 87% no grupo tratado em comparação aos pacientes que receberam o placebo, com uma única morte observada entre os pacientes que receberam o anticoagulante e oito no grupo controle.
Para determinar o risco de trombose, os pacientes eram classificados segundo uma avaliaão dos fatores de risco -como idade avançada, trombofilia, histórico de câncer ou de trombose venosa- chamado Improve (sigla para registro internacional sobre prevenção médica em tromboembolismo venoso).
"Nós investigamos qual a população que se beneficiaria mais do tratamento, e é a com alto risco de trombose e baixo risco de sangramento. Nosso objetivo era avaliar se o medicamento impediu eventos tromboembólicos nos 35 dias após a alta nessa população", explica Ramacciotti.
Os pesquisadores buscaram casos de coágulos no período de tratamento em exames como a angiotomografia (tomografia dos vasos sanguíneos) e o doppler nas pernas, dentre outros.
Segundo o médico, a metodologia do estudo calculava o número de eventos acumulados até o dia 35, e não o número de dias até a formação do coágulo.
"O período de 35 dias foi justamente para não ter perda de seguimento dos pacientes, isto é, desistência durante o estudo. E nesse sentido eles [os pacientes] colaboraram de maneira excepcional, quase 90% voltando para o acompanhamento no braço tratado", afirma.
A rivaroxabana é um inibidor oral do fator 10 de coagulação, agindo em uma das moléculas que causam a coagulação sanguínea, e é utilizado tanto no tratamento de trombose venosa profunda como no tratamento de outras doenças vasculares, como fibrilação atrial e também em vítimas de AVC isquêmico. Ele também é utilizado como profilaxia para cirurgias ortopédicas.
A escolha por utilizar o medicamento no estudo era a sua indicação já na bula para uma ampla gama de eventos tromboembólicos, além da recomendação pela FDA (Food and Drugs Administration, a agência americana que regulamenta medicamentos) para uso extra-hospitalar.
"No Brasil, não há indicação na bula pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para tratamento após alta hospitalar, mas acreditamos que com os resultados bem robustos deste estudo e a incorporação do tratamento como protocolo em diversos países irá fazer com que ele seja incorporado pelo menos inicialmente com o uso 'off label' e depois isso seja estendido também no país", diz o médico.
O uso "off label" consiste na utilização de um medicamento de forma diferente do preconizado pela bula e aprovado pela Anvisa.
No caso da rivaroxabana, o uso comum é para tratamento de trombose venosa profunda, mas ele pode ser utilizado também de maneira profilática -isto é, para prevenção.