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porto velho, sexta-feira 29 de novembro de 2024
MUNDO - Abigail Vosgerau era ainda uma jovem senhora quando sua filha, Suzana Cavalcante, começou a perceber que havia algo de diferente com ela. Com 57 anos recém completados, a mãe mantinha uma vida ativa.
Formou-se na universidade já após os 40 anos, seguidos por três mandatos como diretora de recursos humanos da prefeitura de São José dos Pinhais, no Paraná.
Após dois anos aposentada, em 2015, os sintomas começaram a aparecer. “Eu estava trabalhando na época, e ela me ligava chorando”, lembra Suzana. “Se não conseguia ligar o controle da tv, já ligava desesperada. Hoje eu vejo que era como se ela estivesse perdida, muito confusa. Eu saía do serviço e quando chegava para atender ela, já nem lembrava mais porque eu estava lá.”
Como Abigail por toda sua vida adulta lidou com o quadro de depressão, sua filha achou que fosse uma crise mais intensa. Com o tempo, porém, notou que devia ter alguma coisa a mais. Frequentou diversos psiquiatras, clínicos gerais, psicólogos, mas nem diagnóstico conseguia.
“Fui insistente, busquei médicos e disse que ela não estava bem. Convivi minha vida inteira com ela depressiva, e sabia o que era uma crise, e não era isso”, conta Suzana. “Ela fez um teste neuropsicológico e, a partir desse teste, a profissional viu que tinha alguma coisa errada.”
Sem casos de Alzheimer na família, demorou cerca de um ano para que recebesse o diagnóstico de quadro precoce da doença. Iniciou o tratamento convencional para Alzheimer, mas sua condição evoluiu muito mal.
“Em 2017, eu saí do meu emprego e mudamos para uma chácara, na tentativa de entregar uma melhor qualidade de vida para ela. Mas, convivendo com ela, comecei a notar que tinha cada vez mais dificuldades”, diz. “Em meados de 2019 a doença começou a avançar muito rápido. não queria fazer nada, o sono começou a ser prejudicado.”
“Aí os problemas começaram de vez. Às vezes ficava três dias sem dormir. Queria só andar, andar, e era muito triste. A gente via que o corpo estava cansado, e ela continuava andando e andando”, continuou a filha de Abigail. “Várias medicações, como quetiapina e risperidona, que, além de não funcionarem, traziam efeitos colaterais desesperadores. Começou a apresentar parkinsonismo medicamentoso.”
No início de 2020, após o primeiro episódio de agressividade, os médicos recomendaram a internação de Abigail para tentarem descobrir algum tratamento eficaz.
“Foram os piores 15 dias da minha vida. Se pudesse voltar atrás, não tinha internado. Quinze dias com ela no hospital, e eu em casa chorando”, lembra. “Quase não deixavam eu ver ela. Quando via, ela queria muito sair e eu via que, na verdade, eles só doparam ela e não era o que queria para minha mãe.”
Quando deixou o hospital, passou dois dias na cama. “Parecia que estava em estado vegetativo. Quando voltou, todos os problemas anteriores estavam lá, mas agravados pelo tanto de remédio que deram para ela.”
Abigail, além de não dormir, perdia constantemente o equilíbrio e sofria quedas. Por mais que sua filha fizesse de tudo para evitar, colecionava lesões pelo corpo. Logo perdeu os movimentos do braço direito, assim como qualquer autonomia sobre sua vida. Tornou-se completamente dependente de cuidados. Passou a usar fraldas, além do auxílio para todo o resto, como comer.
A situação era insustentável e, para que conseguisse, pelo menos, dormir, Suzana contratou uma cuidadora. Até que uma indicou um canal no instagram chamado “O bom do Alzheimer”, que conta a história da dona Francisquinha, e os benefícios que ela tem diante o tratamento com Cannabis medicinal.
“Era a terceira vez que me diziam da Cannabis, mas nas duas primeiras, eu procurava na internet e não encontrava muita informação. Via muitos médicos resistentes”, relata. “Ficava com muito medo.”
Até que, pelo canal do Instagram, conheceu a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace). “Fui atrás e lendo o site da Abrace, vi que era bem diferente do que eu achava. Foi lá que encontrei o contato do dr. Renan Abdalla.”
“Com poucas semanas tomando o óleo de Cannabis, já notei a diferença no olhar dela. Estava com o olhar perdido, não olhava para a gente. Então, quando voltou a me olhar nos olhos, foi muito emocionante. Eu senti que começava a ter ela de volta.”
Foi só o começo. O médico Renan Abdalla começou a conduzir o desmame dos medicamentos, eliminando os psicotrópicos. O parkinsonismo medicamentoso também se foi. Deixou de querer andar tanto e recuperou o equilíbrio. “Levamos ao fisioterapeuta, e disse que ela tem um equilíbrio muito bom. Anda perfeitamente. A última queda que ela teve foi em julho de 2020 e nunca mais. O braço também voltou a funcionar normal.”
Pouco a pouco, atividades cotidianas voltaram a sua rotina. Embora precise de auxílio constante, já não apresenta mais sinais de agressividade, dispensou a fralda. Sua filha não precisa mais dar comida na boca, pois voltou a segurar os talheres. A escovar os dentes e o cabelo, a ajudar a se vestir.
“Eu falo para o dr. Renan que temos vitórias todas as semanas. Toda evolução é gradual, vai tendo conquistas a todo tempo, e ainda estamos tendo. Escovar os dentes foi nesses últimos meses”, afirma Suzana. “São as escolhas dela que voltaram. Comer porque quer, tomar banho porque quer, não preciso ficar empurrando. Isso é muito importante. É qualidade de vida para ela e toda a família”
Hoje com 62 anos, Abigail também voltou a dormir todas as noites. Embora ainda busquem uma melhor regularidade em seu sono, já que em algumas noites dorme apenas duas horas. “São passos a se dar, e ainda estamos evoluindo”, diz Suzana.
“Ela sempre foi extremamente vaidosa. Essa semana, fui com a mãe na manicure. Ela sentou, escolheu o esmalte, deixou fazer a unha. Poder fazer essas pequenas coisas com ela, é ter a minha mãe de volta.”