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porto velho, quinta-feira 28 de novembro de 2024
MUNDO: A complexidade que cerca a manifestação e o tratamento dos problemas de saúde mental é dissecada de forma didática em "A Depressão é a Perda de Uma Ilusão", livro do psiquiatra e psicanalista Juan-David Nasio.
O autor, nascido na Argentina e radicado na França desde o fim dos anos 1960, apresenta um olhar relativamente incomum sobre seus pacientes, combinando sua prática de terapeuta com o que sabemos sobre a neurobiologia da depressão.
De fato, pode-se dizer que a abordagem de Nasio envolve uma espécie de viagem ao passado - no bom sentido. Centrada na observação minuciosa e na descrição do estado emocional dos pacientes, suas estratégias clínicas e a maneira como ele escreve sobre elas lembram o que se lê em descrições feitas por médicos do fim do século 19 e começo do século 20.
Há semelhanças com o tom adotado nos livros do neurologista britânico Oliver Sachs (1933-2015), que também se inspirava nessa era mais antiga (e mais gentil) da medicina. Mas Nasio parece mergulhar de forma ainda mais intensa na cabeça das pessoas que visitam seu consultório.
O livro reúne cinco "lições" sobre o tema apresentadas pelo especialista em conferências realizadas em Paris, às quais assistiram originalmente tanto outros profissionais de saúde quanto leigos. Nessas palestras, uma das grandes virtudes das reflexões de Nasio é destacar a natureza essencialmente multifatorial da gênese da depressão.
Para o autor, a existência de predisposições genéticas que facilitam o aparecimento do problema em alguns pacientes é inegável, assim como a correlação entre os quadros depressivos e mudanças no equilíbrio da produção e reabsorção de neurotransmissores (os mensageiros químicos do cérebro).
Levando em conta esses aspectos, Nasio defende que a colaboração entre psiquiatras (que podem receitar medicamentos antidepressivos aos pacientes que necessitam deles) e terapeutas como os psicanalistas é essencial para melhorar a saúde mental dos que enfrentam o problema.
No entanto, outra descoberta bem estabelecida sobre o surgimento da depressão é o elo que existe entre ela e eventos estressantes da história de vida do paciente, como situações traumáticas durante a infância.
Segundo o psicanalista, sua experiência clínica costuma indicar a importância desses fatores, mas eles atuariam de forma indireta, em "camadas", levando em conta também traumas e situações difíceis durante a vida adulta que atuam como gatilhos.
"Uma depressão nunca se forma de repente! Toda depressão se faz por uma lenta penetração do passado no presente", escreve Nasio.
De acordo com o especialista, situações particularmente difíceis ao longo do desenvolvimento da pessoa - que podem corresponder a eventos mais pontuais e graves, como o abuso sexual, os maus-tratos ou a perda súbita dos pais, mas também a uma sucessão de traumas menores - criam o que ele chama de "neurose pré-depressiva".
É nesse ponto que ele introduz a tese anunciada pela expressão "perda de uma ilusão" no título do livro. As dificuldades no desenvolvimento emocional da pessoa podem levá-la a criar a ilusão de que seria capaz de se proteger de forma permanente contra futuros traumas.
"Minha ideia é que o estado depressivo se instala após um choque emocional, mais exatamente após uma desilusão cruel provocada pela perda de um objeto de amor divinizado (pessoa, coisa ou valor), acarretando a perda da ilusão suscitada por esse objeto", analisa ele.
Para ilustrar como detecta e tenta combater esse processo na prática, Nasio monta uma pequena galeria de pacientes-personagens com nomes fictícios e narra suas histórias, outro procedimento que se tornou uma tradição dos livros sobre saúde mental.
Um dos exemplos que ele aborda é o de Laurent, homem de 50 anos que enfrenta estafa no trabalho e que, conforme revela a conversa de Nasio com o paciente, perdeu o pai aos dois anos de idade, num acidente de carro.
"Mergulhei nas profundezas do olhar de Laurent, descobrindo ali uma criança angustiada no coração do homem triste que tenta se mostrar duro", recorda o psicanalista. Em essas e outras passagens, Nasio sublinha a necessidade de uma relação de empatia entre terapeuta e paciente, na qual o responsável pelo tratamento se esforça para compreender os detalhes da fisionomia, do comportamento e dos sentimentos de quem está atendendo.
É inevitável que uma abordagem como essa carregue consigo uma carga considerável de subjetividade. Mas, diante de algo tão complicado quanto a mente humana, talvez não exista outro caminho viável para encurtar o abismo entre o sofrimento do paciente e a atuação do terapeuta.