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porto velho, sexta-feira 12 de setembro de 2025
A condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal é um divisor de águas na história política do país. Pela primeira vez, um ex-presidente é condenado criminalmente por tentar romper com a ordem democrática. A decisão não atinge apenas o destino pessoal de Bolsonaro: ela reconfigura o campo da direita e estabelece um novo patamar de responsabilidade para lideranças políticas.
No plano jurídico, a inelegibilidade de Bolsonaro, já definida pela Justiça Eleitoral, ganha caráter irreversível. No plano político, o impacto é ainda mais profundo. A saída compulsória do maior líder da direita brasileira obriga partidos, aliados e eleitores a repensarem sua identidade, suas estratégias e suas lideranças. O recado das instituições é direto: a democracia brasileira tem mecanismos de defesa e está disposta a utilizá-los.
O bolsonarismo sem Bolsonaro
O bolsonarismo não desaparece, mas se encontra em sua encruzilhada mais difícil. Foi construído como movimento social, digital e eleitoral em torno da figura do “mito”. Sem ele no tabuleiro, a questão é: quem pode herdar essa base?
Quatro nomes despontam: Michelle Bolsonaro, com apelo forte junto ao eleitorado evangélico e conservador; Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, símbolo de gestão e moderação; Romeu Zema, de Minas Gerais, com perfil liberal e foco econômico; e Ronaldo Caiado, de Goiás, um conservador tradicional, com alta aprovação e trajetória de credibilidade política.
Cada nome tem pontos fortes e fragilidades. Michelle preserva o vínculo simbólico, mas carece de experiência executiva. Tarcísio e Zema podem atrair o eleitorado de centro, mas arriscam ser vistos como “friamente técnicos” pela militância mais radical. Caiado representa um conservadorismo clássico, de raízes rurais e políticas, capaz de falar com o eleitorado tradicional do interior, mas precisa ampliar sua projeção nacional.
A fragmentação é um risco real: se cada partido insistir em candidatura própria, a direita enfraquece no primeiro turno. A reinvenção, por outro lado, é a oportunidade: construir uma direita institucionalista, que mantenha valores caros à sua base, mas sem repetir a retórica de ruptura que levou Bolsonaro à condenação.
Congresso e ruas
No Congresso, dois movimentos já se desenham. A ala mais fiel ao bolsonarismo seguirá atacando o STF, reforçando a narrativa de perseguição. Mas parlamentares pragmáticos vão negociar com o governo federal, priorizando obras, emendas e entregas locais.
Nas ruas e nas redes, a militância permanece mobilizada. Mas após o 8 de janeiro, o Estado mostrou que não tolerará novos ensaios de ruptura. A direita terá de transformar sua energia digital em estrutura eleitoral organizada e disciplinada um desafio que o bolsonarismo ainda não superou.
O tabuleiro de 2026
As eleições de 2026 serão o grande teste. Sem Bolsonaro, a direita terá de apresentar uma candidatura que una militância e moderação. A disputa não será apenas com a esquerda, mas também com o próprio centro político, que buscará ocupar o espaço deixado vago.
Caiado, Zema e Tarcísio oferecem credenciais administrativas e discurso de governabilidade. Michelle preserva a chama simbólica do bolsonarismo raiz. Mas nenhum, isoladamente, consegue reproduzir o fenômeno Bolsonaro. A equação dependerá de capacidade de articulação, alianças partidárias e habilidade de falar para além da base.
Se insistirem em se dividir, os conservadores podem chegar fragilizados. Se souberem se unir, têm potencial para competir com força em 2026.
O custo institucional
A condenação de Bolsonaro fixa um precedente robusto.
Esse tríplice mensagem aumenta o custo político para qualquer líder que cogite desafiar a ordem constitucional. O efeito prático é um sistema político mais estável, em que a disputa se dará no campo das urnas, não na ameaça de ruptura.
O fator Trump
Nesse tabuleiro, Donald Trump é ator externo de peso. Sua defesa de Bolsonaro cumpre dupla função. De um lado, reforça a narrativa de perseguição, dá visibilidade internacional ao bolsonarismo e pressiona o Brasil com tarifas e sanções. De outro, atrapalha: fortalece o discurso de soberania nacional, gera desgaste diplomático e não muda o curso jurídico da condenação.
Trump deve intensificar sua retórica contra o STF, usar o caso brasileiro como exemplo de sua própria batalha nos EUA e, possivelmente, apoiar herdeiros políticos do bolsonarismo. Também pode tentar internacionalizar a narrativa, atraindo outros líderes populistas. Mas, no fundo, seu apoio serve mais como combustível simbólico do que como solução prática.
Conclusão
A condenação de Jair Bolsonaro inaugura a fase pós-personalista da direita brasileira. O movimento sobrevive como identidade política, mas terá de decidir se será refém de um líder condenado ou se terá coragem de se reinventar.
Nesse processo, Michelle, Tarcísio, Zema e Caiado surgem como alternativas. O futuro dependerá da capacidade de unir firmeza de valores com institucionalidade, transformando militância em projeto de governo viável.
Trump, ao mesmo tempo que mantém viva a chama, empurra a direita para um dilema: insistir no confronto ou construir uma agenda conservadora competitiva.
Se conseguir se reorganizar, a direita pode se consolidar em 2026. Se não, corre o risco de ficar prisioneira de um passado que não volta e de perder a chance de ser protagonista do futuro.