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Cearense que ficou 5 anos preso por engano teme voltar a ser confundido: 'Me excluo da sociedade'

Antônio Cláudio Castro ficou preso entre 2014 e 2019 como o 'maníaco da moto', criminoso que atacava e estuprava mulheres na periferia de Fortaleza.


G1

Publicada em: 24/09/2023 09:14:12 - Atualizado


BRASIL -Quatro anos após de ter inocência comprovada depois de uma série de acusações de estupro, Antônio Cláudio Castro ainda tem dificuldade para firmar relações sociais e, na maior parte do tempo, evita sair de casa. Quando sai, ele prefere sentar sozinho para evitar contato. “A vida não continuou fácil e não continua'

No dia 30 de julho de 2019, Cláudio deixou o Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), popularmente chamado de CPPL V, em Itaitinga, Região Metropolitana de Fortaleza, após passar cinco anos preso - destes, quatro em prisão preventiva.

“Infelizmente eu sou só mais um no quadro do Brasil, mais um injustiçado, mais um humilhado a cada dia. Eu tinha sonhos, hoje em dia eu não posso mais me dar ao luxo de concretizá-los, já tenho quase 40 anos”, diz.

Quando foi preso, em 2014, Antônio Cláudio era acusado de ser o “Maníaco da Moto” - um criminoso que cometeu pelo menos oito estupros em Fortaleza, contra mulheres entre 11 e 24 anos.

À época, a menina de 11 anos afirmou ter reconhecido a voz do estuprador como a voz de Antônio Cláudio. Pouco depois, outras vítimas afirmaram que ele era o culpado. Com o andamento do processo, porém, uma a uma, as vítimas que haviam reconhecido Cláudio voltaram atrás. No fim, apenas a menina de 11 anos manteve o depoimento contra o borracheiro.

Ele foi condenado a nove anos de prisão em 2018 pelo crime de estupro de vulnerável. A esta altura, já estava preso há quatro. Em 2019, veio a reviravolta: uma série de provas mostraram que Cláudio era pelo menos 20 centímetros mais baixo que o criminoso, filmado por câmeras de segurança. Segundo vítimas, o homem possuía uma cicatriz no rosto - Cláudio não possui nenhuma.

Com estas e outras provas, colhidas pelo Innocence Project Brasil e a Defensoria Pública do Ceará, o borracheiro foi inocentado e solto no dia 30 de julho de 2019. Desde que saiu da prisão, precisou de atendimento psicológico, recebeu medicação psiquiátrica, não conseguiu emprego, mudou de cidade.

“Depois de toda tortura, todo sofrimento que eu que eu passei e às vezes até ainda passo, então eu me recolhi bastante. Hoje eu sou uma pessoa atípica, eu procuro sempre me afastar mais das pessoas, eu fico sempre só. É muito difícil me ver com alguém. Porque querendo ou não, essas sequelas me tornaram bastante afastado das pessoas”, contou Antônio ao g1.


Saída da prisão e recomeço longe de casa

Hoje com 39 anos, Antônio Cláudio precisou lutar para reconstruir a vida. Antes de ser preso, era dono de uma borracharia no bairro Mondubim, em Fortaleza.

Após sair da prisão, ele e sua família precisaram arcar com os custos de tratamentos e medicamentos para combater as crises de ansiedade e episódios de depressão que o afetaram. A situação, desde a prisão até as dificuldades da recuperação, impactou saúde da família de Cláudio.

"A minha irmã ficou doente através de tudo isso que aconteceu, a minha mãe [também]. O meu pai teve quatro cirurgias no coração. O meu irmão entrou em depressão crônica devido ao sofrimento, né? Graças a Deus ele se recuperou", conta

Segundo Antônio, da parte do Governo do Estado não houve nenhum apoio financeiro ou qualquer tipo de compensação pelo erro policial. Ele conta que também enfrentou problemas por seu nome constar como condenado pelo crime de estupro mesmo após ser inocentado.

“Se eu tivesse de resolver alguma coisa, eu mesmo pegava uma documentação e ia apresentar até aos órgãos responsáveis, de segurança, para que eu fosse reconhecido que eu tive essa graça de ser inocentado. E tentar recuperar meu respeito, a minha imagem”, relembra.

Após ser solto e ter sua história contada em todo o país, Antônio Cláudio passou a ser convidado para dar palestras em universidades acerca de erros judiciais. Em uma dessas palestras, conheceu sua atual companheira, Luziane.

Após um tempo juntos, ela recebeu uma proposta de trabalho e os dois decidiram se mudar para Itapipoca, a 130 quilômetros de Fortaleza. Viveram também em Sobral, na região norte, onde, conforme Antônio Cláudio, as coisas iam bem até sofrer um constrangimento por parte da Guarda Municipal.

Um dia, Cláudio quase se envolveu em um acidente de trânsito com um guarda de Sobral que estava de folga. Os dois discutiram. “Eu me exaltei um pouco porque é muito difícil você escutar uma palavra ofensiva e você permanecer calado, né?”, afirma.

Após a discussão, o guarda chamou colegas de trabalho. De repetente, havia se formado um grupo em torno de Antônio, que foi reconhecido e, segundo ele, constrangido. O caso terminou com intervenção da polícia, que acalmou os ânimos.

Depois disso, Antônio e sua companheiro decidiram ir para Tianguá, no interior do Ceará, um destino que consideraram mais tranquilo. “Aqui tá tudo mais tranquilo, só faço as minhas obrigações em questão ir deixar a minha mulher no trabalho, volto para minha casa e me excluo da sociedade”, diz.

Após ser inocentado e deixar a cadeia em 2019, Antônio Cláudio tem tentado recomeçar a vida — Foto: Arquivo pessoal

Para Antônio, a decisão de deixar Fortaleza para tentar recomeçar não foi fácil pela distância da família, mas necessária. “A minha relação com a minha família tá ótima, mas assim devido ao meu sofrimento, eles já sofreram tanto que eu tomei essa decisão de me afastar e me curar longe da minha família", conta.

O maníaco da moto

Homem rendia mulheres com faca e abusava delas em ruas com pouca movimentação de Fortaleza — Foto: Reprodução

Segundo a Polícia Civil, o criminoso chamado de “Maníaco da Moto” estuprou pelo menos nove mulheres entre 2013 e 2014 em Fortaleza. Ele dirigia em uma motocicleta vermelha e ameaçava as vítimas com uma faca. Em seguida, o homem as levava a um local ermo onde consumava o crime - em alguns casos, o estupro ocorria no meio de ruas pouco movimentadas.

"Quando eu viro de costa, ele já me parou de trás, disse pra eu não reagir, não gritar, senão ele me matava. Aí empurrou pra cima do muro, começou a me beijar à força e colocou a faca no pescoço. Quando eu não queria beijar ele, ele mordeu a minha boca", relatou uma das vítimas na época do crime à TV Verdes mares.

Conforme o Innocence Project Brasil disse ao g1 em 2019, haviam várias inconsistências na acusação. Além da diferença de altura – conforme estimativas com base em imagens do criminoso, ele possuía 1,8 metros; Antônio Cláudio tem 1,59 -, a defesa apontou que não houve, por exemplo, teste de DNA com Antônio.

Após sua prisão, crimes com o mesmo modus operandi continuaram a acontecer, um em abril de 2015 e outro em janeiro de 2016. Em novembro de 2019, após a soltura de Antônio Cláudio, a Polícia Civil do Ceará afirmou ter identificado o verdadeiro Maníaco da Moto e pediu a prisão preventiva do homem.

O pedido foi negado pela Justiça, segundo os investigadores contaram ao g1 à época. O homem teria chegado a ser preso por um ano e dois meses por ter atacado outras duas mulheres quando Antônio ainda estava na cadeia, porém, foi liberado.

Conforme a inspetora da Polícia Civil responsável pelo caso no período, Daniele de Castro, o Judiciário alegou que o criminoso não oferecia risco que justificasse a prisão preventiva – considerada uma medida de natureza cautelar -, tendo em vista que os crimes teriam ocorrido há muito tempo.

Antônio Cláudio acompanhou, de fora da cadeia, as notícias acerca da identificação do verdadeiro Maníaco da Moto. Para ele, a situação mostra desrespeito do Estado com sua história. “As palavras foram essas: que ele não oferece perigo para a sociedade e que não haveria necessidade de prendê-lo. Para que, se eu já cumpri todo toda a prisão dele, né?”, critica.

Sonhos interrompidos

Quando deixou a prisão, Antônio Cláudio revelou ter vários planos para retomar a vida. Entre eles, por exemplo, viajar e conhecer amigos de São Paulo que fez na internet, por meio de jogos online. Também queria voltar a trabalhar e formar uma família. Parte dos sonhos, Antônio Cláudio realizou. Contudo, parte das conquistas vieram manchadas pelo trauma.

je, Antônio já voltou a disputar partidas de jogos online. Mesmo no ambiente de divertimento, ele não escapa de ser atacado. “Sofro perseguição até hoje até em jogos online. Quando tem pessoas que me reconhecem, soltam aquelas palavras de baixo calão lá, ‘é o estupradorzinho’”, conta.

Apesar disso, insistiu em alguns dos objetivos que tinha. Dos amigos de São Paulo, por exemplo, encontrou alguns.

“Eu consegui ver alguns, outros eu não consegui até hoje devido ao trauma, devido a ficar mais recluso, [você] perde muitas amizades. E eu fiquei tão abalado, com depressão, ansiedade, que no meu antro de amizade eu queria poucas pessoas. Até para evitar alguns constrangimentos”, revela.

Com a repercussão do seu caso em 2019, ele foi convidado a dar palestras e contar sua história na TV. Seu caso, nas palavras de Antônio, é a história de um símbolo de justiça.

"Até hoje sou convidado a palestrar, a falar sobre justiça, muitos advogados ou defensores me usam como um escudo para mostrar que não devem ser cometidos os mesmos erros que foram cometidos comigo”, diz.

Hoje, longe da capital cearense e ao lado da esposa Luziane, Antônio cria sua filha, a pequena Ivy, de pouco mais de 1 ano, na cidade serrana de Tianguá, de pouco mais de 80 mil habitantes.

No batizado da menina, uma demonstração de gratidão: convidou para ser padrinho o defensor público Emerson Castelo Branco, que o ajudou no processo de soltura.

Embora busque seguir em frente, o passo deixou suas marcas, e o Antônio sabe que há muitos desafios a superar.

“Me dói na minha alma porque até hoje não trabalho, até hoje nunca fui ressarcido de nada para poder recomeçar minha vida ou montar um negócio. Então assim, hoje em dia eu vivo um dia de cada vez pela graça de Deus. Os traumas me magoam, me maltratam até hoje. Então às vezes eu não acredito mais em mim. Mas eu continuo lutando, acreditando que possa acontecer um milagre”, completa.

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