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porto velho, segunda-feira 25 de novembro de 2024
AGÊNCIA PÚBLICA - BRUNO FONSECA - Grande parte dos funcionários públicos do governo federal é militar: no Executivo, a cada três servidores, um é vinculado às Forças Armadas. Além disso, entre todos os ministérios, o da Defesa é o que mais emprega: são 395.667 servidores, o que o coloca à frente da pasta da Educação, com 302.938; e bastante acima da Saúde, com 33.476.
Órgãos superiores com mais servidores em exercício
A quantidade de militares reflete no orçamento. Em 2017, foram gastos R$ 22,6 bilhões com remuneração de funcionários públicos militares, do total de 63,1 bilhões que o país empregou em Defesa.
Em levantamento inédito com base em dados do Portal da Transparência, a Pública desmembrou mais de 4,4 milhões de registros de pagamentos a militares e descobriu que vários deles ultrapassaram o teto constitucional do funcionalismo, de R$ 33,7 mil mensais.
No ano passado, 713 remunerações mensais de membros das Forças Armadas ficaram acima desse teto. O cálculo já considera descontos de impostos como o de Renda, pagamentos para o fundo de pensão militar e o de saúde, além da aplicação do abate-teto, que, em teoria, deveria limitar rendimentos acima do limite constitucional.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Defesa não respondeu até a publicação por que essas remunerações ultrapassam o teto constitucional.
O maior pagamento único feito pelas Forças Armadas em 2017 foi ao tenente-coronel do Exército Erivam Paulo da Silva, que embolsou no mês de outubro mais de R$ 226 mil. Os dados do Portal da Transparência especificam apenas que se trata de pagamentos atrasados. O militar havia sido denunciado em 2010 por participação em uma quadrilha que desviou bens apreendidos pela Receita Federal durante a operação Pilantropia.
À época das acusações, três servidores federais, dois empresários, um despachante aduaneiro e um comerciante foram presos. O processo, que segue atualmente no Tribunal Regional da 2a Região, absolveu o militar em 2016, mas as últimas peças de tramitação ainda não são públicas. Procurada, a assessoria do tribunal informou que a peça com a última decisão sobre os embargos de declaração não foi publicada. O Ministério da Defesa e o Comando do Exército foram procurados pela reportagem para se posicionar sobre o caso, mas não responderam.
Conforme a Pública apurou, há casos de militares que receberam pagamentos acima do teto por vários meses em 2017. O major-brigadeiro da Aeronáutica Dilton José Schuck, secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional da Presidência da República, recebeu em quatro meses quantias acima dos R$ 33,7 mil. Ao todo, ele embolsou R$ 375 mil no ano. Segundo o Portal da Transparência, os valores são decorrentes de pagamentos atrasados.
Procurado, o Ministério da Defesa não explicou por que valores pagos em atraso superam o teto constitucional, embora exista o mecanismo do “abate-teto”.
Verbas indenizatórias ultrapassam R$ 100 mil no mês
Além da remuneração regular e valores atrasados, que são suscetíveis aos impostos e abatimentos, os militares recebem verbas indenizatórias – como auxílios de alimentação e transporte – que não estão sujeitas ao teto do funcionalismo.
Em 2017, as Forças Armadas pagaram mais de R$ 2 bilhões em verbas indenizatórias a todos os seus militares.
Apenas o coronel do Exército Ricardo dos Santos Nogueira recebeu R$ 189 mil em verbas indenizatórias. Em março, foram mais de R$ 105 mil pagos ao oficial sob a justificativa de transferência. Em dezembro, o mesmo militar recebeu mais de R$ 70 mil novamente em verbas indenizatórias.
Atuação em empresas públicas rende pagamentos milionários a militares
Fora as verbas indenizatórias, Exército, Marinha e Aeronáutica pagam ainda os chamados jetons, que são pagamentos pela participação dos militares como seus representantes em empresas ou conselhos da União, como a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer).
No ano passado, as Forças Armadas desembolsaram R$ 797 mil em jetons. Mais da metade desse valor foi para o secretário de Economia, Finanças e Administração da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro do ar José Magno Resende de Araújo, que recebeu R$ 433 mil em pagamentos da Embraer.
Araújo, que é membro efetivo do Conselho de Administração da Embraer, recebeu 11 pagamentos da empresa em 2017, todos eles acima dos R$ 37 mil mensais, sem contar a sua remuneração habitual, paga pela Aeronáutica, de mais de R$ 19,6 mil mensais.
Procurada, a Aeronáutica explicou que os pagamentos são previstos por lei, pois trata-se da remuneração ao representante do governo no conselho da Embraer, eleito em assembleia geral em 12 de abril de 2017 para um mandato de dois anos.
Fora a Embraer, empresas públicas como a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron) e a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) também pagaram a militares em 2017.
Forças Armadas pagam salários milionários, mas apenas para altas patentes
Somados, remunerações, verbas indenizatórias e jetons levaram a mais de R$ 19,9 bilhões em pagamentos a militares em 2017, já descontados os impostos e deduções. Contudo, a distribuição desses valores entre os oficiais é desigual.
A maior remuneração de todas é justamente do tenente-brigadeiro Araújo, que ganhou mais de R$ 704 mil no ano, somando-se as três formas de pagamento. Esse valor representa uma média de R$ 58,6 mil ao mês (incluindo o pagamento do 13º salário)
Já a maior remuneração anual de soldado-recruta da Marinha não chega aos R$ 49 mil ao ano, ou cerca de R$ 4 mil por mês.
A média das remunerações também varia: enquanto a média anual do tenente-brigadeiro é de R$ 315 mil (R$ 26,25 mil por mês), a do soldado-recruta da Marinha é de R$ 9,4 mil (R$ 783 por mês).
Média de remuneração em 2017 por patente (inclui indenizações, jetons e descontos).
No exterior, militares custaram mais de meio bilhão
Fora as remunerações a militares em atuação no território nacional, as Forças Armadas pagam valores em dólares a oficiais em operação no exterior. Ao todo, esses militares receberam US$ 183 milhões no ano passado, o equivalente a R$ 585,6 milhões.
Segundo apuração da Pública, a maior remuneração em 2017 foi paga ao adido militar brasileiro em Angola e São Tomé e Príncipe, Claudio Henrique da Silva Plácido, que embolsou US$ 464 mil em salários e indenizações, já descontados os impostos e abatimentos. Em reais, a remuneração ultrapassaria R$ 1,4 milhão (considerando o valor médio do dólar em 2017 de R$ 3,20).
Um adido é um oficial que faz a segurança e acompanha as atividades das delegações diplomáticas brasileiras. Segundo o Portal da Transparência, atualmente o Brasil possui 123 adidos e auxiliares de adidos em mais de 40 países.
A Pública procurou a embaixada do Brasil em Angola, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem. O Itamaraty respondeu que remuneração de militares deve ser tratada com o Ministério da Defesa, que não respondeu até o momento.
Pensões de militares são caixa-preta e custam 80% dos gastos com pessoal
Além dos pagamentos a militares na ativa, as Forças Armadas direcionam boa parte do orçamento a oficiais aposentados, afastados ou a familiares de militares falecidos.
Segundo dados do Ministério do Planejamento, em 2016, a cada real gasto com militares ativos, R$ 0,80 foram gastos com beneficiários de pensões.
Sozinhos, os pensionistas das Forças Armadas custam anualmente quase duas vezes todo o gasto com pessoal do Legislativo federal, incluindo ativos, aposentados e pensionistas. O gasto com pensionistas militares é tão alto que esse grupo responde por 6% de toda a despesa do governo federal com pessoal.
Despesas de pessoal militar em 2017
*Além da remuneração, inclui gastos como execução de sentenças judiciais e restituições trabalhistas; Fonte: Painel Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento
Parte do custo com pensionistas das Forças Armadas deve-se a filhas solteiras de militares, situação similar à que ocorre com as herdeiras do Judiciário – como a Pública mostrou nessa reportagem. A pensão vitalícia a filhas solteiras de militares foi extinta para oficiais que ingressaram após 2001. Contudo, o benefício pode ser mantido caso o oficial pague um adicional de 1,5% na contribuição previdenciária.
Apesar de tratar de recursos públicos, a lista individual de pensionistas das Forças Armadas não é divulgada. O Ministério da Defesa negou o pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) feito pela Pública, alegando que a publicação desses dados fere sigilo pessoal.
Em pedidos de informação prévios, as Forças Armadas se limitaram a informar que, atualmente, há cerca de 110 mil filhas de militares que recebem pensões vitalícias.