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    porto velho, sábado 21 de junho de 2025

Mineradora aproveita lei para explorar ouro mesmo sem licença ambiental

Agora, as mineradoras primeiro obtêm a autorização da ANM para depois buscarem o aval do órgão ambiental...


Publicada em: 23/12/2021 06:26:01 - Atualizado

BRASÍLIA DF- A mineradora canadense Cabral Gold acredita ter feito um negócio da China. Graças a uma manobra articulada por políticos para lá de enrolados com empresários do setor, em janeiro deste ano a empresa conseguiu o direito de explorar até 100 mil toneladas de ouro anualmente em uma área de floresta no sudeste do Pará – antes mesmo de ter o licenciamento ambiental e a concessão definitiva de lavra no local. A empresa já escava a área sem nenhum tipo de autorização desde 2017 – para a Cabral Gold, trata-se da terceira maior mina de ouro do Brasil.

O que permitiu à canadense dar esse jeitinho e levou o CEO da empresa, Alan Carter, a sair à caça de investidores pelo mundo foram duas Guias de Utilização, as GUs, emitidas pela Agência Nacional de Mineração, a ANM. Na peregrinação por dinheiro, Carter saiu mostrando pepitas de ouro e até uma pedra maciça de 18 quilos coletadas nos riachos de Cuiú-Cuiú.

Até pouco tempo atrás, a GU era uma autorização que funcionava apenas em caráter excepcional, como forma de uma empresa extrair quantidades limitadas de minério por tempo determinado. O carimbo permitia ao minerador fazer análises e testes para entender se fazia sentido continuar o empreendimento. Desde 4 de junho de 2020, porém, quando foi publicada a resolução 37, que mudou as regras para emissão de GUs, a exceção se tornou atalho para antecipar a operação de projetos minerários dos mais diferentes portes e tipos de exploração, como o da Cabral Gold.

A canetada veio menos de dois meses depois da infame reunião ministerial em que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu “ir passando a boiada” enquanto o país estava distraído com a pandemia de covid-19. Como se provou nos meses seguintes, o governo aceitou a proposta e encaminhou dezenas de medidas que diminuíram a proteção ao meio ambiente.

A mudança nas regras da GU foi gestada em dezembro de 2019, em uma reunião com o Instituto do Desenvolvimento da Mineração, o IDM, uma organização que se apresenta como órgão técnico e científico da Frente Parlamentar da Mineração. Quem conduziu o encontro foi o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, um deputado federal do DEM-RS que manteve reuniões com o grupo em 2019 e 2020 com promessas de pautar demandas da mineração no governo.

Onyx, hoje ministro do Trabalho e Previdência, viabilizou as mudanças na Guia de Utilização, segundo anunciou o próprio IDM, e abriu as portas do governo Bolsonaro para atender o setor: “nunca anteriormente em nosso país, um ministro da Casa Civil havia demonstrado tanto respeito e comprometimento com o setor de mineração brasileiro”, manifestou a entidade. Em 2019, por exemplo, foi Onyx quem anunciou a disposição do governo para liberar mineração em terras indígenas.

Com a nova resolução, a licença ambiental, que antes era pré-requisito para a emissão da Guia de Utilização, não é mais obrigatória. A manobra também inverteu a ordem das exigências e, agora, as mineradoras primeiro obtêm a autorização da ANM para depois buscarem o aval do órgão ambiental. Ou seja, a agência autoriza a atividade antes mesmo de saber o seu potencial impacto sobre o meio ambiente.

A mudança causou tanta estranheza entre os servidores da ANM que a agência teve que lançar uma nota técnica reforçando que, sim, as GUs devem ser emitidas sem a licença ambiental. Na nota, a ANM defende as novas regras em nome da desburocratização e reforça que “não devem prosperar interpretações que dificultem ou atrasem a emissão da GU, bem como que imponham ônus ao minerador”. Tal qual propôs o ministro Ricardo Salles na reunião ministerial, “mudando todo o regramento e simplificando normas [ambientais] […] de baciada”.

A mesma resolução também diz que o licenciamento ambiental ou documento equivalente deve ser apresentado até 10 dias depois da emissão da guia, sob pena de cancelamento da permissão. No entanto, o próprio processo da Cabral Gold mostra como essa é uma regra para inglês – ou canadense – ver. Passado quase um ano desde a emissão da Guia de Utilização para lavra experimental, a empresa ainda não obteve licenciamento ambiental, e sua GU segue ativa.

Segundo a Secretaria do Meio Ambiente do Pará, ainda não foi apresentado nem o plano para a bacia de rejeitos, local para onde é descartado o material que sobra da mineração do ouro e uma parte importante do projeto. Isso aponta para outro problema causado pela mudança nas regras da GU: a pressão ainda maior sobre os órgãos ambientais, que precisam analisar o licenciamento de projetos que já chegam com aval da Agência de Mineração.

“As propostas de licenciamento ambiental que estão surgindo pressupõem que os locais que possuem algum tipo de atividade sejam considerados de menor impacto. Essas atividades [autorizadas com a GUs] já poderão ser consideradas como atividades iniciais, fazendo com que se tenha licenciamento flexível ou até mesmo rápido, pois podem considerar não uma nova atividade, mas uma expansão da exploração, e esse é um risco desta resolução”, explicou o pesquisador Luiz Jardim Wanderley, Coordenador do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil.


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