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    porto velho, sábado 12 de julho de 2025

Fernando Mendes: A voz que nos ensinou a sentir e não esquecer

O artista mineiro, de Conselheiro Pena, de jeito tímido, vasta cabeleira e timbre doce, não precisou gritar para ser ouvido...


Arimar Souza de Sá

Publicada em: 12/07/2025 00:05:42 - Atualizado

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA

FERNANDO MENDES: A VOZ QUE NOS ENSINOU A SENTIR E NÃO ESQUECER

Arimar Souza de Sá

Foto - À esquerda, Arimar Souza de Sá ao lado de três amigos inseparáveis da juventude musical. Nos anos 70/80, bastava o primeiro acorde de Fernando para que nós, os amigos do violão e do coração aberto, nos reuníssemos.

Na música brasileira, há vozes que não apenas cantam — encantam. Tocam fundo, onde a razão não alcança e só a memória afetiva habita. Vozes que, por anos, embalam amores, dores e lembranças das boas. Para mim, o cantor e compositor Fernando Mendes, é uma dessas vozes.

O artista mineiro, de Conselheiro Pena, de jeito tímido, vasta cabeleira e timbre doce, não precisou gritar para ser ouvido. Bastou cantar — suave, sincero — simples, para conquistar o país inteiro e suas músicas viraram temas de seriado, novelas e filmes.

Em Porto Velho, entre os bairros Baixa do União e a Rua Benjamin Constant, no Olaria, cresci ouvindo suas canções como trilha sonora da juventude.

Nos anos 70/80, bastava o primeiro acorde de Fernando para que nós, os amigos do violão e do coração aberto, nos reuníssemos. À noite, era sagrado: estávamos lá, na calçada, desfiando nossas dores e paixões, como se Fernando fosse o irmão mais velho a nos consolar na hora da aflição amorosa com um afago em forma de verso. Em cada dedilhar da viola ao som do cantor, era uma confissão. Cada verso, um espelho da alma. Ave Maria! Que tempo bom.

Tinha sempre aquele amigo mais sensível — o Zequinha Frazão — que solava como ninguém a música ‘A Desconhecida’, mas ao levar um fora, gritava aos quatro ventos:

“Você não me ensinou a te esquecer, você só me ensinou a te querer e te querendo vou tentando te encontrar...” E a dor do Frazão virava nossa também, como quem reparte o pão da desilusão do amigo.

Outros se refugiavam em ‘Cadeira de Rodas’, onde Fernando dava voz, em versos, à dor de uma fã. E, na vanguarda, quebrando preconceito contra cadeirantes. Ou em ‘Prece ao Vento’, que nos lembrava de amores passados com versos que vinham como brisa morna da memória: “Vento que balança as palhas do coqueiro. Vento que encrespa às ondas do mar...”

Era impossível não se emocionar, todos nós ‘frangotes’ ainda, começando a levar as primeiras porradas da vida afetiva.

Mas Fernando não cantava só o amor — também denunciava com coragem a hipocrisia dos ‘bons costumes’:

Na música ‘Sorte tem quem acredita nela’ denunciava: “Não adianta ir à igreja rezar e fazer tudo errado. Você quer a frente das cosias olhando de lado...”

Sem papas na língua, mostrava o que somos, não o que fingimos ser. Sua música era espelho sem maquiagem, era uma bofetada na cara dos hipócritas que são santos de dia e demônios a noite.

Lembro de Adalberto Maciel, meu primo e irmão de infância. Violão no peito, tocava Fernando como quem prega um evangelho, segundo o cantor. O terreiro da casa dele era palco de confissões, festa de sentimentos. Adalberto não tocava — ele acendia a alma da gente com Fernando Mendes - e o ‘couro comia’ madrugada adentro, até o vizinho reclamar.

Era impossível não se emocionar ao ouvir: “Numa tarde tão linda de sol, ela me apareceu...” — e parecia que aquela moça, de fato, surgia em cada esquina da cidade ou no Clube do Flamengo, no bairro Arigolândia, point favorito do nosso tempo.

A época, a imagem de Fernando era símbolo: sua cabeleira ‘Black Power’ era rebeldia e poesia. Eu mesmo copiei o estilo, penteando com garfo de metal. Um jovem tentando ser gigante, espelhado no espelho do ídolo.

Fernando era isso aí. O trovador dos corações partidos, o confidente dos amores impossíveis. Chamem de “brega” quem quiser. Para nós, ele foi — e sempre será — o cronista das emoções humanas. Com ele, entendemos que a vida dói, mas que há beleza até na dor de cotovelo.

Hoje, no entanto, é a vida quem desafina a melodia: o Alzheimer visita Fernando, apagando partituras da memória, riscando canções da lembrança. O mesmo artista que um dia cantou “Você não me ensinou a te esquecer” agora é forçado, pela crueldade da doença, a esquecer seus fãs, suas próprias composições, e as coisas de sua vida... Mas seus seguidores, esses, jamais o esquecerão.

A notícia veio da esposa através de um post nas redes sociais:

“Se um dia você encontrar Fernando e ele não falar, não estranhe... é por causa da doença”. Palavras que doem mais que o silêncio de não poder mais vê-lo se apresentar. Todavia, há coisas que nem a doença, nem o tempo, nem a morte apagam. Fernando Mendes vive e viverá onde o tempo não toca: na eternidade das emoções de quem o ama.

Uma coisa é certa: Ele pode não se lembrar de nós. Mas nós sabemos bem quem ele é, nunca esqueceremos dele, porque as canções de Fernando Mendes, ainda hoje, fazem parte do nosso próprio DNA afetivo.

Por tudo isso, enquanto houver um coração partido, uma lágrima escondida, uma lembrança cantada, uma fora bem ‘brabo’ — Fernando ainda estará por lá.

Enquanto houver saudade, haverá a canção desse mineiro.

E, enquanto houver Fernando Mendes, haverá música simples, mas com alma e festa no coração.

Saúde, Fernando. Fique na paz.

E que se dane quem ousar chamá-lo de brega e ultrapassado.

Amém!

SAIBA QUEM É O CANTOR FERNANDO MENDES - CLIQUE AQUI: - https://pt.wikipedia.org/wiki/...


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