Fundado em 11/10/2001
porto velho, sábado 19 de julho de 2025
BRASIL: A nova tarifa de 50% sobre a carne bovina brasileira nos Estados Unidos, somada à já existente, deve elevar o custo de entrada do produto no país para 76,4%.
Para Roberto Perosa, presidente da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), trata-se de uma situação inviável para o setor.
Em entrevista ao Mundo Agro, Perosa afirma não haver um mercado alternativo capaz de absorver o volume e o valor das exportações destinadas aos EUA, atualmente o segundo maior destino da carne brasileira.
Mundo Agro: A sobretaxa de 50% é inviável — o senhor já falou sobre isso. Mas a taxa atual de 36% já não é considerada alta?
Roberto Perosa: É uma das maiores tarifas que o Brasil paga no mundo sobre a carne bovina. Para explicar melhor: a tarifa originária era 26,4% fora da cota. Com o adicional de 10% dado em maio, virou 36,4%. Nós nos adaptamos, diminuíram as perspectivas, mas continuamos exportando para os Estados Unidos.
Se a sobretaxa ficar nos 50%, sai essa tarifa de 10%, ficará os 26,4% mais os 50%, portanto, 76,4%. O que é praticamente inviável. É fechar o comércio da carne bovina com os Estados Unidos.
Mundo Agro: Os EUA são o segundo maior mercado para a carne bovina do Brasil, depois da China. Caso não haja um desfecho para esse entrave, o que vai acontecer? Essa carne que vendíamos para eles irá para onde? O setor já analisa, quais seriam os outros mercados?
Roberto Perosa: Um mercado com essas características não existe. Não tem um plano B. Então, assim, teria que ser readaptado — um pouco internamente, um pouco para outros destinos que a gente já atende. Mas, com essa intensidade de volume e de preço, nós não temos um plano B. Não dá para redirecionar 100%. Então, seria um prejuízo para toda a cadeia se a gente não conseguir reverter essa tarifação com os Estados Unidos.
Mundo Agro: São 30 mil toneladas paradas em portos ou em alto-mar com destino aos EUA. Onde exatamente estão?
Roberto Perosa: O que a gente levantou com as empresas é quanto elas haviam produzido, embarcado e enviado para os Estados Unidos. São 30 mil toneladas. Não temos como precisar em quais portos ou localidades.
Mundo Agro: Elas estão armazenadas, claro, mas por quanto tempo é possível segurar essa carga e garantir a qualidade? Qual o limite? E o que acontecerá? Qual será o destino dessas mercadorias?
Roberto Perosa: A carne tem um prazo de validade até maior. Ela está congelada e, portanto, tem uma durabilidade maior. Mas, quanto antes a gente conseguir resolver, melhor. Não é uma coisa que vai estragar do dia para a noite. Mas é importante que a gente tenha um prazo para cumprir os contratos que estão em andamento e possa fazer esse desembaraço nos Estados Unidos sem essa tarifação.
Mundo Agro: Os frigoríficos já reduziram a produção de carne neste período de indefinição? É possível estimar, em percentual, essa redução?
Roberto Perosa: A redução é da destinação aos Estados Unidos. Então, nós vamos continuar produzindo carne com toda a segurança, toda a saudabilidade que existe na carne brasileira, mas não vamos mais produzir para os Estados Unidos. E isso tem um impacto no preço. Porque o preço de venda da carne aos Estados Unidos é um preço mais saudável do que o de outros países que compram. Uma coisa é você vender para os Estados Unidos, outra coisa é vender para algum país da África. Então, são preços distintos.
E, quando você não tem essa maior margem que a carne americana estava oferecendo, por conta da redução da oferta nos Estados Unidos, você tem que diminuir o que paga aqui no Brasil aos pecuaristas. Então, a ideia é que não vai parar a produção, mas vai zerar a destinação aos Estados Unidos. E isso tem um impacto direto no preço da compra do boi no Brasil.
Mundo Agro: É possível prever ou estimar o prejuízo para o setor?
Roberto Perosa: Não. Não dá.
Mundo Agro: 2025 começou bem para as exportações. Em junho, registrou-se um aumento de 50% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Qual a perspectiva para julho, então?
Roberto Perosa: Tivemos um acréscimo de 12%. E vai haver o impacto negativo da exportação para os Estados Unidos. Então, nós estamos tentando equilibrar, mas a gente ainda, na primeira parcial de julho, se manteve estável, né? Porque continua entrando carne nos Estados Unidos. Mas o impacto maior vai ser a partir de agosto, quando — se não resolver a tarifa — não entrará mais carne nos Estados Unidos.
Então, julho, eu acredito que seja um mês de transição, vamos dizer assim. Vimos uma crescente grande, pode ser que a gente tenha uma estabilidade no mês de julho, pelos dados que estão sendo apontados agora. Mas a gente ainda não tem como dizer como será o final de julho. Aí vai depender da tarifa, da resolução.
Mundo Agro: Que tipo de carne exportamos para os EUA? É carne para hambúrguer? De qual parte do boi?
Roberto Perosa: Isso. São os recortes do dianteiro do boi, que são carnes não muito consumidas no Brasil. Não tem demanda por esse consumo aqui. No Brasil, é importante você saber disso: de toda a produção da carne bovina brasileira, 70% fica no Brasil. E os 30% que a gente exporta são o dianteiro do boi, que vai tanto para os Estados Unidos quanto para a Ásia, e os miúdos do boi, que vão mais para a Ásia. É importante desmistificar isso: nós não exportamos as partes que o brasileiro consome — por isso que está caro a carne. Não tem nada a ver. O que o brasileiro consome, nós não exportamos. Porque o primeiro mercado da carne bovina brasileira é o próprio Brasil.
Nós exportamos os excedentes que não são consumidos costumeiramente no Brasil, o dianteiro do boi e os miúdos. Então, quando a gente não consegue exportar isso, começa a ter um impacto na parte consumida no Brasil. Porque, se a gente não está agregando valor em uma parte, essa conta tem que ir para o outro lado. Então, a gente tem que estimular a exportação cada vez mais, para termos um equilíbrio e não precisemos subir tanto o preço do traseiro do boi, que são os cortes tradicionais consumidos no Brasil.
Mundo Agro: O que o senhor espera?
Roberto Perosa: Negociar, negociar e negociar. Não desistir da negociação. Esse é o nosso pedido ao governo. Não nos deixar contaminar pela questão política e continuar a negociação comercial, o que importa à cadeia produtiva. Essa é a nossa visão: temos que continuar negociando para haver uma saída negociada — e não radicalismo ideológico, político, de um lado ou de outro.