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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
BRASIL: Geralmente em sintonia com Jair Bolsonaro (sem partido), o empresário Luciano Hang passou recentemente a discordar do presidente da República em um ponto. O dono das lojas Havan aderiu ao movimento de empresários que pedem a volta do horário de verão, extinto por Bolsonaro em abril de 2019.
"O fato de ganharmos uma hora durante o dia faz com que a roda da fortuna gire mais e influencia positivamente toda economia, principalmente setores importantes, como o turismo, bares, comércios, restaurantes e automaticamente gera mais empregos também nas indústrias", escreveu Hang no sábado (03/07), em sua conta no Instagram.
"Além disso, com o dia mais longo, as pessoas vivem melhor, vão às praias, praticam exercícios e têm mais qualidade de vida", completou.
O posicionamento do empresário amigo não comoveu Bolsonaro, que na terça-feira (06/07) voltou a defender sua decisão de acabar com o horário especial.
"O horário de verão foi comprovado que não tem ganho financeiro e a maioria é contra porque mexe no relógio biológico", afirmou o presidente a apoiadores, na porta do Palácio da Alvorada.
Ao fim de junho, empresários dos setores de turismo, bares e restaurantes encaminharam ao presidente uma carta reivindicando a volta do horário de verão este ano.
No documento, os representantes do setor privado argumentam que a hora a mais de claridade no fim de tarde impacta positivamente os negócios e seria de grande ajuda após a forte queda de faturamento sofrida por esses setores na pandemia.
Especialistas em energia e infraestrutura avaliam ainda que a medida seria de grande relevância no atual quadro de crise do setor elétrico, provocada por uma seca histórica, que levou o nível dos reservatórios hidrelétricos ao patamar mais baixo em décadas.
Diante das múltiplas pressões pela volta do horário de verão, cabe a pergunta: valeu a pena acabar com ele em 2019?
Os especialistas avaliam que não. E mesmo quem acha que a medida pode ter sido acertada em 2019, defende que agora é hora de revertê-la.
Para o economista Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B e especialista em infraestrutura, o governo errou "em dois sentidos" ao acabar com o horário de verão em 2019: na forma e no conteúdo.
"Na forma, porque essa foi uma decisão arbitrária, não transparente", avalia Frischtak.
Segundo ele, não se sabe em que pesquisa de opinião o presidente se baseia para dizer que a maioria da população é contrária ao horário de verão. "Na realidade, sequer faz sentido tomar uma decisão dessas com base em pesquisa de opinião, pois uma decisão de política pública deve ser calcada em evidências", afirma o economista.
Conforme o especialista, o governo errou "no conteúdo" ao extinguir o horário de verão, pois o horário especial traz três benefícios sociais: economia de energia, impacto positivo sobre a atividade econômica e um terceiro, menos discutido, que é o efeito da luminosidade adicional sobre indicadores de segurança pública.
"A evidência empírica sugere que uma hora a mais de luminosidade reduz homicídios, roubos e acidentes de trânsito", cita Frischtak, que publicou em 2019 um artigo sobre o tema em coautoria com os pesquisadores Miguel Foguel e Renata Canini.
"E isso não apenas no nosso país, há evidência nos Estados Unidos do mesmo fenômeno. Então, do ponto de vista da segurança, acabar com o horário de verão não é uma boa ideia."
Para o sócio da consultoria Inter.B, o argumento utilizado em 2019 de que o horário de verão perdeu relevância devido à mudança do pico de consumo do fim para o meio da tarde, como resultado do maior uso de aparelhos de ar condicionado, perde relevância num momento como o atual, de grave crise no setor elétrico.
"O que há atualmente, no verão, é um duplo pico: um no meio da tarde, por causa do ar condicionado, e outro, quando as pessoas chegam em casa e vão tomar banho e ligar seus eletrodomésticos", diz Frischtak.
"Estima-se que o horário de verão pode reduzir em até 4,5% o consumo de energia nesse segundo pico do fim de tarde. Estamos hoje vivendo no país uma crise de abastecimento de energia, então tudo que possa ser feito para estimular o consumidor a reduzir o consumo de energia deve ser implantado, principalmente se isso for acompanhado de uma campanha de educação."
O professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Gesel (Grupo de Estudos do Setor Elétrico), Nivalde de Castro, destaca que o contexto do setor elétrico mudou de 2019 para este ano.
"Há dois anos, o equilíbrio entre oferta e demanda de energia estava tranquilo, então uma economia de 2% a 3% do consumo não era tão imprescindível", diz Castro.
"Mas, atualmente, estamos enfrentando problemas para atender a demanda de energia elétrica justamente na hora em que escurece", afirma, lembrando que o horário de verão tem o objetivo de "empurrar" a demanda por energia para mais tarde, aproveitando a luz natural.
"Diante da crise hidrológica deste ano, o horário de verão faz todo sentido, porque ele evita um consumo a mais, do que numa situação em que não haja horário de verão."
Tanto Castro como Frischtak citam o aumento do desmatamento da Amazônia como um fator que tem afetado o regime hidrológico do país e a manutenção do nível dos reservatórios hidrelétricos.
"Com as mudanças climáticas e as queimadas que o governo tem permitido, isso está diminuindo o armazenamento dos reservatórios. Então, possivelmente, para os próximos anos, o horário de verão deverá ser necessário", diz Castro. "Mas, neste ano, ele é imprescindível."
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), é um dos signatários da carta dos empresários endereçada a Bolsonaro pedindo a volta do horário de verão.
O executivo lembra que, em 2019, o setor não se manifestou quando o presidente decidiu acabar com o horário diferenciado, mesmo sendo prejudicado pela medida.
"Naquele momento, houve um conjunto de argumentos para justificar a decisão: a baixíssima economia [de energia], o fato de que uma parcela da sociedade, como as crianças que acordam cedo para ir à escola, encontravam o dia ainda muito escuro", lembra o representante.
"Então, naquela ocasião, não nos manifestamos em contrário, ainda que estivéssemos perdendo com isso, porque o brasileiro tem baixo hábito de fazer happy hour, mas quando há horário de verão ele tende a ficar muito mais na rua."
Solmucci explica que o setor resolveu trazer esse pleito agora porque, para os bares e restaurantes, "o mundo desabou de lá para cá".
"O nosso setor, mesmo de portas abertas, tem 77% das empresas ainda operando com prejuízo. Então, na nossa visão, qualquer real que entre a mais vai ser muito importante, e o horário de verão sempre trouxe esse faturamento adicional na primeira hora da noite", afirma.
"A gente chega às vezes até a dobrar o que se fatura entre às 18h e às 20h com horário de verão. E isso também vale para o pessoal do turismo, como parques, porque estica o dia."
Solmucci avalia ainda que há uma inconsistência na postura do governo, que trabalha para que a indústria reduza o consumo de energia entre 18h e 21h.
"Ora, se faz sentido provocar essa economia na indústria, inclusive mexendo na sua estrutura de produção, faz sentido ao nosso ver reduzir a demanda dos consumidores nesse horário, ainda que por uma hora, porque uma coisa colabora com a outra."
O porta-voz do setor de bares e restaurantes diz ainda ter esperança de que Bolsonaro mude de ideia.
"Estamos trazendo para a discussão uma ótica socioeconômica, que diz respeito a apoiar um setor que está muito machucado e que gera muitos empregos. Isso além da ótica de reduzir o risco do setor elétrico", afirma Solmucci. "O amigo do presidente, Luciano Hang, já entendeu isso e tem cada vez mais gente entendendo. Acredito que o presidente, se fizer uma análise mais detalhada, também pode evoluir."