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    porto velho, sábado 21 de setembro de 2024

Após estupro atendimento hospitalar à Klara Castanho foi antiético e antiprofissional

Atriz contou que médico a obrigou a ouvir coração de bebê durante ultrassom e que enfermeira ameaçou vazar informações pessoais.


g1

Publicada em: 27/06/2022 10:11:30 - Atualizado

Para especialistas, a conduta de profissionais de saúde no atendimento à atriz Klara Castanho foi antiética e antiprofissional, além de criminosa, no caso do vazamento do sigilo médico. A atriz de 21 anos revelou neste sábado (25) que foi estuprada, engravidou e decidiu entregar o bebê diretamente para adoção.Ela divulgou uma carta aberta após a história ser divulgada por sites e redes de fofocas sem o seu consentimento. "Minha história se tornar pública não foi um desejo meu", afirma ela no texto.

Na consulta em que contou ter sofrido violência sexual, Klara disse que o médico não teve "nenhuma empatia". "Ele me obrigou a ouvir o coração da criança e disse que 50% do DNA eram meus e seria obrigada a amá-lo", escreveu a atriz em uma carta aberta.

O obstetra Jefferson Drezett Ferreira, que implementou e chefiou por mais de 25 anos o principal serviço de aborto legal do Brasil, no Hospital Pérola Byington, em São Paulo, diz que não houve profissionalismo naquele atendimento.

Segundo o médico, há uma recomendação do Ministério da Saúde segundo a qual as mulheres que estão passando por uma situação de gravidez decorrente de violência sexual podem decidir se querem ou não ver imagens ou ouvir os sons da ultrassom.

"Evidente que se uma mulher deseja ouvir, o que é incomum, mas se ela deseja e é importante para ela numa tomada de decisão, isso tem que ser respeitado. Mas se ela não quer ouvir, obrigá-la a fazê-lo é imputar a essa mulher uma carga emocional e de sofrimento emocional que não tem nenhum propósito, e o profissional de saúde não tem esse direito. Ele não tem o direito de obrigar uma mulher a fazer isso e muito menos de julgar o que ela deve ou não fazer numa situação como essa", afirma o médico, que também é professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.

O obstetra explica também que, nestes casos, o dever do profissional de saúde é alertar e esclarecer a situação para a mulher. "A decisão cabe exclusivamente a essas mulheres. Os profissionais não deveriam interferir nem para um lado nem para o outro."

"É entristecedor que o profissional de saúde coloque [nestes casos] a sua posição moral, porque ela não faz parte de nenhuma orientação médica, não faz parte de nenhuma recomendação técnica, de nenhuma recomendação bioética. Não tem nenhuma fundamentação nem na técnica nem na bioética da medicina, e a pessoa então coloca isso no atendimento como uma posição moral, pessoal."

Hospital

A atriz relatou que, após o nascimento do bebê, ainda sob os efeitos da anestesia, foi abordada por uma enfermeira que ameaçou vazar a história para a imprensa. "A enfermeira que estava na sala de cirurgia fez perguntas e ameaçou 'imagina se tal colunista descobre essa história'. Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista", contou Klara.

Ferreira afirma que a conduta da funcionária do hospital foi criminosa. "É simples, isso é crime. O sigilo é uma condição prevista pela Constituição, e a revelação de um sigilo, quando você está numa função profissional, é um crime previsto pelo Código Penal, além de ser uma infração grave prevista pelos Códigos de Ética profissionais, tanto da enfermagem como da Medicina", afirmou o obstetra.

"E eu entendo que isso tem que ser levado adiante, para que os profissionais que se sentem no direito de violar o sigilo das pessoas, com o dever de não fazê-los, sejam devidamente responsabilizados, dentro do campo criminal, cível, e também dentro do campo ético, nos seus Conselhos profissionais, seja o Conselho Regional de Medicina ou de Enfermagem", diz o obstetra.

Assim como Ferreira, Julia Rocha, coordenadora de acesso à informação e transparência da ONG Artigo 19 e responsável pelo projeto Mapa Aborto Legal, considera criminosa a conduta dos profissionais de saúde que atenderam Klara.

"Esse caso traz muitos elementos de como o sistema de saúde brasileiro não está preparado para realizar esse procedimento e evitar revitimizações, ou seja, fazer um acolhimento apropriado", diz Julia. Para ela, a atriz foi sujeita a constrangimentos antes e depois do parto que podem ser considerados como tortura psicológica. "Todas as condutas tomadas pelos profissionais de saúde a partir do acolhimento têm que ser de validar a experiência e as palavras da pessoa que está recorrendo ao serviço", afirma.

Neste domingo (27), os conselhos federal e regional de enfermagem e o hospital onde Klara ficou internada informaram que vão apurar a denúncia de que uma enfermeira ameaçou divulgar a história.



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