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porto velho, segunda-feira 25 de novembro de 2024
BRASIL: Está em julgamento na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de o Ministério Público e as autoridades policiais brasileiras obrigarem bancos e instituições financeiras a fornecer, sem autorização judicial, dados cadastrais de clientes para investigações cíveis e criminais.
Essa medida foi pleiteada pelo Ministério Público de Goiás, por meio de uma ação civil pública, e autorizada pelas instâncias ordinárias, levando em conta o fato de que esse tipo de dado — número de conta corrente, nome completo, RG, CPF, telefone e endereço — não é protegido pelo sigilo bancário, que se refere à movimentação financeira.
Inicialmente, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, manteve a posição, levando em conta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o alcance do sigilo bancário. Nesta quarta-feira (15/3), um voto divergente do ministro Raul Araújo a levou a pedir vista regimental para melhor análise.
Em sua manifestação, o ministro classificou a intenção do MP de Goiás como a busca por um cheque em branco que lhe autorizaria a investigar quaisquer cidadãos a partir de dados fornecidos pelos bancos, sem permitir o devido controle judicial.
"Nesse caso, a pessoa nem vai saber que um dia foi investigada. A não ser que próprio banco tome iniciativa de comunicar o cliente de que forneceu dados para as autoridades", pontuou. "Com uma medida dessas, estaríamos dando ares de um Estado policialesco, e não democrático."
Cheque em branco
Na visão do ministro Raul Araújo, o caso não pode ser analisado desconsiderando-se as normativas recentes que aumentaram o grau de proteção ao cidadão: a Emenda Constitucional 125/2022 e a Lei Geral de Proteção de Dados. Elas fixam a proteção de dados pessoais como direito fundamental autônomo.
É verdade que tal proteção não é absoluta, pois pode ser afastada nos casos expressamente previstos em lei ou mediante autorização judicial. É o caso de procedimentos de inteligência fiscal que indicam a prática de crimes ou investigações submetidas ao controle do juiz da causa.
De qualquer maneira, conforme apontou o ministro, a interpretação da vulneração desse direito fundamental é sempre restritiva. Isso serve para evitar abusos e garantir o equilíbrio entre o combate a condutas ilícitas e a observação da proteção constitucionalmente consagrada.
No caso dos autos, o pedido do MP-GO na ação civil pública não envolve um prévio processo administrativo fiscal, em que a própria Receita tenha separado informações que podem ser penalmente relevantes. Também não há objetivo pré-definido pelo órgão de investigação.
"O que há é apenas a pretensão de o parquet ou o delegado policial poder agir diretamente, sem necessidade de autorização judicial, para pedir dados bancários junto à instituição financeira quando houver a suspeita da ocorrência de um crime — e olhe lá", destacou o ministro Raul.
Com isso, o voto divergente propôs dar provimento ao recurso especial para julgar improcedente todos os pedidos formulados na ação civil pública. Ele destacou ainda que o uso desse tipo de ação foi desvirtuado pelo MP.
A ACP se destina a tutelar direitos individuais homogêneos ou direitos coletivos ou difusos. A ação em questão, por sua vez, visa a garantir prerrogativas funcionais que o MP-GO entende cabíveis — ou seja, a busca é por interesses institucionais.