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Rescisórias abrem novo round na disputa sobre a 'tese do século' no Judiciário


CONJUR

Publicada em: 21/11/2023 09:13:22 - Atualizado

BRASIL: Contribuinte e Fazenda Nacional vivem hoje um novo round na luta pelos valores decorrentes da inclusão do ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins. Ele está sendo disputado por meio das centenas de ações rescisórias ajuizadas para aplicar a modulação da chamada “tese do século” definida pelo Supremo Tribunal Federal.

Essas rescisórias buscam derrubar decisões definitivas que deram a empresas brasileiras o direito de compensar ou reaver valores indevidamente cobrados pelo Fisco no período de cinco anos anteriores ao seu ajuizamento.

Os pedidos de compensação ou ressarcimento foram feitos depois que o STF decidiu que o ICMS deveria ser excluído da base de cálculo de PIS e Cofins. O problema é que, quatro anos mais tarde, em 2021, a corte decidiu modular a aplicação temporal da tese.

O Supremo entendeu que a exclusão do ICMS da base de PIS e Cofins só poderia ser aproveitada pelo contribuinte a partir de 17 de março de 2017, data em que a “tese do século” foi fixada. A restrição não alcançou as ações que foram ajuizadas para discutir o tema antes dessa data.

Assim, quem obteve o direito de compensação ou ressarcimento mediante ações ajuizadas entre março de 2017 e abril de 2021 entrou na mira da Fazenda Nacional.

Uma empresa que, por exemplo, ajuizou ação em 2018 e obteve o direito de compensar os valores indevidamente pagos ao Fisco desde 2013, com a modulação, restringiria esse aproveitamento ao período a partir de 17 de março de 2017.

Essa é a restrição buscada pela Fazenda Nacional por meio das ações rescisórias. E ela tem alcançado seu objetivo. Há registros de procedência para aplicar a modulação da “tese do século” nos Tribunais Regionais Federais da 3ª, 4ª e 5ª Regiões.

Para tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o cenário aumenta a grave insegurança jurídica vivida no país. A consequência é o aumento do passivo tributário das empresas e o estímulo a novos litígios judiciais e administrativos.

Fica, ainda, um impasse sobre como a questão será resolvida. Até o momento, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal têm dado indício de que não pretendem analisar o cabimento ou o resultado dessas rescisórias, seja pelo viés infraconstitucional ou constitucional.

Como ficam as empresas
Os números levantados pela própria Fazenda Nacional indicam o impacto. Quando a “tese do século” esteve em julgamento, em 2017, o prejuízo foi orçado em R$ 250 bilhões. E mesmo após a modulação dos efeitos, em 2021, subiu para R$ 533 bilhões — valores de perda de arrecadação e estimativa de ressarcimentos.

Em regra, as empresas que correram ao Judiciário após março de 2017 para tratar do tema buscaram a compensação dos valores indevidamente pagos ao Fisco. Esse é o meio de aproveitamento mais rápido, já que a devolução implica em usar o rito dos precatórios, que se submete a ordem de pagamento.

Tais compensações foram cruciais para muitos contribuintes, por permitir o pagamento de tributos com os créditos gerados pelas decisões judiciais, especialmente em período crítico como o da epidemia da Covid-19, a partir de 2020.

Com a procedência das rescisórias, os valores não abarcados pela modulação se tornam débito em aberto, a ser pago com multa e juros de mora. E poderão ser impugnados, em processos administrativos a serem discutidos a perder de vista no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).

Para as empresas, há a possibilidade de arrastar o pagamento à espera de condições mais favoráveis de negociação e parcelamento incentivado, por meio dos recorrentes programas de recuperação fiscais (Refis) aprovados pelo Congresso.

De qualquer maneira, trata-se de uma contingência inesperada. O contribuinte que só foi ao Judiciário quando tinha a certeza de que havia pago PIS e Cofins a mais confiou na coisa julgada tributária formada pela aplicação da “tese do século”, mas agora a vê sob risco.

Melhor litigar logo
Para a advogada Maria Carolina Sampaio, do GVM Advogados, o cenário é péssimo em termos de política tributária porque o Judiciário acaba indicando ao contribuinte que é sempre melhor litigar por prevenção, já que as pretensões futuras podem ser ceifadas por modulações temporais das decisões.

Isso afeta as empresas que tinham uma postura mais conservadora, o que evitava tumultuar o Judiciário e gastar com ações de resultado incerto. “Não dá mais para ser assim. Agora a indicação é: se acredita que tem algo a receber, melhor acionar a Justiça. É importante litigar para não perder a chance.”

Maria Andréia dos Santos, do Machado Associados, também aponta a mudança de postura de empresas que, até recentemente, aguardavam a formação de posição pelos tribunais superiores. “A modulação tem sido aplicada de forma tão ampla que há um estímulo à litigiosidade. Se você não ingressar com ação e for definida uma data de corte no precedente, pode perder todo o crédito anterior.”

E Mariana Ferreira, do Murayama e Affonso Ferreira Advogados, chama a atenção para o viés político da modulação, por meio da qual o tribunal define de que forma o precedente vai impactar a sociedade. Isso acaba por privilegiar quem atuou de maneira preventiva.

As três advogadas veem indícios de que modulação dos efeitos pretendida pela Fazenda por meio das rescisórias deve ser confirmada nas instâncias superiores. O principal deles é a forma como a coisa julgada tributária vem sendo tratada.

Recentemente, o STF admitiu a quebra automática de decisões definitivas tributárias, nos casos em que a corte concluir que a cobrança de determinado tributo é constitucional. Já o STJ admitiu o uso da rescisória para desconstituir decisão definitiva sobre tributos de pagamento continuado quando houve posterior mudança de jurisprudência.

Nenhum desses precedentes se enquadra na discussão travada sobre a “tese do século”, mas mostram uma preocupação em assegurar a autoridade da interpretação tributária das cortes, mesmo que modificando jurisprudência e decisões anteriores.

Também para Renan Castro, do Diamantino Advogados Associados, o cenário não poderia ser de mais incerteza. Ele nota um esforço da União em reverter posições desfavoráveis para aumentar a arrecadação, ainda que por meio de artifícios processuais como no caso das rescisorias.

Como mostrou a ConJur, essa tendência não se restringe ao caso da “tese do século”. Depois de o STJ vetar a exclusão automática de benefícios do ICMS da base de IRPJ e CSLL, a Receita Federal convidou os contribuintes a aplicar a posição e regularizar a situação. E depois o governo editou uma Medida Provisória para burocratizar o usufruto dessas vantagens.

Ainda assim, Castro prevê um final feliz para o contribuinte. E o faz com base no precedente da AR 2.297, em que o STF entendeu que não cabe rescisória uando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.

“Se levarmos em consideração que o posicionamento da exclusão do ICMS na base de PIS e Cofins era firme no STF antes da modulação, há boas chances de os contribuintes saírem vencedores nesse tema específico”, analisa.

Quem dá a palavra final
De fato, o cabimento da rescisória é um dos pontos contestados pelos contribuintes nos recursos às cortes superiores. Até o momento, há uma possibilidade de que a discussão caia em uma espécie de limbo recursal.

O STJ tem, até o momento, apenas um precedente colegiado. A 2ª Turma entendeu que não poderia analisar o mérito do recurso contra a rescisória porque envolveu a aplicação da “tese do século” ao caso concreto. Por se tratar de tema constitucional, a análise só poderia ser feita pelo Supremo.

Já o STF até agora tem ao menos três decisões monocráticas em que também recusa a análise dos recursos extraordinários contra essas rescisórias. Elas foram proferidas pelos ministros Nunes Marques (clique aqui para ler), Luís Roberto Barroso (clique aqui) e Gilmar Mendes (clique aqui).

Eles entendem que a invocação do princípio constitucional dos limites da coisa julgada não possui repercussão geral por representar ofensa reflexa à Constituição e que o próprio cabimento da rescisória é tema infraconstitucional, por envolver normas do Código de Processo Civil.

Nos TRFs, as rescisórias são admitidas com base no artigo 535, parágrafo 8º do CPC, por atacar julgado contrário à decisão do STF em controle de constitucionalidade, ainda que se trate de decisão proferida posteriormente à formação da coisa julgada.

O TRF-4, especificamente, tem entendido cabível a rescisória com base no artigo 966, inciso V do CPC, por violação a literal disposição de lei quando, à época do acórdão rescindendo, não havia qualquer orientação do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria constitucional controvertida.

Maria Carolina Sampaio aponta que a rescisória é mesmo o caminho correto para a Fazenda Nacional contestar as decisões, mas critica a posição admitida pelos TRFs. “Em termos de segurança jurídica, que é uma questão constitucional muito mais importante do que qualquer vírgula do CPC, não deveria ser cabível.”

Para Maria Andréia dos Santos, a posição dos TRFs destrói a confiança do contribuinte no sistema, uma sensação calcada nos mecanismos oferecidos, dentre eles a imutabilidade da coisa julgada e o cabimento restrito da ação rescisória.

Já Mariana Ferreira vê uma certa prudência do STJ ao evitar analisar o mérito do recurso contra a rescisória. Se a análise de mérito é vinculada a violação de tema constitucional, melhor nem adentrar esse ponto, sob risco de levar a mais um dos recorrentes choques tributários com o STF.



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