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porto velho, quarta-feira 23 de abril de 2025
BRASIL - As sessões da 1ª turma do STF desta terça-feira, 22, que, pela manhã e à tarde, analisaram o recebimento da denúncia contra integrantes do chamado Núcleo 2 da trama golpista tiveram um elemento em comum: a presença recorrente de citações bíblicas e referências religiosas, tanto por parte da defesa quanto de alguns ministros da Corte.
Advogados invocam fé
Durante a sustentação oral, os advogados dos denunciados recorreram à Bíblia para sensibilizar os ministros e contextualizar a situação de seus clientes em termos espirituais e morais.
O advogado Marcus Vinicius de Camargo Figueiredo, que defende o acusado Mario Fernandes, fez alusão direta ao profeta Jonas:
"Ministra Cármen Lúcia, eu quero, na verdade, o fracasso do sucesso de Jonas, o profeta. Nossos clientes já estão condenados por advogados da mais alta baliza desse país, e que eu sempre acompanhei nesses 20 anos de atuação."
A fala sugere uma crítica à antecipação de julgamentos e ao que o advogado entende como condenações prematuras no debate público e jurídico, traçando um paralelo com a relutância de Jonas diante da missão de anunciar o juízo divino.
Sebastião Coelho da Silva, advogado do acusado Filipe Garcia Martins Pereira, evocou o sofrimento de Cristo e a solidão de Paulo diante das autoridades. Na manifestação, comparou a trajetória do cliente à paixão de Cristo, sugerindo perseguição injusta.
"O apóstolo Paulo, quando escreveu a Timóteo, ele disse: 'Na minha primeira defesa ninguém me deu ouvidos', mas Felipe Martins aguarda que esse tribunal hoje dê ouvidos à sua defesa. [...] Aquele processo de crucificação que Jesus sofreu, Felipe Martins está sofrendo desde 8 de fevereiro de 2024."
Ministros mencionam Bíblia
Ministro Flávio Dino, ao se manifestar, apropriou-se da linguagem religiosa usada pelos advogados e fez elaborada analogia teológica para tratar do papel do Ministério Público:
"Me lembrei agora ouvindo o ministro Alexandre de outra [passagem], que consta do Gênesis [...]. O Ministério Público é uma península, está ali na transição entre terra e água [...]."
Além disso, Dino relacionou a utilização da colaboração premiada à travessia do deserto pelos hebreus rumo à Terra Prometida, advertindo para os desvios que podem ocorrer no caminho. "Há quem se encante pelo bezerro de ouro, há quem se mantenha fiel aos 10 mandamentos", afirmou.
Papa Dino
Posteriormente, ministro Flávio Dino criticou "juristas de internet". Na oportunidade, ministra Cármen Lúcia ironizou que "juristas" talvez fossem apenas aqueles que emprestam dinheiro a juros. Ao responder, Dino recorreu novamente à Bíblia:
"Não vou deixar a Bíblia de fora. Quem presta dinheiro a juros comete um pecado, segundo o Antigo Testamento."
Em seguinda, ministro Alexandre de Moraes provocou: "Vossa Excelência é candidato a Papa?"
Sem perdão
Em resposta às várias menções bíblicas feitas ao longo dos debates, ministra Cármen Lúcia, ao votar trouxe leitura severa dos atos julgados:
"Falou-se tanto hoje aqui de Bíblia e de, enfim, de momento pascal que acabamos de viver. Neste caso, nesta fase, não há o que perdoar. Sabiam o que estavam fazendo."
Ao recorrer à imagem do momento pascal, que remete à paixão, morte e ressurreição de Cristo, Cármen Lúcia contrapôs o apelo ao perdão com a convicção de que os denunciados agiram de forma consciente e deliberada.