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porto velho, quinta-feira 3 de julho de 2025
BRASIL - Em junho, o STF, por maioria de oito votos a três, reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 19 do marco civil da internet (lei 12.965/14), que condicionava a responsabilização civil das plataformas digitais à existência de prévia ordem judicial para remoção de conteúdo.
Ao firmar entendimento, o STF concluiu que o modelo atual, embora assegure a liberdade de expressão, não garante suficientemente a proteção de direitos fundamentais e da própria democracia, diante da ampla disseminação de conteúdos ilícitos no ambiente digital.
Em entrevista à TV Migalhas, o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu a atuação da Corte na decisão. Para S. Exa., o Supremo somente cumpriu a função ao julgar ações que questionavam a constitucionalidade de trechos da lei, e não invadiu a competência do Legislativo.
"Quando as ações chegam no Supremo Tribunal Federal, a gente julga. É assim que a vida funciona", declarou Barroso, rebatendo a crítica de que o STF estaria legislando.
Afimou, ainda, que a divergência é parte da vida, mas que o STF, possivelmente, fez "a melhor regulação de plataformas digitais hoje existente no mundo".
Veja a entrevista:
Barroso explicou que, antes da decisão, o sistema jurídico brasileiro previa que as plataformas só poderiam ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros se descumprissem ordem judicial de remoção - conforme o art. 19 do marco civil da internet. A única exceção era o art. 21, que permitia remoção mediante notificação privada nos casos de conteúdos de nudez ou sexo não autorizados (a chamada "revenge porn").
Com o novo entendimento, as hipóteses de remoção via notificação privada foram ampliadas. Agora, conteúdos que configuram crimes devem ser removidos após simples notificação - seja feita pela vítima, pelo MP ou por qualquer cidadão.
"Crime tem que remover por notificação privada, salvo crime contra a honra", explicou Barroso. "Para não darmos às plataformas o poder de arbitrar o debate público, crimes contra a honra continuam dependendo de decisão judicial", completou.
Dever de cuidado e algoritmos
O STF também introduziu um terceiro critério: o dever de cuidado.
Nele, as plataformas devem evitar a divulgação pública de certos conteúdos, especialmente aqueles impulsionados por algoritmos.
"Não pode ter terrorismo na rede, pornografia infantil, instigação ao suicídio, ataques à democracia, mas não como conceito subjetivo", explicou o ministro.
Segundo Barroso, o conceito de ataques à democracia está ancorado na tipificação legal incluída no CP, como crimes de golpe de Estado e violência política.
Contra a polarização e a distorção do debate
O presidente do STF lamentou que mesmo decisões baseadas em evidências e razoabilidade encontrem resistência em um cenário de polarização extrema.
"A radicalização chegou a um ponto que nem aquilo que é óbvio e natural consegue mais consenso. [...] Não importa se é conservador, progressista ou liberal: ninguém pode convocar correligionários armados para linchar um adversário."
Barroso ainda criticou setores que se opõem à nova regulação por interesses políticos ou comerciais, e afirmou que a decisão trará benefícios até mesmo para as próprias plataformas.
"Vamos enfrentar a má vontade de quem quer praticar crime, do extremismo político e de quem lucra com o ódio. Mas tenho certeza que, logo ali na esquina do tempo, essas plataformas vão nos agradecer."
O evento
O XIII Fórum Jurídico de Lisboa acontece de 2 a 4 de julho e tem como tema "O mundo em transformação - Direito, Democracia e Sustentabilidade na Era Inteligente". O evento reúne autoridades e acadêmicos de diversas áreas para discutir como a chegada da Era Inteligente tem moldado as relações entre Estados, instituições, empresas e sociedade.