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Por causa de portaria confusa, brasileiros têm dificuldade de voltar ao país

Até aí está tudo aparentemente bem. Ocorre que os exames apresentados pelos viajantes, sejam eles brasileiros ou estrangeiros, devem estar em português, espanhol ou inglês.


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Publicada em: 29/01/2021 19:31:08 - Atualizado

BRASIL: Diversos países adotaram medidas excepcionais para conter o avanço do novo coronavírus, como se espera diante de uma calamidade sanitária. Mas as normas brasileiras estão gerando confusão e dificultando o regresso de brasileiros ao país, mesmo que as medidas.

Foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 25 a Portaria 652/21, editada pela Casa Civil e pelos ministérios da Saúde e da Justiça. A medida exige que brasileiros que estão no exterior apresentem teste negativo de Covid-19 antes de embarcarem de volta ao Brasil.

Até aí está tudo aparentemente bem. Ocorre que os exames apresentados pelos viajantes, sejam eles brasileiros ou estrangeiros, devem estar em português, espanhol ou inglês. O teste RT-PCR deve ser feito até 72 horas antes do embarque. A entrada no avião é barrada se os critérios não forem atendidos.

Elisane Sgarbi, que é atleta profissional de futsal, quase não conseguiu vir ao Brasil por causa da exigência. Ela estava na Itália quando decidiu voltar ao Paraná por causa da situação vivida no país europeu.

A atleta conseguiu embarcar normalmente. No entanto, acabou sendo barrada ao fazer escala na Suíça. A companhia aérea informou que ela não poderia prosseguir com a viagem porque o teste negativo estava em italiano. O voo foi em 16 de janeiro deste ano.

"Foi uma situação completamente constrangedora. Eu estava na Suíça, sem falar o idioma local e sem conhecer ninguém ali. Eu acabei encontrando uma família de brasileiros e ela me ajudou. Mesmo assim, tive que pagar 200 euros (cerca de R$ 1,3 mil) para fazer outro exame e conseguir embarcar no dia seguinte", conta.

"O que me deixou mais desesperada", prossegue Sgarbi, "é que a companhia aérea me disse que eu teria que bancar outra passagem, o teste de Covid e a hospedagem". "Me informaram que a exigência do exame em português, inglês ou espanhol não era da companhia, mas de uma portaria brasileira. A empresa acabou remarcando a passagem e pagou a hospedagem."

Ela conta que outros dois brasileiros foram barrados por causa do idioma do teste. "O mais repugnante é que, chegando no Brasil, não tinha fiscalização nenhuma, nenhum controle. Eu cheguei e peguei minhas malas. Só a companhia aérea fez esse controle", conclui a atleta.

"Confusa e contraditória"

A portaria dispõe sobre restrições à entrada de estrangeiros, de qualquer nacionalidade, "por rodovias, outros meios terrestres ou por transporte aquaviário".

Há, no entanto, uma contradição: a portaria diz, no artigo 3º, que as restrições não se aplicam a brasileiros. No entanto, eles são incluídos nas obrigações a partir do artigo 7º. O mesmo pode ser observado na norma anterior que tratava do mesmo tema (Portaria 648/20), mostrando que o erro foi repetido.

A constitucionalista Vera Chemim diz que não há aparente inconstitucionalidade na medida e que diversos outros países tomaram atitudes semelhantes para frear o avanço do novo coronavírus. Seria inconstitucional apenas se os brasileiros conseguissem embarcar, mas fossem impedidos de entrar no Brasil, explica. Segundo ela, no entanto, a portaria é confusa e contraditória.

"A redação da portaria é no mínimo confusa e, aparentemente, contraditória. Não dá nem para comentar, de tão mal feita que é. A exigência de apresentação de documento em português, espanhol ou inglês é ridícula, porque o que deve importar é a idoneidade do laboratório que emite o exame, não a língua", afirma.

Ela também aponta como contraditório o fato de serem excluídos das exigências, conforme disposto no artigo 3ª da portaria, funcionários estrangeiros que atuam junto ao governo; profissionais em missão a serviço de organismo internacional; estrangeiro que seja cônjuge, companheiro, filho, pai ou curador de brasileiros; pessoas cujo ingresso seja autorizado especificamente pelo governo do Brasil; assim como portadores de Registro Nacional Migratório.

"Qualquer um dos listados pode entrar sem teste, só porque é cônjuge de brasileiro, profissional de organismo internacional, entre outras hipóteses. Não faz sentido, considerando que o artigo 7º diz que todos os viajantes, brasileiros ou estrangeiros, devem apresentar o exame negativo."

Rafael Carneiro, especialista em Direito Público e Direito Constitucional, também critica a portaria. Para ele, há inconstitucionalidade, já que a medida fere o direito fundamental ao território.

"A norma que proíbe o brasileiro de embarcar para o seu próprio país é inconstitucional. Viola o direito fundamental do nacional ao território. E ainda expõe o brasileiro a constrangimentos no exterior, como ser detido e ficar em situação ilegal por vencimento do prazo de visto, por exemplo".

O advogado também destaca que existem regras de segurança para o transporte durante a pandemia, como o uso obrigatório de máscaras e o distanciamento físico.

"A medida de proibir o retorno à nação é extremamente desproporcional. O tripulante estrangeiro sem o exame poderá ingressar no país, mas o brasileiro, não", afirma Carneiro.

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, julgou no último dia 22 um caso envolvendo a exigência de apresentação do teste negativo. Para ela, a cobrança não é desproporcional nem desrespeita direitos fundamentais. O processo, no entanto, não trata das obrigações referentes ao idioma do exame.

"Na realidade, o ato normativo busca conferir o necessário equilíbrio constitucional entre o direito à vida e à saúde, de um lado, e o direito ao ingresso em território nacional, de outro", afirmou.

Outro lado

Se depender das instituições, a confusão não será resolvida tão cedo. A ConJur questionou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Casa Civil sobre a portaria.

A reportagem perguntou quais medidas estão sendo tomadas a partir do momento em que os brasileiros chegam no Brasil; se o serviço de barrar ou permitir os embarques foi terceirizado às companhias aéreas; se há orientação para que esse controle seja feito nos aeroportos brasileiros e como as orientações foram transmitidas.

Em nota, a Anac disse que a medida foi editada seguindo recomendações da Anvisa e que, por isso, não comentaria. A Anvisa, por sua vez, se restringiu a reproduzir o conteúdo da portaria. Já a Casa Civil disse que todas as dúvidas da reportagem estão respondidas no artigo 7º da norma.

Clique aqui para ler a portaria Portaria 652/21


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