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    porto velho, quarta-feira 27 de novembro de 2024

"Controle de moralidade de eleição tem de ser feito pelo eleitor, não pela lei"

Pereira aponta que um dos efeitos maléficos do excesso de regulação nessa área é a judicialização recorde das campanhas eleitorais.


CONJUR

Publicada em: 06/03/2022 12:42:57 - Atualizado

BRASIL: Não há democracia no mundo civilizado que tenha o nível de regulação na propaganda eleitoral que existe no Brasil. "Nós limitamos até o tamanho do adesivo que pode ser colocado no carro. Não há similar no planeta", afirma o coordenador-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Luiz Fernando Casagrande Pereira.

Em entrevista à ConJur, o advogado sustenta que essa hiper-regulação não desestimula quem quer jogar fora da lei e ainda deixa o eleitor desinformado: "São tão amarradas as hipóteses de propaganda eleitoral, são tantas restrições, que há bons estudos mostrando que isso gera déficit de informação para o eleitor."

Pereira aponta que um dos efeitos maléficos do excesso de regulação nessa área é a judicialização recorde das campanhas eleitorais. O alto volume é um produto exclusivamente nacional.

É preciso desidratar a lei. Mas não apenas isso. O advogado defende que se modifique a premissa, que não passa de uma ficção, de que a campanha se dá somente nos 45 dias que antecedem o dia da eleição, como fixa a lei. A ideia seria ampliar as hipóteses de propaganda na pré-campanha. "Não há nenhum problema em oficializarmos que os candidatos estão em campanha muito antes do período eleitoral propriamente dito, que foi reduzido a 45 dias."

Em 1 hora de conversa com a ConJur, que o leitor pode assistir no vídeo abaixo, Pereira analisou o fato de o Telegram ser o único aplicativo com capacidade de influir nas eleições a ignorar as comunicações do Poder Judiciário brasileiro. De acordo com ele, o ideal para enquadrar aplicativos seria uma legislação transnacional. "É muito difícil resolver o problema de forma insular no Brasil."

Mas ele diz acreditar que o caminho para diminuir a possibilidade de influência ilegal no pleito começou a ser bem trilhado na gestão do ministro Luís Roberto Barroso à frente do Tribunal Superior Eleitoral. O ministro estabeleceu parcerias com as redes sociais que, para o advogado, foram responsáveis por um salto qualitativo na possibilidade de controle, impondo, por esses acordos, regras de autorregulação.

Só com autorregulação é possível resolver a questão. Por quê? Porque o Judiciário não tem a velocidade necessária para coibir as fake news que transitam no âmbito dessas plataformas. O tempo do processo não atende à urgência. A saída da autorregulação, com "rotulagem" de postagens, é o caminho que pode transformar a rede em um ambiente menos fértil para as notícias fraudulentas. A rotulagem funciona com a inserção de um link que leva a um site com explicações e respostas verdadeiras a dúvidas em casos de temas sensíveis, como as redes sociais fizeram em postagens relativas à Covid-19 para tentar conter a desinformação.

"Quando a cólera encontra o algoritmo, o impacto disso na eleição é muito grave", afirma Pereira. "Não é concebível que tenhamos um espaço sem lei durante as eleições. E um espaço a serviço de um grupo politico relevante, que busca a reeleição do presidente da República. Buscar a reeleição é legítimo, é claro. Mas nós não podemos oferecer a um grupo específico um espaço em que o TSE não possa interagir ou dar uma decisão com coercibilidade. Isso é impensável no novo ecossistema da disputa eleitoral, que é a internet."

O coordenador da Abradep criticou julgamentos do TSE, como o que resultou na cassação do deputado estadual paranaense Fernando Francischini. Não por defender o ato do deputado, que divulgou notícias falsas sobre o funcionamento de urnas eletrônicas no dia das eleições em 2018, mas porque acredita que juízes têm poucas ferramentas para medir com rigor a influência dos atos no resultado das urnas.

"Nós entregamos para um juiz — que não tem formação em ciência política para estudar quais são os mecanismos de interferência na vontade do eleitor — a tarefa de decidir se, sem os ilícitos, ele teria ou não vencido a eleição. O Brasil é o país que mais relativiza isso, cassando por presunção."

Luiz Fernando Pereira defendeu as federações como "um sistema muito mais adequado a um regime proporcional de lista aberta, como é o nosso", mas acredita que haverá poucas uniões entre os partidos: "Não se deram conta de que a federação implica na verticalização e na manutenção dessa verticalização também nas eleições municipais".

E criticou a Lei da Ficha Limpa, da qual já foi um defensor: "Refleti e hoje acho que a lei é muito ruim, desconsiderou o trânsito em julgado e empilha problemas". O advogado se filia à corrente do ministro aposentado Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, que no julgamento sobre a constitucionalidade da lei, há quase dez anos, disse que não é constitucional, nem coerente, criar duas presunções de inocência, uma menos grave do que a outra. Isso porque a condenação em segunda instância, na esfera penal, não leva à prisão. Mas a mesma condenação suspende os direitos políticos na esfera eleitoral.

De acordo com ele, o Brasil é o país do mundo que mais tem hipóteses de inelegibilidade. Entra eleição, sai eleição, e o tema da ficha limpa não saiu do debate e nem deixou as eleições mais limpas. "A lei de inelegibilidade não pode ser instrumento de moralização. A última tentativa de fazer isso foi o AI-5, em 1967, que usava a expressão 'moralidade' e tirou da arena política todos aqueles que tinham uma denúncia recebida. Não é bom. Controle de moralidade de eleição tem de ser feito pelo eleitor, não pela lei."

Na entrevista, o advogado ainda falou sobre financiamento de campanhas e disse que foi um erro o fim da possibilidade de doação por pessoas jurídicas. Para ele, o ideal seria restabelecer o financiamento privado de campanha, com limites nominais para que não haja a captura de parte do Congresso Nacional, como houve no passado recente, por grandes grupos econômicos.

Pereira ainda defendeu uma quarenta eleitoral com prazo dilatado de oito anos, sugerido pelo ministro Dias Toffoli, do STF, para que juízes e membros do Ministério Público possam se candidatar a cargos eletivos. Ele citou reportagem publicada em O Globo por ocasião dos 30 anos da operação mãos limpas, que mostra que os italianos desconfiam da Justiça de seu país até hoje justamente porque juízes envolvidos nas investigações deixaram a toga para fazer política. E comparou com o caso do ex-juiz Sergio Moro e do ex-procurador da República Deltan Dallagnol.

"Qual é a causa apontada pelos italianos para que exista essa percepção da contaminação da Justiça pela política? A chamada porta giratória. Lá, o juiz pode sair da carreira, ser candidato e voltar a ser juiz. Aqui não é assim, mas a ausência de uma quarentena gera também essa percepção. Imagine o estrago que Moro e Dallagnol fizeram na percepção da imparcialidade da Justiça brasileira ao saírem da 'lava jato' diretamente para disputar eleição?"

O coordenador da Abradep afirma ter dificuldades de aderir às opiniões que enxergam a 'lava jato' como uma operação orientada 100% por motivações políticas: "Não sou capturado por uma visão dualista da história do Brasil, a favor ou contra a 'lava jato'. Como se não se pudesse extrair elementos importantes e apontar defeitos ao mesmo tempo". Mas, para ele, a ideia de motivação puramente política ganhou força quando Moro virou ministro e, depois, saiu candidato à Presidência. E quando Dallagnol saiu da Procuradoria direto para uma provável candidatura a deputado federal.

"Não adianta ser sério, tem de parecer sério. Eu estou com o ministro Toffoli: oito anos de quarentena. Porque não se trata de olhar isoladamente o direito político de um juiz ou de um procurador de ser candidato. Se trata de proteger a imagem do Poder Judiciário. Vamos pagar um preço muito grande pela pretensão política de Moro e de Dallagnol e comprometemos, por muitos anos, a confiança do povo brasileiro no Poder Judiciário em operações como essa."



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