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porto velho, quarta-feira 27 de novembro de 2024
BRASIL - "Não há maior abuso de poder, por parte do Judiciário, do que protelar indefinidamente o julgamento de um réu, mantendo-o no cárcere sem o reconhecimento certo e determinado da sua culpabilidade". Seguido por unanimidade, esse voto foi dado pela desembargadora Nartir Dantas Weber, da 1ª Turma da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), ao reconhecer excesso de prazo e conceder Habeas Corpus a um universitário acusado de matar os pais.
Atualmente com 25 anos, o réu cursava Educação Física à época do duplo homicídio, cometido no dia 2 de julho de 2019. As vítimas foram mortas com golpes de facão na residência de veraneio da família, em Camaçari, região metropolitana de Salvador. Autuado em flagrante, o acusado teve a preventiva decretada. A sua defesa alegou no Habeas Corpus constrangimento ilegal na prisão em virtude do excesso de prazo. Sustentou ainda ausência de provas de autoria e dos requisitos da custódia cautelar.
Nartir Weber votou pela substituição da preventiva por medidas cautelares do artigo 319 do Código de Processo Penal, a serem estabelecidas pelo juízo da 1ª Vara do Júri de Camaçari. "O paciente encontra-se preso há mais de dois anos e oito meses, sem haver o término da instrução processual, não sendo apresentada justificativa suficiente para tamanho atraso, o que evidencia que foi causado pelo mau funcionamento dos órgãos públicos". Conforme a relatora, não há registro de qualquer demora provocada pelo réu.
A desembargadora observou que o juízo de primeiro grau determinou, no dia 10 de março de 2020, a realização de reconstituição do crime. No entanto, a reprodução simulada dos fatos deixou de ser realizada, inicialmente, sob a alegação da pandemia da Covid-19. Posteriormente, a reconstituição foi marcada para os dias 8 de dezembro de 2021 e 17 de janeiro de 2022. Em ambas as datas, ela não ocorreu porque nem todos que dela participariam foram intimados.
Em 28 de fevereiro de 2022, o magistrado da vara do júri revogou a decisão que determinava a reconstituição. "Após ouvir as mídias das oitivas das testemunhas E., L. e R., através da carta precatória, tenho como desnecessária a reconstituição simulada, outrora decretada", justificou. Porém, consultando os autos do processo, a relatora constatou que as mídias mencionadas pelo juiz foram produzidas em audiência realizada no dia 31 de outubro de 2019.
"Não é possível aceitar que as oitivas das testemunhas citadas no decisum, realizadas em 31/10/2019, tenham sido consideradas suficientes para a elucidação da ocorrência delitiva apenas em 28/02/2022, após uma espera de quase dois anos desde a primeira determinação da reconstituição do crime (10/03/2020). (...) Verifica-se que a coação ilegal é evidente e tem como motivo um excesso de prazo injustificado, estando o paciente preso desde 02/07/2019", enfatizou Nartir Weber.
O artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal assegura a todos uma duração razoável do processo. Segundo a relatora, caberia ao juiz adotar providências cabíveis ao regular andamento da ação, principalmente por envolver réu preso. Ela acrescentou que eventual flexibilização dos prazos legais estabelecidos para o término de instrução, em nome do princípio da razoabilidade, não mais se aplica ao caso. "O constrangimento ilegal é visível, atingindo, prima facie, o princípio da dignidade da pessoa humana".
A desembargadora reconheceu que o princípio da razoabilidade, diante das especificidades do caso, recomenda a relativização de prazos e norteia a individualização da pena. Porém, ainda que envolva fato delitivo complexo, com suposto matricídio e patricídio, não se pode permitir cerceamento injustificável de liberdade. "O Direito não é matemática, por se tratar de vidas, é dever dos seus operadores analisar cuidadosamente as singularidades de cada caso a fim de se alcançar o objetivo maior: justiça".