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porto velho, domingo 6 de julho de 2025
MUNDO: Trechos do rascunho da Declaração de Líderes do Brics obtidos pelo Estadão mostram como as delegações discutem no Rio um documento que, a pedido do Irã, poderá subir o tom contra o bombardeio do qual o país foi alvo. A proposta iraniana inclui citar Israel e Estados Unidos, um ponto sensível politicamente, pois poderia opor ainda mais o bloco a Donald Trump.
O teor final ainda não foi fechado por causa de impasses. Os registros mostram que há divergências entre o que Teerã propôs em reuniões diplomáticas que começaram na segunda-feira, dia 30, e o que o Brasil sugeriu como posição mediana, mas que já teria um tom mais crítico do que o comunicado anterior do grupo.
No Rio, a diplomacia islâmica quis emplacar a seguinte proposta de manifestação dos chefes de Estado e de governo do Brics, que serão recebidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
"Condenamos veementemente os ataques militares realizados por Israel e pelos Estados Unidos contra a República Islâmica do Irã desde 13 de junho de 2025, que constituem uma violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, e expressamos profunda preocupação com a subsequente escalada da situação de segurança no Oriente Médio. Expressamos ainda profunda preocupação com os ataques deliberados à infraestrutura civil iraniana e instalações nucleares pacíficas, sob total salvaguarda da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em violação do direito internacional".
Um dos pontos de maior entrave é a proposta de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Brasil sofreu um revés em 2024, ao ver a menção nominal a sua pretensão, bem como à da Índia e à da África do Sul, ser retirada do comunicado de líderes do Brics.
Esse apoio mais explícito aos três países fora negociado com a China e celebrado, em 2023, para destravar a objeção brasileira à expansão do Brics, um desejo de Pequim.
Só que dois países aceitos como novos membros, o Egito e a Etiópia, invocaram um entendimento da União Africana para bloquear menções futuras aos sul-africanos como candidatos do continente a uma vaga permanente no conselho.
Embora o Itamaray tenha protestado e cobrado um acordo pelo qual os países deveriam endossar o que fora resolvido em Johannesburgo, egípicos e etíopes bateram o pé e argumentam que não assinaram compromisso por escrito ao aceitar o convite de ingresso no Brics.
Agora o Itamaraty trabalha para tentar recuperar o progresso obtido em 2023 e retomar o apoio do Brics nominal ao menos a Brasil e Índia, indicando que caberia aos africanos decidirem posteriormente, dentro de seus acordos regionais, os candidatos do continente.
O impasse será abordado no parágrafo 6 da futura Declaração de Líderes do Rio. Um documento com o título "rascunho zero" mostra que a sugestão é "reafirmar" o entendimento obtido dois anos atrás na África do Sul, e voltar com a expressão de apoio à aspiração de países emergentes da África, Ásia e América Latina, "incluindo Brasil e Índia", de "desempenhar um papel mais relevante nos assuntos internacionais, em particular nas Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança".
O Brics pretende indicar que reconhece a legítima aspiração dos países africanos, refletida no Consenso de Ezulwini e na Declaração de Sirte. Esses entendimentos datam de 2005 e pregam que haverá uma posição comum africana a respeito da reforma do Conselho de Segurança. O continente cobra ao menos dois assentos permanentes e cinco não-permanentes para a África - os escolhidos precisam de aval dos demais países de comum acordo.
O texto proposto é o mesmo que a presidência brasileira emitiu na reunião de ministros das Relações Exteriores, em 29 abril deste ano. Na ocasião, porém, não houve um consenso expresso de todos os membros. Ao contrário, os chanceleres do Egito e da Etiópia fizeram questão de registrar com uma nota de rodapé que objetaram novamente a citação de países - não somente da África do Sul, mas também de Brasil e Índia.
Se aprovado, esse trecho da declaração significaria um avanço em relação ao emitido após a cúpula russa de Kazan, porque no ano passado a menção a Brasil, África do Sul e Índia foi deletada e substituída pelo termo genérico "países do Brics".