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porto velho, segunda-feira 7 de julho de 2025
BRASIL - O desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), determinou a retirada do ar de reportagens do portal UOL, que tratavam da compra de 51 imóveis, em dinheiro vivo, pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL) (veja mais abaixo). A decisão é liminar, está em segredo de Justiça, e atende a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Na decisão, o magistrado entendeu que as reportagens, escritas pelos jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, basearam-se em uma investigação anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O UOL afirma que já cumpriu a decisão, mas a classificou como "censura" e disse que vai recorrer.
As reportagens consideravam o patrimônio do presidente, dos três filhos mais velhos, da mãe, de cinco irmãos e duas ex-mulheres, no Distrito Federal e nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo o texto, são 107 imóveis, dos quais 51 foram comprados com dinheiro vivo. Em valores corrigidos pela inflação, o montante equivale hoje a quase R$ 26 milhões, de acordo com a reportagem.
Entre os imóveis analisados, estão alguns que foram citados nas investigações sobre um suposto esquema de "rachadinhas" envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro, entre 2003 e 2018.
Um dia após a divulgação das reportagens, o presidente Jair Bolsonaro se irritou ao ser questionado sobre a compra de imóveis com dinheiro vivo. "Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel?
Decisão do desembargador
Na decisão, o desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti afirma que mesmo que os jornalistas e o portal "tenham dito que se ampararam em pesquisa a documentos fidedignos (escrituras públicas de compra e venda de imóveis), para averiguar quais e quantas propriedades foram adquiridas, com dinheiro em espécie, pela família B., desde os anos 1990, atrelou-se a esses fatos a conclusão ou, ao menos, a suposição, de que o capital utilizado para a compra dos imóveis seria proveniente de prática ilícita, consistente nas denominadas 'rachadinhas'".
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'É a estratégia da família Bolsonaro', diz Valdo sobre decisão que mandou tirar do ar reportagem sobre compra de 51 imóveis com dinheiro vivo
Ainda de acordo com o magistrado, "alguns dos negócios entabulados" foram citados na investigação que apurava o suposto esquema de "rachadinha" envolvendo Flávio Bolsonaro. A investigação foi anulada pelo STJ em novembro do ano passado, porque os ministros da Quinta Turma entenderam que a condução da apuração foi feita por um juiz sem competência para o caso.
Ao determinar a retirada das reportagens, o desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti diz que "tais matérias foram veiculadas quando já se tinha conhecimento da anulação da investigação, em 30/08/2022 e 09/09/2022, o que reflete tenham os Requeridos excedido o direito de livre informar".
Reações
Em nota, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) repudiou a decisão do desembargador. Para a entidade, "o fato dos acontecimentos não terem passado ainda pelo crivo da Justiça não impede que o jornalismo aponte a suspeição dos mesmos, ainda mais quando envolvem pessoas públicas, ocupantes de cargos no Executivo e no Parlamento, que cujas ações devem e podem estar sempre sujeitas ao escrutínio da imprensa e da sociedade".
"A censura imposta às matérias vai contra a liberdade de imprensa, que a própria Justiça deveria proteger, e ataca, mais uma vez, um dos mais importantes pilares da democracia", diz a nota.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) considerou "gravíssima" a decisão. De acordo com a entidade, o ato foi "um ataque a toda imprensa brasileira".
Para a associação, é "de interesse de toda a sociedade brasileira ter conhecimento sobre transações suspeitas envolvendo familiares do presidente – entre eles, três parlamentares". A Abraji afirmou ainda que, em um contexto eleitoral, "a liminar é ainda mais grave, pois impede o escrutínio público, cerceia o debate e impede o exercício livre da imprensa".
"O episódio confirma o aumento do assédio judicial contra jornalistas. Segundo o monitoramento da associação, desde 2002 já são 5.641 pedidos de retirada de conteúdo. O tipo de autor mais comum registrado no projeto são políticos, com 3.245 ações", diz o texto.