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    porto velho, sábado 20 de setembro de 2025

Crônica de Fim de Semana - As operações da Polícia e o fim da ocorrida do ouro

Em Rondônia, o enredo se repetiu. Nas décadas de 70 e 80, o garimpeiro reinava: fechava bordéis, comprava carros à vista, pagava o prazer com as ‘meninas’ com pó dourado...


Redação

Publicada em: 20/09/2025 11:17:34 - Atualizado

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA

AS OPERAÇÕES DA POLÍCIA E O FIM DA CORRIDA DO OURO

Arimar Souza de Sá

Se fosse possível descrever os anseios, as aflições e a coragem de um “Chico Guerreiro” — desses que se despencaram de todos os cantos do Brasil e vieram para Rondônia na febre do ouro e que encontraram apenas a morte no fundo do rio — talvez restasse apenas uma lágrima como registro. O ouro é febre que atormenta a alma e corrompe o espírito. Para buscá-lo, rompe-se muros e profundidade, e a vida se queda no plano inferior. Por isso, é melhor dizer: garimpeiro não tem vida nem paz — tem apenas coragem e febre no coração.

Sempre foi assim: onde brota a riqueza, acende-se o fogo da ambição. É o ouro, metal sem pátria, sem cheiro, amarelo que amarela e perverte a alma da humanidade; e é, ao mesmo tempo, promessa e maldição.

Em Minas Gerais, ergueu casarões e fortunas; depois o ciclo deixou a poeira, a solidão e a melancolia, faustos e infortúnios na pressa de se pegar o trem ou bonde da história da riqueza.

Em Rondônia, o enredo se repetiu. Nas décadas de 70 e 80, o garimpeiro reinava: fechava bordéis, comprava carros à vista, pagava o prazer com as ‘meninas’ com pó dourado. O Madeira se fez formigueiro flutuante, coberto por balsas iluminadas que faziam da noite um dia. Porto Velho tornou-se polo de atração humana, mas poucos ‘bamburraram’ e saíram ricos — muitos colheram apenas desespero e o caos.

O auge trouxe também seus fantasmas: alcoolismo, prostituição, famílias em frangalhos, violência. E agora, quando a febre se esvai, desce a mão pesada do Estado — não para oferecer saída, mas para impor o silêncio do fogo.

Em Humaitá, esta semana, o espetáculo foi de horror. Helicópteros rasgavam o céu como aves de ferro famintas; homens armados desciam de botes; explosões incendiavam balsas, lançando colunas de fumaça negra que se misturavam às nuvens e à dor de quem perdia tudo. O paradoxo é cruel: na tentativa de proteger o rio, ele é envenenado por óleo, gasolina e mercúrio, decorrente das explosões. Ora, combate-se o mal com outro mal — e com brutalidade.

A cena se repete em outras operações: patróis, caminhões e tratores, foram incendiados diante de olhos aflitos. O que poderia ser aproveitado em benefício do povo — doado a prefeituras, convertido em estradas, escolas, serviços — foi consumido pelo fogo da repressão. Faltou o bom senso; sobrou o espetáculo da destruição.

O estampido das bombas e o estalar das chamas ecoaram como cânticos de funeral em solo Humaitaense. O ar se encheu de lágrimas, óleo e cinzas. Os sonhos viraram poeira negra levada pelo vento. Não houve clemência nem defesa: anos de suor viraram cinza em minutos. Famílias inteiras que assistiram à cena dantesca do barranco, voltaram para casa com os olhos inchados, de mãos vazias, sem pão, sem futuro.

Depois do fogo, o abismo. Sem equipamentos, sem trabalho e sem transição para outra ocupação, famílias são empurradas à fome — e a fome, quando não encontra pão, encontra caminho na violência. Sem políticas públicas para acolher os desalojados, as ruas de Porto Velho e Humaitá se encherão de pedintes ou de novos atores do crime.

O fim do garimpo deixa um rastro ambíguo: de um lado, o discurso do combate à ilegalidade; de outro, famílias relegadas ao abandono por quem deveria protegê-las. Sim, é preciso reconhecer: o sonho do ouro ‘fácil’ acabou. Mas destruir sem oferecer alternativa é condenar homens e mulheres ao desespero, sem oferecer-lhes a camisa do trabalho.

Foi com trabalho que os heróis anônimos do Nordeste ergueram a epopeia dos soldados da borracha; foi com trabalho que se construiu a lendária Madeira-Mamoré. Sem trabalho, restarão apenas a violência, a marginalidade e o vazio dos sonhos.

O ouro de aluvião do Madeira é preciso compreender, teve o seu tempo — tempo que passou, como passam as águas e as vidas dos que chegaram sem lenço e sem documento, buscando riqueza e encontrando apenas a ilusão, a perda ou a morte anônima no fundo do rio.

Restará, enfim, o silêncio pesado de uma saga que se encerra sem glória, sem aplausos — apenas a lembrança de um “Chico Guerreiro” qualquer, que veio de longe, sonhando com a riqueza destas paragens, mas cuja vida se afogou junto com sua ambição agarrado ao último lampejo do ouro que blefou entre esperança e a tragédia.

AMÉM!


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