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porto velho, sexta-feira 13 de junho de 2025
Bem-vindo, junho! O mês que acende fogueiras na memória e faz pulsar o coração
Arimar Souza de Sá
“Olha pro céu, meu amor… vê como ele está lindo! (Luiz Gonzaga). É noite de festa é junho chegando e espalhando luz e fogueiras na cidade. E com ele, vem aquele clima de alegria miúda que invade a alma, atiça as lembranças e cresce feito gafanhoto em lavoura de milho. No começo é só um cheiro no ar, depois vira festa no terreiro, o mês inteirinho, sanfona no peito, poeira subindo e lembrança boa no pensamento.
Eu nasci no bairro Baixa do União, onde passei a infância. Já a minha adolescência, foi vivida defronte ao prédio da antiga rádio do território, hoje delegacia do Denarc — em cujo local tinha um campinho, no qual jogávamos uma ‘pelada’ e também servia como cenário inusitado da festa junina, ou palco para algumas das minhas melhores lembranças desse sexto mês do ano.
Quando junho dava o ar da graça, a minha Rua, a Benjamin Constant, se transformava em arraial. A garotada do meu tempo pulava fogueira como se saltasse em direção ao futuro. A gente se divertia à beça, dançando quadrilha, ou fazendo adivinhação com vela pingada na água, jurando que as iniciais do amor verdadeiro surgiriam como mágica. E, claro, tomávamos uma dose de ‘quentão’ escondido dos pais — um gole proibido para não levar uma pisa em casa, mas com gosto de pura aventura, com direito a estalar os dedos.
E no embalo das noites estreladas, lá vinha a música do Trio Nordestino na vitrola do seu Benedito, vizinho de casa:
“Tem tanta fogueira, tem tanto balão, tem tanta brincadeira, todo mundo no terreiro faz adivinhação... Taquei a faca no tronco da bananeira, não gostei da brincadeira, Santo Antônio me enganou”... Parecia que aquela música tinha sido feita só pra gente, pro nosso pedacinho de mundo, ali na Benjamin, esquina com a Rua Brasília, pro nosso jeito simples e feliz de celebrar a vida na adolescência.
E como esquecer o Santo Antônio, o mais requisitado do mês. Era promessa pra todo lado. Tinha moça que se sentindo encalhada colocava o pobre santo de cabeça pra baixo num copo d’água, ameaçando deixá-lo ali até arrumar um pretendente à altura, ou que pelos menos fosse funcionário do Banco do Brasil, que para as mamães à época era partidão.
O certo é que Santo sofria, mas na pressão acabava casando muita gente! Eu próprio, fugi desse milagre dele várias vezes, cruz credo, embora que mais tarde acabasse sucumbindo.
As noites de junho eram e são, ainda hoje, de uma atmosfera mística inesquecível. Tinham cheiro de milho assado, mungunzá, canjica, pipoca, curau, quentão e bolo de milho... A quadrilha era o nosso espetáculo particular, com “olha a cobra!” e “é mentira!” sendo gritados entre gargalhadas e passos desajeitados e ‘vambora’. As bandeirinhas coloridas dançavam com o vento, e a gente se divertia junto, com a alma leve e o coração aceso feito brasa -- e o ‘pau torando’.
Voltando a minha infância, no Baixa da União, em Porto Velho, as noites de junho eram também sempre muitos quentes e celebradas no ritmo do ‘Boi Corre Campo’. Lá, o boi não era só tradição — era própria identidade rondoniense, era história viva. Sob o comando do firme e lendário Antônio Castro Alves, o amo do boi, aquela bagunça sadia ganhava disciplina, cadência e alma. Devidamente paramentado, com voz forte e mão firme, Castro Alves conduzia os brincantes com seriedade, porque sabia que o verdadeiro espetáculo nasce é do respeito à cultura. Era ali, naquele terreiro ribeirinho, centro da capital, que a tradição ganhava corpo, cor e tambor, e entrava definitivamente no folclore da cidade.
E por trás de tudo isso, ecoava sempre a voz de Luiz Gonzaga, o eterno rei do baião. Quando ele cantava: “Ontem eu sonhei que estava em Moscou cantando pagode russo na boate Cossacou”, me lembro como se fosse hoje, esta não era só uma música — mas sim um chamado para a memória e a diversão sadia, era um convite para dançar até amanhecer o dia e agradecer por cada riso, cada cheirinho de lenha, cada confraternização de amigos, tudo traduzido como se fosse um abraço de avó.
Junho é isso: um caldeirão fumegante de fé, sabor, alegria e saudade boa. É o mês em que o Brasil inteiro vira uma grande roça enfeitada, onde o tempo desacelera só para deixar a gente lembrar de onde veio e contemplar nossas origens. É o simpático mês onde o passado e o presente fazem trégua, dão férias ao cansaço do corpo, se abraçam, e saem dançando forró do bom.
Então, meus leitores, junho chegou! Vamos tirar a camisa xadrez do varal da alma e vestir, pregar remendo na calça, acender a fogueira do coração e deixar que o quentão, a sanfona e a lembrança façam o resto.
Porque junho entrou dando o ar da graça, soprando um vento frio — e com ele, a certeza de que a alegria popular nunca sairá de moda e, digo eu com enorme saudosismo, muito menos do meu coração!
Viva Junho, vamos para a festa!
AMÉM!
*O autor é jornalista, advogado e apresentador do Programa A VOZ DO POVO, 103,1, da Rádio Caiari, FM.