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    porto velho, domingo 9 de novembro de 2025

Crônica de Fim de Semana - O Trem da vida e os solavancos da viagem

Mas, quando o trem da vida enfim silenciar após tantos solavancos da viagem, que reste em nós a paz serena de quem soube viajar...


Arimar Souza de Sá

Publicada em: 09/11/2025 10:44:41 - Atualizado

Foto: Reprodução Gemini IA

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA

O TREM DA VIDA E OS SOLAVANCOS DA VIAGEM

Arimar Souza de Sá

A vida é mesmo uma longa viagem de trem — e que viagem! Há estações de alegria, túneis de escuridão, descarrilamentos inesperados e curvas que nos tiram o fôlego.

Em certos trechos, o trem corre solto, desliza pelos trilhos, o vento bate no rosto e o horizonte parece nos prometer eternidade — e isso deixa a alma saciada. Em outros, surgem os solavancos — Ave Maria!e é preciso segurar firme o assento da alma para não cair do vagão.

Às vezes, temos a impressão de andar nas nuvens e, como os pássaros, deixamos os ventos nos levarem, procurando margear os nossos desertos para encontrar, enfim, um porto seguro, longe dos medos, das dores e das aflições. É o momento em que pedimos a Deus força para prosseguir e coragem para enfrentar qualquer ressaca.

Mas há momentos em que o trilho parece se perder no mato, e o trem se perde na estrada. Aí, somos como cotias famintas, tentando sobreviver com o que há, ou como onças rajadas, avançando com fúria para saciar a fome da alma. Noutras vezes, somos apenas camaleões, mudando de cor para caber nos dias, tentando não ser vistos, mas ansiando, em silêncio, por sermos compreendidos.

Também é verdade que, ao longo dessa jornada, cada um escolhe o trem em que quer embarcar e as paisagens que deseja ver. As escolhas são os trilhos invisíveis da existência: quando bem-feitas, conduzem à serenidade; quando impensadas, desviam-nos do rumo e nos fazem parar em estações sombrias. Há quem troque de vagão por capricho, quem pule do trem por impulso e quem perca o próprio destino por ter confundido liberdade com desatino. A vida, afinal, não é feita apenas de caminhos — é feita das decisões que tomamos diante deles.

É nessa travessia que a resiliência se torna o combustível da locomotiva. Quando a vida nos arranca alguém querido, quando a doença nos desafia, quando o desemprego bate à porta ou a injustiça nos esmaga o peito, é ela — a resiliência — quem segura o trem nos trilhos. Às vezes seguimos em lágrimas, outras apenas em silêncio, mas seguimos. Porque há dentro de nós um maquinista invisível que, mesmo cansado, insiste em acreditar que há uma nova paisagem depois da curva e que nenhum inverno é eterno para quem carrega a esperança no peito de que tudo vai passar...

E nessa mesma jornada, aprendemos que o perdão é um dos bilhetes mais caros da viagem — mas também o único que liberta. Guardar mágoa é como tentar empurrar o trem carregando pedras no coração: o peso nos paralisa e o caminho perde o sentido. Perdoar não é esquecer; é escolher não morrer de veneno. A mágoa envenena dois passageiros — o que fere e o que se fere — e só o perdão devolve a ambos a chance de seguir em paz, cada um no seu vagão de aprendizado.

Nem sempre conseguimos manter o controle da locomotiva. No calor das emoções, as palavras escapam dos lábios como fagulhas de uma máquina em alta velocidade — queimam, ferem e, às vezes, deixam marcas que o tempo tenta, em vão, apagar. Quantas amizades ou casamentos já não se perderam em um desses solavancos? Um olhar atravessado, uma resposta seca, uma impaciência mal contida. Há quem salte do trem apenas por orgulho, esquecendo que o percurso era bonito demais para terminar em mágoa. Às vezes, o que chamamos de “vontade de dar o troco” é só a incapacidade de esperar a curva passar.

Mas a vida não tem vagão de retorno. O que nos resta é ajustar o ritmo, apertar os parafusos da esperança e confiar que o próximo túnel terminará em luz. Cada um de nós é passageiro e condutor, maquinista e sonhador. E, entre o barulho do ferro da locomotiva da vida deslizando nos trilhos e o sopro do vento, seguimos tentando entender o mapa invisível dessa viagem que começa no berço e termina — quem sabe — no infinito.

Mas, quando o trem da vida enfim silenciar após tantos solavancos da viagem, que reste em nós a paz serena de quem soube viajar.

Amém!


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