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porto velho, sábado 23 de novembro de 2024
A Amizade, a Política e o Ódio: quem vencerá?
Arimar Souza de Sá.
A amizade é o dom que impulsiona a vida. Por que, então, se briga por razões políticas?
A propósito disto, nos meus tempos de criança, um senhor, já na casa dos 80, contou-me uma historinha interessante sobre a amizade:
Numa cidade pequenininha do interior, viviam dois jovens que, desde a infância, tinham uma amizade consolidada. Quando cresceram, motivos políticos os distanciaram e, por isso, juraram ódio eterno.
Na sequência da vida, já adultos, um tornou-se advogado e o outro médico, e seguiram em suas carreiras, sem, no entanto, jamais trocarem sequer “um dedinho de prosa”.
Um certo dia, o advogado adoeceu de tuberculose e as famílias, diante da gravidade da doença à época, e temendo a morte, aconselharam aos dois reatarem a velha amizade. Nenhum deles, contudo, cedeu no ódio, que dilacera a alma e contamina o corpo e a mente com o vírus da vingança.
Numa fatalidade automobilística, em um negro dia, o médico foi atropelado e morreu. No interior, todos nós sabemos: o velório era realizado em casa, e o féretro segue o caixão carregado pelos amigos.
Ao passar sob janela do ex-amigo advogado, as pessoas pararam para que ele, diante da dor, fosse tocado por algum gesto de amor. O advogado, no entanto, mesmo já em estado terminal da doença que o acometia, com o corpo dessangrado pelas frequentes crises de hemoptise, em um gesto de desprezo, escarrou e cuspiu no chão ao olhar para o féretro, com os olhos ainda lampejando de ira, demonstrando para todos o ódio que nutria no coração.
E assim, o médico foi enterrado, sem que as famílias pudessem ver reatada a amizade construída na época de criança.
No outro dia, por ironia do destino, morreu o advogado e, no interior, sabe como é – uma sepultura diante da outra. Os jazigos de ambos ficaram praticamente juntos e as famílias, sedentas ainda da proximidade dos dois, mesmo sem vida, plantaram flores e rosas em ambos os túmulos, celebrando, no silêncio da morte, a união que teimosos se negaram em vida.
E assim, quando o vento batia na sepultura do médico, as pétalas de rosas cobriam a sepultura do advogado. E se o vento soprava na direção do jazigo do advogado, as pétalas se refestelavam no túmulo do médico – tudo para dizer que a própria natureza cultua a amizade e o amor, porque a natureza é a síntese da divindade e repudia o ódio, os ardis, a mentira e o desamor.
Nos dias atuais, noves fora as brigas de amor, nada separa mais que a política. Irmãos contra irmãos, amigos contra amigos, filhos contra pais. Parece que a argila rondoniense dos antigos “Cutubas” era mesmo diferente da dos “Pele-Curtas”. Que a esquerda, é comedora de anjinhos, e a direita, a exploradora da plebe rude. Cruz credo!
Aliás, o mundo político está dividido assim: Esquerda, direita, centro esquerda, centro direita, tendo sempre como pano de fundo a desunião – vide a do médico e do advogado da história – temperada pelo ódio, a torpeza, a dor e a corrupção.
Olha o mundo! Israel e a Faixa de Gaza. A Líbia e a guerra fratricida; os seguidores de Maomé e os de Cristo, ambos se matam, se dilaceram, sem razão, na atrocidade temporal movida pelo preconceito e a destemperança secular.
Aqui no Brasil, vejam os exemplos do “Estado” de Brasília e os estados de miséria, onde o tráfico impera no Rio, São Paulo, Fortaleza, e o ódio faz gemer o coração da Pátria.
Nas arquibancadas dos estádios, os gritos das torcidas, às vezes crepitando ódio, dão o tom da contenda geral que se estabeleceu no país, vez por outra correndo sangue.
No ninho portovelhense, na vida em comum ou nas redes sociais, o cardápio é o mesmo de fora: antigos amigos polarizam-se, na seara política, extremam-se, “ficam de mal”, largando uma velha e saudável amizade por motivos banais e deixando, nos rastros, o império de discórdias e incompreensões para a vida toda, como fizeram o médico e o advogado.
Neste pedaço de chão, induvidosamente, em tempos de política, reza-se para São Cipriano e para São João. O ódio que cresta a mente é o veículo do demônio, o adversário de Deus.
E não deveria ser assim. O respeito à opinião alheia deveria imperar, dando um tranco na discórdia das discussões políticas. A melhor ordem divina diz assim: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Para que então deixar de abraçar o amigo antigo porque ele optou por um outro partido, ou por outro candidato, diferente do seu?
A questão de escolha é um direito inerente à liberdade democrática e individual de cada ser. A amizade, é bom que se diga, aloja-se em nossos corações antes dos conflitos de qualquer natureza. É um dom maior, e precisa ser preservada em qualquer circunstância da vida, a qualquer custo. Por quê então negá-la?
Neste sentir, vamos ser mais tolerantes quando houver divergência de pensamentos ou ideologias, para que a cizânia não faça império em nossos corações e a luz da amizade se reacenda e se faça sempre prevalecente quando a noite chegar.
Salvemos o sol da amizade.
Não deixemos, enfim, que discussões banais atrapalhem o saudável correr de nossas vidas.
Não permitamos que aquele mesmo ódio que levou o médico e o advogado a contrariar a ordem divina, mesmo diante da morte, seja o norte dos nossos destemperos verbais.
Que haja sempre luz iluminando a amizade, antes que a nuvem negra da desarmonia se estabeleça e separe velhos amigos, e os una apenas debaixo de sete palmos de terra.
AMÉM