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    porto velho, terça-feira 9 de setembro de 2025

O negócio jurídico processual no direito tributário e sua coligação com a transação tributária

Breno de Paula: Doutor e Mestre em Direito (UERJ), Advogado Tributarista, Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia...


Breno de Paula

Publicada em: 08/09/2025 14:33:56 - Atualizado

Foto: Reprodução

RONDÔNIA - O presente artigo tem por objetivo analisar a aplicação do negócio jurídico processual, previsto no art. 190 do Código de Processo Civil, no âmbito do direito tributário, especialmente em sua relação com a transação tributária. Partindo do princípio da indisponibilidade do crédito tributário, discute-se em que medida é possível admitir a flexibilização procedimental e quais são os limites da autonomia das partes diante do interesse público. Examina-se, ainda, a função da transação tributária como instrumento normativo específico de autocomposição material, distinguindo-a do acordo processual, mas destacando pontos de convergência no fortalecimento da consensualidade e da eficiência processual.

O cenário tributário brasileiro é marcado por elevado índice de litigiosidade e sobrecarga do Poder Judiciário. Nesse contexto, o negócio jurídico processual (art. 190, CPC/2015) emerge como ferramenta voltada à flexibilização procedimental, permitindo que as partes estabeleçam convenções no curso do processo.

No entanto, no direito tributário, o princípio da legalidade e a indisponibilidade do crédito tributário impõem restrições à sua aplicação. De outro lado, a transação tributária (Lei nº 13.988/2020 e LC nº 214/2025) representa um avanço legislativo ao admitir a autocomposição sobre o próprio crédito tributário, dentro de limites legais.

O presente estudo busca, portanto, estabelecer os pontos de contato entre o negócio jurídico processual e a transação tributária, evidenciando suas diferenças, complementaridades e potenciais efeitos na racionalização do contencioso fiscal.

O negócio jurídico processual, positivado no art. 190 do CPC, traduz-se na possibilidade de as partes, em litígios que versem sobre direitos disponíveis, convencionarem acerca do procedimento a ser adotado no processo. Entre suas manifestações práticas, destacam-se:

• definição de calendário processual;

• estipulação da forma de produção de provas;

• distribuição diversa do ônus probatório;

• acordo quanto a perícias e custas.

A doutrina o identifica como manifestação da cooperação processual e da autonomia privada no processo, ainda que limitada pelo controle jurisdicional de validade e regularidade.

No âmbito tributário, a aplicação desse instituto encontra barreiras:

• O crédito tributário é regido pela legalidade e indisponibilidade (art. 141, CTN).

• O Estado, como parte no processo, não pode renunciar livremente a receitas públicas.

• O art. 190 do CPC só pode ser utilizado em aspectos procedimentais, jamais para renúncia, redução ou modificação do crédito.

Apesar disso, o negócio jurídico processual pode ser admitido em matéria tributária em hipóteses como:

• definição de prazos processuais;

• ajustes sobre garantias em execuções fiscais;

• ordem de produção de provas técnicas;

• calendário de atos.

A transação tributária, prevista inicialmente no art. 171 do CTN e regulamentada pela Lei nº 13.988/2020, foi ampliada pela LC nº 214/2025 como instrumento de autocomposição tributária.

Diferentemente do acordo processual, a transação atua sobre o crédito tributário, permitindo:

• descontos em juros e multas;

• parcelamentos diferenciados;

• concessão de garantias específicas;

• extinção de litígios tributários mediante renúncia parcial.

Assim, a transação representa a possibilidade de autocomposição material, desde que amparada por lei e orientada pelo interesse público.

Embora distintos em natureza, negócio jurídico processual e transação tributária se conectam:

1. Finalidade comum: ambos visam à redução da litigiosidade e ao incremento da eficiência processual.

2. Consensualidade: ambos representam formas de cooperação entre contribuinte e Fazenda Pública.

3. Complementaridade: o acordo processual regula o como se dará o processo; a transação regula o quê do objeto litigioso.

4. Controle judicial: em ambos, a validade está condicionada ao respeito ao interesse público e ao controle judicial.

O STJ já admitiu a utilização do negócio jurídico processual em matéria tributária, desde que não afete a indisponibilidade do crédito.

Por sua vez, a transação tributária vem sendo implementada pela PGFN e por diversos entes federativos, com resultados positivos na arrecadação e na redução do contencioso.

O negócio jurídico processual, ainda que limitado em sua aplicação no direito tributário, constitui importante ferramenta de racionalização procedimental. Já a transação tributária, por sua vez, abre espaço para a autocomposição material. Ambos os institutos dialogam e se complementam, apontando para um modelo de contencioso fiscal mais consensual e eficiente, em sintonia com a busca por segurança jurídica e redução da litigiosidade.


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