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porto velho, domingo 14 de setembro de 2025
CRÔNICA DE FIM DE SEMANA
ASSIS CANUTO – A SAGA DO DESBRAVADOR QUE PLANTOU CIDADES EM RONDÔNIA E VIROU MEMÓRIA
Arimar Souza de Sá
Alguns homens atravessam a vida como passageiros; outros, como construtores de destinos. Assis Canuto pertence a esta última estirpe. Engenheiro agrônomo, deixou sua marca como um verdadeiro plantador de cidades, figura decisiva na colonização e no nascimento de Rondônia.
Goiano de Itumbiara, Canuto aportou por aqui em 24 de fevereiro de 1970, aos 28 anos, como executor do IBRA — hoje INCRA. À época, Rondônia ainda era território federal e a BR-364, hoje espinha dorsal da integração regional, não passava de uma estrada de lama, tomada por atoleiros intermináveis, onde caminhões atolavam por dias, homens empurravam carros na marra e a esperança parecia se dissolver sob as chuvaradas do inverno amazônico.
Esse foi o cenário que encontrou ao assumir a coordenação regional do então IBRA: um território sem asfalto, sem escolas, sem hospitais. A floresta era soberana, os rios caudalosos não tinham pontes, o carapanã zunia no ouvido como sentença e a malária fazia parte da rotina de vida e morte. Ainda assim, Canuto não perdeu a vontade de lutar.
Foi nesse ambiente hostil que sua bravura floresceu. Visionário, onde havia mata enxergou cidades; onde reinava o silêncio verde, ouviu vozes futuras, crianças em salas de aula, mercados pulsando, ruas surgindo da floresta e famílias erguendo seus lares.
Recebeu migrantes de todos os cantos do país — mineiros, capixabas, paranaenses, goianos, nordestinos — que chegavam em “pau de arara”, carregando no embornal apenas a fé em dias melhores. Canuto não lhes deu apenas terras: ofereceu esperança, cidadania. Administrou sonhos, repartiu horizontes e concedeu o direito sagrado de um pedaço de chão para chamar de seu.
A cada passo na mata enfrentava rios que pareciam muralhas, enchentes que arrastavam pontes improvisadas, animais peçonhentos, noites iluminadas apenas por lamparinas e estrelas, febres tropicais que testavam a resistência de todos. E seguia.
Ora caminhava, ora empurrava carros na lama da BR-364, guiando famílias, organizando plantações, delineando ruas, erguendo escolas, traçando mapas de cidades ainda invisíveis. Mais que gestor de colonização e reforma agrária, foi guia, mentor, amigo, farol para os que chegavam sem lenço, sem documento e, muitas vezes, sem destino.
Sob sua liderança, núcleos de colonização se transformaram em cidades vivas: Ariquemes, Jaru, Ouro Preto do Oeste, Ji-Paraná, Presidente Médici, Cacoal, Pimenta Bueno, entre outras. Implantou projetos como Marechal Dutra, Burareiro e Paulo de Assis Ribeiro. Graças à pertinácia desse desbravador, Rondônia deixou de importar arroz, feijão e leite em pó para se tornar exportadora de soja, milho, carne, café, cacau e energia. A floresta bruta converteu-se em celeiro e potência: um coração verde que hoje pulsa como um dos maiores produtores do espaço amazônico.
Canuto viveu todos os ciclos da colonização, do território federal à elevação de Rondônia a Estado — da borracha ao agro — sempre de forma simples, caminhando lado a lado com o povo.
Nunca se deixou seduzir pelo poder. Preferiu ser lembrado como aquele que plantava cidades e colhia esperanças. Sua trajetória foi feita não de discursos, mas de enfrentamentos: doenças tropicais, travessias de rios sem pontes, estradas enlameadas, voos em teco-tecos com portas amarradas por cordas, onde a coragem substituía a infraestrutura e a refeição era um “badeco” qualquer no meio do nada.
Seu legado não é apenas institucional: é humano. São milhares de famílias que hoje vivem, produzem, sonham e prosperam em Rondônia, caminhando sobre estradas que ajudou a abrir, cultivando terras que distribuiu, vivendo em cidades que ajudou a plantar.
Hoje, celebrado no Senado Federal com diploma de honra ao mérito, Assis Canuto não é apenas um político reconhecido. É memória viva de um tempo de lutas, febres e coragem. Símbolo de uma geração que enfrentou atoleiros, carapanãs e malária, mas não desistiu de construir Rondônia.
Na política, foi deputado federal constituinte, prefeito e vice-prefeito de Ji-Paraná, vice-governador, secretário de Agricultura e chefe da Casa Civil.
Aos 84 anos, é justo que receba flores em vida. Porque o reconhecimento mais belo é aquele que chega enquanto o coração ainda pulsa, enquanto o olhar ainda contempla e a alma ainda se aquece com a gratidão de um povo que ajudou a viver.
Rondônia lhe presta esta homenagem não em silêncio de mármore, mas em vida — para que ele mesmo sinta a vibração de sua obra.
Canuto, nobre amigo, esta é a minha homenagem. Em 1977, ainda menino, ingressei no Incra como datilógrafo e desde então sou testemunha viva da sua obra e da sua saga como desbravador. Hoje, vejo-o como herói em vida, homem que pavimentou com coragem os caminhos que as novas gerações percorrem sem imaginar os sofrimentos de outrora.
E tenha certeza: Rondônia lhe deve não apenas gratidão, mas também memória: a história deste estado se entrelaça à sua própria vida.
Viva Assis Canuto, o plantador de cidades, o herói que Rondônia tem a honra de aplaudir em vida!
AMÉM!