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    porto velho, quarta-feira 1 de outubro de 2025

MPF recomenda medidas contra violência obstétrica e em defesa da cultura indígena em RO

Documento busca humanizar o cuidado, assegurar protagonismo das gestantes e incluir práticas tradicionais no atendimento à saúde...


MPF/RO

Publicada em: 30/09/2025 14:56:49 - Atualizado

Foto de indígena com recém-nascido nos braços
Foto: Reprodução

O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), à Casa de Saúde Indígena (Casai), ao Governo do Estado de Rondônia e à Secretaria Estadual de Saúde (Sesau/RO). O objetivo é que os destinatários do documento adotem medidas urgentes para prevenir e erradicar a violência obstétrica contra mulheres indígenas, respeitando suas tradições culturais durante a gestação, parto e pós-parto.

A iniciativa foi motivada por relatos recorrentes de violência psicológica e física apurados em procedimento administrativo aberto pelo MPF e em audiência pública, realizada em 2 de julho de 2025. Entre os elementos que fundamentaram a atuação, está um caso ocorrido em março de 2024, no qual uma parturiente indígena não recebeu a declaração de óbito e tampouco pôde levar o corpo do feto para cerimônia fúnebre, em desacordo com os costumes da etnia – situação que gerou grave sofrimento psicológico à família.

Relatos de violência e retirada da autonomia – Na audiência pública, foram relatadas práticas que configuram violência obstétrica, como a recusa em respeitar o desejo da gestante pelo parto normal, excesso de cesarianas sem informação adequada, descarte de natimortos sem consentimento e violação ao direito a acompanhante. Também foram registrados exemplos de linguagem desrespeitosa por profissionais de saúde, com frases como: “na hora de virar os olhos não reclamou” ou “ano que vem você estará aqui de novo”.

A recomendação lembra que a violência obstétrica é considerada conduta abusiva pela Lei Estadual nº 4.173/2017 de Rondônia, que classifica como tal recriminar a parturiente por chorar, tratar a mulher de forma inferior ou ignorar suas escolhas. Para o MPF, essas práticas representam a retirada do protagonismo da mulher no momento do parto e violam direitos fundamentais, como a dignidade humana e a autonomia sobre o próprio corpo.

Respeito cultural e autonomia da gestante – Entre as medidas propostas, o MPF recomenda a criação de um Plano de Parto Indígena, um protocolo que deve ser elaborado respeitando a realidade cultural e as preferências da gestante, conforme determina a legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Para viabilizar um parto culturalmente adequado, os órgãos devem traçar um plano de ação para construir espaços e salas de parto com mobiliário que considere os costumes tradicionais de cada etnia. Além disso, é crucial garantir a autonomia da mulher por meio do consentimento informado para procedimentos invasivos (como cesarianas e episiotomias) e assegurar o direito a um acompanhante de confiança em todas as consultas e procedimentos.

Cuidado humanizado e apoio ao luto – As recomendações também buscam erradicar o mau atendimento e o uso de linguagem depreciativa por meio do incentivo a boas práticas e tratamento cortês. Para os casos de perda gestacional, o MPF solicita a humanização do luto materno e parental, com a adoção de medidas que permitam à família se despedir, decidir sobre sepultamento ou cremação e realizar rituais fúnebres conforme as crenças da etnia. Por fim, deve ser instituído um protocolo para a emissão da declaração de natimorto e sua entrega aos pais para sepultamento, mesmo que o feto não atinja os parâmetros médicos definidos, prevenindo traumas psicológicos à família.

Direitos humanos e respeito à diversidade – A recomendação foi assinada pela procuradora da República Caroline de Fátima Helpa e pelo procurador da República Leonardo Trevizani Caberlon. Para eles, a medida visa assegurar que os serviços de saúde respeitem a realidade cultural dos povos indígenas e combatam práticas de violência obstétrica que atentam contra a dignidade da pessoa humana e o direito constitucional à saúde.

Prazos e encaminhamentos – Os órgãos destinatários têm 30 dias para informar ao MPF se acatarão a recomendação e quais medidas serão adotadas. O não cumprimento poderá resultar em medidas administrativas e judiciais contra gestores e responsáveis.

Cópias da recomendação também foram encaminhadas à Coordenação dos Cursos de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia (Unir), para análise e inclusão de conteúdos curriculares relacionados ao contexto cultural indígena.

Recomendação Conjunta nº 5/2025


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