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porto velho, quinta-feira 6 de novembro de 2025

No Brasil, o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em adultos enfrenta inúmeros desafios. Para superar essas dificuldades, está sendo realizado um estudo, por meio do qual são desenvolvidas escalas de heterorrelato para a triagem de autismo no país. Essa iniciativa busca criar ferramentas de avaliação mais precisas, aprimorando o diagnóstico e superando as barreiras que dificultam a identificação do autismo após a infância.
O autismo é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por dificuldades significativas de comunicação e interação social, bem como por padrões restritos ou repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades. Essas características estão presentes desde o início do desenvolvimento e causam prejuízo significativo na vida da pessoa autista. O diagnóstico é clínico e baseado em critérios estabelecidos pelo Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR).
Apesar de ser uma condição presente desde o desenvolvimento, muitas pessoas são diagnosticadas com autismo apenas na vida adulta. Isso ocorre por diversos fatores, incluindo o acesso limitado aos serviços de saúde e o pouco conhecimento sobre as diferenças na forma de manifestação das características do autismo em crianças e adultos.
Mulheres autistas enfrentam maiores dificuldades no diagnóstico, pois as peculiaridades e a complexidade do gênero feminino são frequentemente desconsideradas nas avaliações. Além disso, elas apresentam uma maior capacidade de camuflagem social. Esta é uma estratégia, muitas vezes inconsciente, de mascarar traços autistas para se adequar a expectativas sociais. Essa camuflagem leva a interpretações equivocadas de seus comportamentos, que podem ser confundidos com outras condições, contribuindo para a subidentificação do autismo em mulheres.
Para um diagnóstico mais preciso, as escalas de heterorrelato são preenchidas por pessoas próximas, como familiares ou amigos. Essa abordagem complementa o autorrelato e oferece uma perspectiva externa. Ela minimiza distorções na percepção de características clínicas atuais, especialmente porque a camuflagem social pode dificultar que o próprio adulto reconheça seus traços. Além disso, permite avaliar características de autismo na infância, cujas informações o adulto pode não recordar.
As escalas de triagem internacionais comumente utilizadas, como o AQ-10 e o RAADS-R, não são totalmente eficazes na detecção da camuflagem social. A incapacidade de identificar essas estratégias de mascaramento e as apresentações mais sutis do autismo pode resultar em diagnósticos imprecisos. Consequentemente, isso aumenta o risco de sofrimento psicológico e o desenvolvimento de condições como ansiedade e depressão em pessoas autistas que não são diagnosticadas.
O Brasil tem uma lacuna significativa de pesquisas sobre a prevalência do autismo em adultos e de escalas validadas em português para sua triagem. Essa falta de ferramentas adequadas e de dados nacionais robustos dificulta a identificação e o acesso a suporte para muitos adultos autistas. Embora haja avanços em escalas de autorrelato, a necessidade de instrumentos de heterorrelato permanece uma área crítica.
No desenvolvimento de novas ferramentas de avaliação para o autismo, a participação de pessoas autistas, por meio do co-design ou cocriação, é fundamental. Essa colaboração garante que as ferramentas sejam inclusivas e representem a diversidade das experiências autistas. Tal abordagem visa criar avaliações neuroafirmativas, que estejam de acordo com as formas de pensar e de sentir das pessoas autistas.
Visando minimizar os desafios enfrentados durante o processo de diagnóstico tardio, o pesquisador e psiquiatra, Dr. Lucas Fortaleza (CRM 15630/CE e 245544/SP e RQE 15630/CE e 122234/SP), está concluindo um estudo, por meio do qual foram desenvolvidas escalas de heterorrelato para o rastreio de autismo em adultos no Brasil. O projeto contou com pessoas autistas na equipe, utilizou uma metodologia rigorosa, foi estruturado em etapas de desenvolvimento de itens, estudo piloto e estudo de campo. As escalas serão usadas tanto para os traços autistas atuais na vida adulta quanto para a avaliação retrospectiva de características presentes na infância. A pesquisa teve por objetivo obter uma ferramenta robusta e adaptada à realidade brasileira, contribuindo significativamente para o diagnóstico tardio do TEA.