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porto velho, sexta-feira 22 de novembro de 2024
BRASIL: Sucedem-se, com indesejável frequência, notícias de corrupção praticadas por magistrados. A corrupção faz parte dos defeitos do ser humano e, por isso, não é absurdo o fato de atingir todas as categorias profissionais. Por tal razão, não surpreende saber de julgamentos tendenciosos ao longo de nossa história. Todavia, nos últimos anos, a situação vem se agravando de forma assustadora. Os juízes de quando comecei a atuar (anos 1960) eram respeitados por todos.
Tiremos um exemplo da música caipira O Mineiro e o Italiano (1964). Em ação possessória que travavam, o mineiro pediu ao seu advogado que desse um presente ao juiz e dissesse que sua família era pobre, os filhos estavam doentes e que “um palmo de terra a mais para o italiano é indiferente”. O advogado recusou-se, dizendo que se tratava de um juiz correto e severo. No dia do julgamento, o juiz deu ganho de causa ao mineiro. E este, depois, explicou ao surpreso advogado:
“Peguei uma leitoa gorda foi Deus do céu que me deu esse plano
Numa cidade vizinha para o juiz eu fui despachando
Só não mandei no meu nome
Mandei no nome do italiano” [1]
Mas, se a corrupção se encontra em parte da humanidade e se ela acompanha a história do Brasil, isto não significa que deve ser tolerada, principalmente na magistratura. Ao contrário, deve ser enfrentada como se fez na Argentina, onde Cárdenas e Héctor M. Chayer escreveram, em 2005, a obra Corrupción Judicial. Mecanismos para Prevenirla y Erradicarla [2].
No ano de 1991, o magistrado e professor Clayton Reis lançou a público a obra Dano Moral, pioneira no tema, e que hoje se encontra na sua sexta edição. Nela fez constar o direito de a pessoa realizar-se como ser integral, sendo que “o aviltamento do direito do indivíduo, de realizar-se através de sua personalidade, constitui dano de natureza eminentemente moral” [3].
Sérgio Cavaliere Filho, com propriedade, afirma que o dano moral pode ser fruto da dor, vexame, tristeza, sofrimento ou humilhação à vítima [4].
O dano moral subjetivo passou a ser aplicado a partir da vigência da Constituição de 1988, que o previu expressamente no artigo 5º, inciso X. Sem menção ao dano moral coletivo, ele levou longo tempo para ser reconhecido. Foi em 2009 que o STJ, em recurso relatado pela ministra Eliana Calmon, em caso envolvendo conflito sobre o direito de acesso gratuito dos idosos ao serviço de transporte coletivo, decidiu que:
“1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos” [5].
Evoluiu a jurisprudência até o ponto de ser objeto da Súmula 227, que afirma: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Mas foi com o tempo que tal posição foi mais bem explicitada. Passou a ser exigida prova objetiva do dano sofrido. Neste particular, o acórdão relatado pela ministra Nancy Andrighi em 2019 foi elucidativo, ao afirmar que:
“8. A distinção entre o dano moral da pessoa natural e o da pessoa jurídica acarreta uma diferença de tratamento, revelada na necessidade de comprovação do efetivo prejuízo à valoração social no meio em que a pessoa jurídica atua (bom nome, credibilidade e reputação)” [6].
O tema vai sendo refinado. Em 16 de junho deste ano, nesta revista eletrônica, foi publicado o artigo “Dano moral coletivo: como STJ interpreta ofensa que atinge valores de toda comunidade”, no qual se fez minucioso levantamento de diversas hipóteses de cabimento do dano moral coletivo e também exemplos de situações em que ele não é aceito [7].
Muito poderia ser dito sobre um juiz corrupto. Mas Edgard Moura Bittencourt é tão preciso nas suas palavras, que dispensa outras menções. Após elencar o que considera virtudes de um juiz, observa:
“A elas, como é óbvio, não adiciono a honestidade, que não é virtude, senão mero ponto de partida, essencial como o diploma ou a capacidade civil: o desonesto pode estar vestido com uma toga, que não cobrirá um magistrado mas uma repelente ferida social e moral” [8].
Atualmente o Poder Judiciário brasileiro passa por situação paradoxal: seus juízes nunca foram tão bem remunerados e, ainda assim, nunca tantas vezes acusados de corrupção. Para não nos alongarmos em tristes exemplos, fiquemos em apenas um que, por suas peculiaridades, chama mais a atenção. Segundo o site da CNN, “Cinco magistrados do TJ-MS são alvo de operação da PF e foram afastados; STJ determinou que eles usem tornozeleira eletrônica” [9].
A notícia teve enorme repercussão nos meios de comunicação e, entre as suas peculiaridades, acha-se o fato de, na residência do desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso, terem sido encontrados cerca de R$ 2,7 milhões em dinheiro de contado, como diriam os antigos, ou em cash, como se diz atualmente. Também chama a atenção o fato de que, entre os acusados se encontra o presidente do tribunal, desembargador Sérgio Fernandes Martins.
Muito embora o TJ-MS seja um tribunal que conta com outros magistrados respeitados, o certo é que uma notícia como essa atinge profundamente a instituição, colocando-a em péssima situação perante a sociedade.
Mas a cada caso de acusação de corrupção e, mais ainda, quando há prisão, os efeitos extrapolam o local do ato. Exemplificando com o caso escolhido, não só os desembargadores do TJ-MS foram atingidos. A meu ver, todos os juízes brasileiros, indistintamente, foram alcançados pela conduta dos cinco acusados.
Exagero? De forma alguma. Tal tipo de caso gera a crença popular, absolutamente errada, de que todos os magistrados, ou no mínimo a maioria, são corruptos. E isto não é verdade. Os bons cumprem seu papel com a discrição que o cargo recomenda. Os maus, quando pilhados, recebem enorme divulgação. E todos, indistintamente, arcam com as consequências do descrédito, de gracejos irresponsáveis e até mesmo de desrespeito nas audiências, o que vem se tornando usual.
A proposta é inusitada, sem dúvida. Mas ela é dada a partir da constatação de que outras medidas não vêm surtindo efeito. Pagar bem parece que não vem dando resultados, pois os juízes ganham muito bem.
Punição administrativa pelo CNJ parece não intimidar os mais audaciosos. Assumem o risco de serem acusados em processo administrativo porque, raciocinando com base na avaliação econômica do Direito, concluem que uma aposentadoria proporcional ou, eventualmente, integral (a depender do tempo de serviço), vale o risco.
Ação penal também pouco assusta. É que nos tribunais superiores, abarrotados de processos de toda espécie e sujeitos a um formalismo superior ao da primeira instância, dificilmente uma ação penal chega ao final a tempo de não prescrever.
Valer-se, assim, de uma ação civil indenizatória, pode ser uma boa medida. Os magistrados que optam pelo desvio das funções têm bens para responder por eventual condenação. A matéria, via de regra, não dependerá de provas. No caso sob análise, por exemplo, a decisão da prisão foi dada por ministro do STJ. Goza de absoluta presunção de ser correta e adequada. Por outro lado, no caso específico do desembargador Julio Cardoso, a guarda de vultosa quantia em casa deixa margem para a conclusão de presumir-se ser fruto de recebimento ilícito.
Eventual ação poderia ser proposta por um juiz individualmente. Mas a ofensa extrapola em muito uma ou algumas pessoas, todos os magistrados são vítimas. Ademais, pessoas desacompanhadas poderiam sofrer vinganças na carreira ou de outra ordem e ninguém tem a obrigação de ser herói. Associações de magistrados, principalmente as de caráter nacional, têm estrutura para enfrentar o embate.
Em se tratando de dano moral coletivo, será importante demonstrar os efeitos sobre o bom nome dos juízes, credibilidade e reputação, para tanto juntando todos os locais em que o texto foi publicado, se saiu em canal de televisão, as agruras dos magistrados em razão da notícia, todas as formas, enfim.
Quanto ao valor, o melhor a fazer é seguir a orientação do TJ-GO ao decidir que: “A indenização pelo dano moral possui caráter punitivo, para que o causador do dano, diante de sua condenação, se sinta castigado pela ofensa que praticou; possui também caráter compensatório, para que a vítima receba valor que lhe proporcione valor como contrapartida do mal sofrido” [10].
O destino a ser dado à quantia apurada pode ser de várias formas. Mas, a meu ver, a mais exemplar seria a doação a entidade de assistência judiciária do local da ocorrência, como os existentes em programas de faculdades de Direito.
Fica a sugestão. Líderes audaciosos se perpetuam na memória por força de suas oportunas ações, líderes amantes da rotina são esquecidos em pouco tempo.