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    porto velho, domingo 27 de julho de 2025

Entenda por que TRTs e STF julgam pejotização apesar de suspensão de ações

Decisões continuam sendo proferidas mesmo após medida de Gilmar Mendes que paralisou processos em todo o país...


MIGALHAS

Publicada em: 23/07/2025 17:44:06 - Atualizado

Foto: Reprodução

A suspensão, determinada pelo ministro Gilmar Mendes, de todos os processos que discutem a legalidade da contratação de autônomos ou pessoas jurídicas (pejotização) não impediu que TRTs e o próprio Supremo continuassem a julgar ações envolvendo reconhecimento de vínculo empregatício.

Embora à primeira vista pareça haver um descumprimento da ordem, a explicação está na delimitação dos temas analisados e na fragmentação do debate em diferentes repercussões gerais.

Entenda, a seguir, as principais diferenças.

Decisão do decano

Em abril de 2025, ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de processos envolvendo a legalidade de contratações por meio de instrumentos civis e comerciais como alternativas ao regime celetista.

A medida foi proferida no ARE 1.532.603, com repercussão geral reconhecida sob o Tema 1.389, que trata da competência da Justiça do Trabalho, do ônus da prova e da possível fraude em contratações via CNPJ ou como autônomos.

"Tema 1389 - Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade."

A decisão do relator baseou-se no art. 1.035, § 5º, do CPC, e foi motivada, segundo o ministro, pela reiterada resistência da Justiça do Trabalho em aplicar a jurisprudência do STF, o que vinha resultando em uma sobrecarga de reclamações constitucionais.

Assim, o decano do STF determinou a paralisação de todos os feitos com objeto semelhante até o julgamento de mérito do tema.

Caso da Uber

Pouco depois da decisão, a Uber protocolou pedido para que a suspensão fosse estendida a processos que discutem a natureza jurídica da relação entre motoristas e aplicativos.

O pleito foi direcionado ao ministro Edson Fachin, relator do RE 1.446.336, vinculado ao Tema 1.291, que trata da possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre plataformas digitais e seus prestadores de serviço.

"Tema 1291 - Reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital."

Segundo a Uber, os Temas 1.389 e 1.291 se entrelaçam, pois ambos debatem a validade de modelos contratuais alternativos à CLT.

A empresa argumentou que a suspensão também deveria atingir os processos do Tema 1.291 para evitar decisões conflitantes e garantir isonomia.

Até o momento, porém, Fachin não decidiu sobre o pedido.

TRTs continuam reconhecendo vínculo

Enquanto o STF não define a extensão da suspensão, os TRTs seguem julgando os casos que entendem não estarem abrangidos pela medida de Gilmar Mendes.

Foi o que ocorreu recentemente na 3ª turma do TRT da 4ª região, que reconheceu vínculo de emprego entre um motorista e a Uber, fixando o valor provisório da condenação em R$ 100 mil.

Segundo o acórdão, mesmo diante dos debates em curso no STF, os elementos clássicos da relação empregatícia (pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação) estavam presentes, legitimando a decisão.

Como a suspensão do Tema 1.389 não se aplica automaticamente ao Tema 1.291, os TRTs mantêm a autonomia para julgar os casos enquanto o Supremo não fixa tese de repercussão geral para os motoristas de app.

STF também segue decidindo

O próprio STF também continua a analisar casos individualmente, mesmo após a suspensão do Tema 1.389.

Exemplo disso foi a decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, na Rcl 82.018, envolvendo uma vendedora contratada como pessoa jurídica para representar comercialmente uma ótica.

Moraes cassou decisão do TRT da 18ª região que havia reconhecido vínculo de emprego, ao entender que a Justiça do Trabalho desrespeitou precedentes do Supremo sobre a validade de modelos contratuais distintos da CLT, como fixado no Tema 725 da repercussão geral e na ADPF 324.

O ministro julgou a ação trabalhista improcedente diretamente, com base nos fundamentos constitucionais da livre iniciativa e da organização empresarial.

No mesmo sentido, em maio de 2025, ministro Cristiano Zanin cassou decisão da 5ª vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP que havia reconhecido vínculo entre uma advogada e a contratante, apesar da suspensão do Tema 1.389 estar em vigor.

Para S. Exa., o caso envolvia violação direta a precedentes consolidados do STF, como a ADPF 324 e o Tema 725, que reconhecem a licitude de formas contratuais diversas da CLT.

Sem indícios de simulação, afirmou, a relação jurídica era válida e não se enquadrava no sobrestamento previsto por Gilmar Mendes.

Em sentido oposto, ministro Luiz Fux determinou, em junho, a paralisação de processo semelhante, no qual também se discutia a existência de vínculo com escritório de advocacia.

Para Fux, o tema envolvia potencial fraude à legislação trabalhista, integrando o escopo da repercussão geral reconhecida, e, portanto, deveria ser suspenso.

Divisão interna

Decisões recentes da 1ª turma Supremo também indicam que não há consenso na Corte sobre os limites da aplicação da suspensão.

A divergência ganhou novos contornos em sessão da 1ª turma do STF, que analisava se reclamação de um motoboy contra empresa de entregas deveria ser suspensa.

Os ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin defenderam que a suspensão não se aplica automaticamente a casos em trâmite no próprio STF, e alertaram que ações com evidências concretas de subordinação, exclusividade e remuneração por tarefa podem extrapolar o escopo genérico do Tema 1.389.

Já a ministra Cármen Lúcia e o ministro Flávio Dino expressaram preocupação com os impactos da suspensão sobre trabalhadores vulneráveis e com a coerência da jurisprudência da Corte, defendendo a necessidade de julgamento célere do mérito.

Ao final, prevaleceu o entendimento de que a suspensão nacional determinada no Tema 1.389 não alcança os processos em tramitação no Supremo, o que permitiu o prosseguimento do julgamento do mérito do agravo regimental.

Superada a questão de ordem, a turma julgou o mérito e, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental da empresa.

O relator, ministro Cristiano Zanin, entendeu que não havia nos autos demonstração de que o trabalhador estivesse cadastrado como transportador autônomo de cargas, afastando a aplicação da lei 11.442/07 e da ADC 48.

Destacou, ainda, a condição de vulnerabilidade do motoboy, que recebia R$ 3 por entrega e trabalhava de forma contínua, subordinada e exclusiva para a empresa. Para Zanin, a decisão da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo empregatício está em conformidade com o art. 3º da CLT e não afrontou precedentes do Supremo, sendo incabível o uso da reclamação como meio de reexame fático-probatório.

A própria 1ª turma do STF decidiu, em outro caso recente, rejeitar agravo interposto por trabalhador. Ele pedia a revisão de decisão monocrática de Fux, que havia suspendido processo.

O colegiado, por unanimidade, entendeu que a discussão sobre possível fraude em contrato firmado com PJ integra de fato o núcleo do Tema 1.389, e por isso deveria aguardar definição da tese pelo plenário.

Esses episódios ilustram que, embora a suspensão determinada por Gilmar Mendes tenha caráter nacional, sua aplicação prática depende da análise contextual de cada caso e da interpretação subjetiva sobre o que está, ou não, abarcado pela repercussão geral.

Disputa institucional

As decisões também evidenciam tensão crescente entre o STF e a Justiça do Trabalho. Enquanto o Supremo tem adotado postura mais liberal quanto à organização produtiva e à validade de contratos civis, admitindo terceirizações, parcerias e outras formas de contrato, os tribunais trabalhistas seguem atentos à realidade da prestação dos serviços, reconhecendo vínculo sempre que identificam subordinação e simulação contratual.

O julgamento do Tema 1.389 poderá ser decisivo para consolidar a linha do STF e restringir a atuação da Justiça do Trabalho nesses casos.

Já o desfecho do Tema 1.291, ainda pendente, poderá definir o destino das mais de 10 mil ações envolvendo motoristas e plataformas digitais em todo o país.

Próximos capítulos

Para dar andamento ao julgamento do tema, ministro Gilmar Mendes convocou audiência pública para o dia 10 de setembro, que contará com a participação de especialistas, representantes do Executivo e do Legislativo, além de ministros do TST.

Segundo Gilmar, o objetivo é construir diretrizes técnicas e plurais que reflitam as transformações nas formas de trabalho, inclusive com base em experiências internacionais.


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