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porto velho, quarta-feira 12 de novembro de 2025

A 3ª turma do STJ reconheceu, por unanimidade, a paternidade socioafetiva pós-morte de duas enteadas, ao concluir que o vínculo afetivo e o reconhecimento público da relação com o padrasto bastam para caracterizar a filiação.
Para o colegiado, a falta de manifestação formal do falecido não impede o reconhecimento da paternidade, desde que comprovados a convivência familiar, o afeto e o tratamento público como relação de pai e filhas.
O caso
O caso trata de ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva pós-morte cumulada com petição de herança, proposta por duas mulheres que alegavam ter sido criadas como filhas pelo companheiro de sua mãe. O homem faleceu em 2021, após mais de 20 anos de convivência familiar com as autoras.
Nas instâncias inferiores, o juízo de 1º grau e o TJ/SP rejeitaram o pedido, entendendo que não havia prova inequívoca de que o falecido tivesse a intenção de reconhecê-las como filhas, ainda que o relacionamento fosse marcado por afeto e convivência.
Segundo as decisões, o fato de ele ter formalizado o reconhecimento da filha biológica e a união estável com a mãe das autoras demonstraria que sabia como declarar legalmente a paternidade, mas não o fez em relação às enteadas.
No recurso especial, as recorrentes sustentaram violação aos arts. 1.593 e 1.606 do CC e ao art. 27 do ECA, argumentando que a prova constante dos autos, como planos de saúde, convívio familiar e testemunhos, seria suficiente para comprovar o vínculo afetivo e público da relação, dispensando manifestação formal do falecido.
Voto da relatora
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi votou para reconhecer a filiação socioafetiva pós-morte entre as recorrentes e o falecido padrasto.
A ministra explicou que o processo discutia se seria indispensável uma manifestação formal de vontade do falecido para o reconhecimento da paternidade socioafetiva. Para ela, a ausência dessa manifestação não impede o reconhecimento quando há prova suficiente de convivência, afeto, dependência e reconhecimento público do vínculo familiar.
Nancy ressaltou que o juízo de 1º grau e o TJ/SP haviam negado o pedido por falta de declaração expressa do falecido, mas que as provas constantes dos autos, como documentos, fotos, planos de saúde e depoimentos, demonstravam a posse do estado de filhas e o conhecimento público dessa condição.
A relatora observou que o falecido viveu mais de 20 anos com as autoras, ajudou financeiramente, manteve-as como dependentes em plano de saúde, incluiu-as em plano funerário e conviveu com elas como uma família, evidenciando um laço de paternidade consolidado pelo afeto.
Para Nancy, exigir manifestação formal de vontade "seria um entrave injustificável a um direito personalíssimo" e contrariaria o art. 27 do ECA, que assegura o direito de o filho buscar o reconhecimento da filiação a qualquer tempo.
A ministra também afastou a aplicação da Súmula 7 do STJ, argumentando que não houve reexame de provas, mas requalificação jurídica dos fatos incontroversos, com base nas próprias conclusões do tribunal de origem.
Assim, votou para reconhecer a paternidade socioafetiva e reformar o acórdão do TJ/SP, reafirmando que a formalidade não é requisito essencial quando comprovada a posse do estado de filho e o reconhecimento público da relação.
Os ministros Humberto Martins e Daniela Teixeira acompanharam a relatora.
Veja o voto:

Voto-vista
Apresentando voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva votou em sentido divergente a relatora. Cueva destacou que a jurisprudência do STJ estabelece dois requisitos indispensáveis para o reconhecimento dessa forma de filiação: (i) o tratamento do postulante como filho e (ii) o conhecimento público dessa condição. Ele ressaltou que não é necessária manifestação formal de vontade do falecido, mas é imprescindível a demonstração concreta desses elementos.
No entanto, conforme o ministro, as instâncias ordinárias, tanto o juízo de 1º grau quanto o Tribunal de Justiça, analisaram detidamente o conjunto probatório e concluíram pela inexistência de prova inequívoca de que o falecido tivesse a intenção de reconhecer as autoras como filhas. O afeto e a convivência, embora evidentes, não bastam para caracterizar a posse do estado de filho, que exige uma postura contínua e pública de paternidade.
Cueva ressaltou que o falecido reconheceu formalmente apenas sua filha biológica e formalizou a união estável com a genitora das recorrentes, o que demonstra conhecimento e capacidade para realizar outros atos de vontade semelhantes, como um reconhecimento de paternidade, se assim desejasse. A ausência dessa formalização, portanto, reforça a inexistência de intenção inequívoca de paternidade socioafetiva.
Diante disso, o ministro entendeu que modificar a conclusão das instâncias inferiores exigiria reexame de fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.
Assim, divergiu da relatora e não conheceu do recurso especial, mantendo a improcedência do pedido de reconhecimento da paternidade socioafetiva pós-morte.
O ministro Moura Ribeiro acompanhou o voto divergente. Ambos ficaram vencidos.
Processo: REsp 2.201.652