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porto velho, terça-feira 25 de novembro de 2025

BRASIL - O deputado Nikolas Ferreira foi condenado a pagar R$ 40 mil ao republicar vídeo nas redes sociais e afirmar que uma mulher transexual "é um homem". O juiz de Direito André Augusto Salvador Bezerra, da 42ª vara Cível de São Paulo/SP, citou a "irracionalidade de se preocupar com a vida alheia" e afirmou que o caso se enquadra em discriminação por identidade de gênero, ultrapassando os limites da liberdade de expressão.
O caso teve início quando a mulher compareceu a um salão de beleza para realizar um procedimento estético e foi informada de que o estabelecimento atendia apenas "mulheres biológicas". Após tentar resolver a situação sem êxito, ela publicou um vídeo no TikTok relatando a discriminação.
Nikolas Ferreira, à época vereador em Belo Horizonte, republicou o vídeo em suas redes sociais e acrescentou comentários.
"Essa pessoa aqui se considera mulher, mas ela é homem, e estava alegando transfobia. Então agora você é obrigado a depilar um pênis ou, caso contrário, você é transfóbico. Cada dia mais essa imposição está ficando diária. Daqui a pouco a gente vai ter de cagar rosa."
A publicação levou a mulher a ingressar com ação por danos morais, alegando que os comentários deslegitimaram sua identidade como mulher transexual e a ridicularizaram, o que a fez se sentir discriminada e ofendida. Ela pediu inicialmente R$ 20 mil, valor depois majorado para R$ 50 mil.
Na contestação, Nikolas alegou imunidade parlamentar e sustentou que sua republicação do vídeo se limitou ao exercício da liberdade de expressão e manifestação político-ideológica, negando a prática de ato ilícito.
O juiz rejeitou a imunidade parlamentar ao entender que as ofensas ocorreram nas redes sociais, com repercussão nacional, e fora do município onde Nikolas exercia o mandato.
Em seguida, afirmou que houve discriminação por identidade de gênero, iniciada quando a mulher teve seu direito de autoidentificação negado.
"Ora, em uma sociedade em que vigora a liberdade e a democracia, não parece razoável negar esse direito. Afinal, trata-se de fato que não atinge a esfera jurídica de mais ninguém, a não ser da própria pessoa envolvida: as demais pessoas continuarão a poder exercer suas opções sexuais, as igrejas continuarão a poder realizar seus cultos, pais e mães perdurarão no exercício de transmitir seus valores morais à prole. Nada, absolutamente nada mudará, a não ser para a própria pessoa que se atribui o gênero diverso ao nascimento."
Afirmou ainda que "tamanha a irracionalidade de quem se preocupa com as opções de vida alheias à sua que o Supremo Tribunal Federal equiparou a transfobia ao crime de injúria racial".
Na sentença, o magistrado ressaltou que a expressão ideologia de gênero, utilizada pelo parlamentar, não encontra respaldo científico e representa forma de negacionismo.
"Pode-se, então, afirmar enfaticamente que há negacionismo na chamada ideologia de gênero. Esta ignora a distinção da categoria gênero (de índole social) com a categoria sexo (de índole biológica), amplamente reconhecida na ciência. Aliás, o próprio Conselho Nacional de Justiça, ao publicar o Protocolo com Perspectiva de Gênero, cuja aplicação é obrigatória aos membros da magistratura (na Resolução n.º 492 de 17 de março de 2023 do CNJ), chama a distinção de sexo e gênero como "básica."
O juiz também destacou o agravamento do dano quando a discriminação recebe endosso de uma autoridade pública.
"É dotada de maior potencial nocivo perante toda a sociedade, configurando um verdadeiro incentivo para que outros estabelecimentos discriminem outras mulheres transgêneros pelo país afora."
Ainda na decisão, afirmou que Nikolas "ridicularizou e estereotipou a autora, como se censurando o fato desta não seguir os padrões de uma moral supostamente religiosa que defende e que parece querer que todos sigam".
"Não se discute aqui o que é ou não é politicamente correto. Discute-se aqui eventual responsabilização de autoridade estatal por transposição dos limites ao exercício da liberdade de expressão à luz do ordenamento jurídico brasileiro."
Assim, mediante ao exposto, afirmou que as ofensas eram evidentes e independiam de maiores comprovações, fixando a indenização em R$ 40 mil por considerar a repercussão e o fato de terem sido proferidas por um agente político.
Processo: 0020017-77.2025.8.26.0100